quarta-feira, abril 30, 2014

Perícia policial não consegue identificar assassinos no Brasil

 http://cidadenewsitau.blogspot.com.br/A segunda reportagem da série "Impunidade" exibe imagens fortes de ossadas humanas em baldes de lixo, urnas funerárias abandonadas
com corpos sem identificação. Nossas equipes trazem exemplos contundentes de incapacidade da perícia policial em partes do Brasil.
Tiros na noite da periferia de Natal. No meio da multidão, a vítima de um assassinato. A condenação de um culpado depende da investigação que começa na cena do crime. Todas as evidências podem ajudar a polícia, mas só se o local for isolado até a chegada da perícia. Caso contrário, as pistas desaparecem. E uma investigação que começa assim, normalmente não chega a lugar nenhum.
Estimativas, inclusive da Associação Brasileira de Criminalística, indicam que a quantidade de assassinatos cujos culpados são descobertos e punidos no país é muito baixa. Nos Estados Unidos, o índice é de 65%. Na França, 80%. No Reino Unido, 90%. Já, no Brasil, não passa de 8%.
A impunidade é regra no Brasil. E o Rio Grande do Norte é um exemplo do que acontece quando o país não prioriza a segurança. Em um prédio velho funciona o Instituto Técnico e Científico de Polícia em Natal, o ITEP, responsável pelas perícias no estado.
Nos fundos, o abandono cheirava mal. O Jornal da Globo encontrou baldes com ossadas humanas. No mesmo pátio, havia cerca de 30 urnas funerárias com corpos que aguardavam identificação.
“Como não tem laboratório de genética, os cadáveres ficam aguardando. As famílias ficam aguardando por essa identificação. Às vezes, a família espera um ano, dois anos, três anos Eles ficam depositados nessas condições. O cheiro é insuportável. O estado tem obrigação de fazer uma investigação, mas até agora não foi feito”, conta o perito Fabrício Fernandes de Sá Oliveira.
CAOS NOS INSTITUTOS DE PERÍCIA
A equipe de reportagem entrou no necrotério. A falta de higiene e de procedimentos é assustadora. Algumas câmaras frigoríficas têm mais de um corpo por gaveta.
A bancada de instrumentos parecia ter saído de um filme de terror: conchas, facões, martelos, tesouras de jardinagem, serras e agulhas improvisadas. Até uma haste de guarda-chuva, afiado na ponta, usado para costurar os cadáveres.
O diretor geral do instituto de perícias tentou justificar a situação. “É uma opção deles fazerem a sutura do cadáver com esta haste de guarda-chuva que eles mostraram a vocês. Nós fornecemos o material adequado para eles trabalharem. Então eles improvisam, porque é mais confortável pegar uma faca de peixeira, que dá mais apoio, do que um bisturi”, argumenta Nazareno de Deus.
O diretor foi exonerado alguns dias depois dessa entrevista. E a informação que ele deu foi contestada pelo presidente do Sindicato dos Policiais. “Eles compraram muitas agulhas e compraram sem especificação técnica correta. Eles usam também a faca peixeira, o facão, porque a lâmina, o bisturi que compraram, também não é apropriado para necropsia”, diz Dejair de Oliveira, presidente do Sindicato dos Policiais do Rio Grande do Norte.
Existem outros problemas. O instituto deveria ter 280 funcionários, mas tem 550. Secretárias sobrando, porteiros demais e peritos de menos. A maioria dos servidores foi para lá por influência de padrinhos políticos, porque as gratificações são altas. “O principal problema do ITEP é de gestão. Um interesse político por trás e não ao trabalho fim que seria ajudar a polícia a realizar os trabalhos investigativos”, afirma Henrique Baltazar, juiz criminal de Natal.
O governo federal pagou por um laboratório novo em folha para o ITEP, que foi montado há meses. E está sem funcionar porque a rede elétrica não foi reformada. A estrutura física para receber os equipamentos era a contrapartida do Rio Grande do Norte, mas faltou dinheiro para a segurança pública.
O governo do Rio Grande do Norte diz que o problema da violência no estado vem sendo causado pelo crescimento da economia. “Essas são situações criticas para o nosso estado. Nós tivemos nos últimos anos um crescimento econômico muito grande principalmente na região Nordeste. E eu falo com isso com plena convicção porque eu converso diariamente com os secretários de segurança dos estados vizinhos, principalmente Ceará, da Paraíba e de Pernambuco. Realmente, todos enfrentam uma situação semelhante a do Rio Grande do Norte”, explica Aldair da Rocha, ex-secretário de Segurança Pública do estado.
Aldair não é mais secretário de segurança. Deixou o cargo para concorrer às eleições de outubro. A gestão dele não mudou a estrutura das polícias no estado. A situação do ITEP foi alvo de uma auditoria, mas nenhuma medida foi tomada.
ESCASSEZ DE EQUIPAMENTOS
O diagnóstico da perícia criminal no Brasil, feito pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, revelou as diferenças de estruturas pelo país. Enquanto os peritos de Minas Gerais têm 228 câmeras para registrar as cenas de crimes, os do Rio Grande do Sul tem 14. E, para todo o estado do Amazonas, são nove câmeras.

No Paraná, estão instalados três equipamentos para testes de DNA. Em Minas, só um. E, em nove estados (Alagoas, Bahia, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Sergipe), não há nenhum equipamento. Essa estrutura não é suficiente para atendera quantidade de crimes que precisam ser investigados.
Alagoas tem o maior índice de violência do Brasil, mais do que o dobro da média nacional. O Instituto de Criminalística de Maceió funciona em um antigo hotel adaptado. Segundo os técnicos, para todo o estado, são apenas quatro equipes, com um motorista e um perito, que nem se sente tão perito.
“Eu trabalho no setor de balística, mas eu trabalho também fazendo perícia de acidente de trânsito, de morte violenta, de assalto a banco, qual é a minha especialização? Nenhuma”, confessa o perito Paulo Rogério Ferreira.
CRIMES NÃO COMBATIDOS
Quando questionado se o que fazia era suficiente para combater o crime, ele respondeu que “não”.
O orgulho do instituto é o equipamento de comparação balística. Moderno, mas que ajuda pouco. O Brasil não tem um banco de dados de armas de fogo.
“Se tivéssemos um banco de dados, como um banco de dados de projéteis de armas de fogo, a gente poderia identificar se aquela arma atuou em outros homicídios, se aquela impressão digital coletada no local do crime está relacionada a outros delitos”, afirma Paulo Rogério Ferreira.
Para medir a violência, as Nações Unidas adotaram o número de homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Em uma lista de 95 países, o Brasil aparece atrás apenas de El Salvador, Ilhas Virgens, Trinidad e Tobago, Venezuela, Colômbia e Guatemala.
O índice brasileiro é de 27,1. O do Chile, 2,7. E do Japão, 0,3.

A qualidade da investigação criminal no Brasil é ruim e muitas razões são apontadas, desde o excesso de crimes até a falta de especialização policial.
“Grande parte do problema é de material humano, de concepção do papel da polícia, de capacitação do policial. Para que ele possa estar próximo da população e ser confiável à população. Nas polícias científicas, muitas vezes, não há a punição porque elas não contribuírem com as provas necessárias para que um júri seja convencido de que aquela pessoa matou aquela outra pessoa”, aponta.
No modelo brasileiro de investigação, o delegado de polícia é o responsável pelo inquérito, ele precisa entregar provas fortes suficientes para o Ministério Público acusar o suspeito. Deveria ser assim, mas não é. O que acontece nas delegacias brasileiras é bem diferente. E isso pode ser visto na terceira reportagem da série sobre impunidade.




Reprodução Cidade News Itaú via Jornal da Globo

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