terça-feira, junho 18, 2013

Correndo para ajudar na guerra da Síria, mas alegando imparcialidade

Dentro do cordão de postos de controle do governo que cercam a capital da Síria, os moradores estão acostumados com o estalo do fogo de morteiros. Inúmeros projéteis voam a cada dia das bases no alto da Montanha Qasioun, com vista para a cidade. Para a maioria das pessoas, o impacto disso fica na imaginação, enquanto um veículo de notícias estatal argumenta que estão atingindo "terroristas", rebeldes liderados por combatentes estrangeiros que estão determinados a destruir a cultura antiga e diversa de Damasco.

Entretanto, alguns membros das equipes de ambulância do grupo Crescente Vermelho Árabe Sírio estão entre os poucos que regularmente veem o que está do outro lado por si mesmos. Como voluntários do Crescente Vermelho, eles não têm permissão para tomarem partido de nenhum dos lados abertamente. No entanto, eles cruzam os postos de controle para ajudar os subúrbios disputados, e na volta, descrevem o que veem do outro lado uns para os outros e entre amigos e família. Nem sempre bate com a descrição do governo.

"Com certeza, estão atingindo civis, e eles sabem", declarou um voluntário, fumando e batendo papo com colegas recentemente em uma sala de lazer iluminada pelo sol. Do lado de fora da janela, subia fumaça do subúrbio de Barzeh.

"Não estamos enfrentando um inimigo externo, estamos matando a nós mesmos", disse outro voluntário, Mohammed, aluno de odontologia e líder de equipe. "Os civis estão pagando o preço, de ambos os lados."

O que destaca esses relatos é que os voluntários moram e trabalham em Damasco, onde um comentário errado sobre a rebelião contra o Presidente Bashar al-Assad pode resultar em detenção por tempo indeterminado ou algo pior. Eles trabalham para uma organização que, como todas as instituições de caridade legais, é supervisionada pelo governo.

A missão deles, dizem os voluntários, é ajudar os necessitados, não importando qual a afiliação política. No conflito polarizado da Síria, isso equivale a uma postura radical. Em todo o país, os voluntários têm pagado o preço.

Pelo menos 17 foram mortos, por ambos os lados, enquanto ajudavam os feridos ou entregavam suprimentos de emergência, afirmou Khaled Erksoussi, o diretor de operações do Crescente Vermelho. A maioria foi morta por projéteis; outros por bombas e atiradores de elite. Dezenas de pessoas foram detidas pelo governo, declarou.

"Se você oferecer primeiros socorros para um lado", Mohammed disse, "o outro lado acha que você está do lado deles".

As 14 filiais do Crescente Vermelho Árabe Sírio e as 84 subfiliais refletem a diversidade política das suas comunidades. Algumas – chamadas de "o mau Crescente Vermelho" por algumas autoridades de segurança – trabalham completamente em áreas controladas por rebeldes. A filial de Damasco, chefiada por um empresário próximo a Assad, é amplamente visto pela oposição como uma ferramenta do Estado, acusada de fornecer ajuda humanitária de forma desproporcional para as regiões pró-Assad.

Mas no último ano, os voluntários e os trabalhadores de ajuda humanitária internacional afirmam, algumas equipes de Damasco têm buscado a neutralidade com vigor surpreendente.

O Crescente Vermelho tem um incentivo para alegar a neutralidade; estão em jogo centenas de milhões de dólares de ajuda internacional que os líderes de oposição exilados estão tentando desviar da organização para os seus próprios grupos de ajuda humanitária, ou para agências internacionais que eles dizem que seriam mais imparciais.

Porém, trabalhadores de ajuda humanitária internacional afirmam que a evolução do grupo também parece ser impulsionada por novos voluntários, famintos por ação civil significativa, que assumem a missão de servir todos os lados seriamente. Voluntários se coordenam com forças de segurança e com os rebeldes para atravessar as linhas de batalha. Frequentemente, a permissão é negada, e quando é dada isso não significa proteção.

Um líder de um pelotão de Damasco, acusado de abastecer grupos armados em Zabadani, perto de Damasco, passou 75 dias na prisão. Ele perdeu 39,9 quilos e teve de se submeter a uma cirurgia de reconstrução em uma perna na Suíça "em função do bom tratamento que ele recebeu", um voluntário disse sarcasticamente, falando anonimamente por medo de represália.

Ao ser indagado sobre tais casos, o voluntário soltou uma risada ácida.

"Somos culpados", disse, de tratar e de alimentar pessoas que algumas autoridades afirmam que "desejam mortos". O Crescente Vermelho, ele explicou, fornece suprimento aos comitês civis em cidades controladas por rebeldes, sem rastrear o destino do suprimento.

Na sala de lazer, quase todos os voluntários – alunos de Farmácia, de Música e de Literatura Francesa – afirmaram que foram pelo menos brevemente detidos. Eles se inquietaram sobre um esquadrão, detido naquela manhã seguindo para uma clínica no bairro disputado de Jobar. Logo então, a equipe desaparecida entrou na sala, recém-libertada, ainda em seus uniformes vermelhos.

Os colegas saltaram para abraçá-los, gritando, "Graças a Deus vocês estão salvos!"

Momentos depois, uma campainha tocou. Um detido recentemente, ator em sua vida anterior, saiu às pressas para uma missão, mastigando um sanduíche e erguendo o punho como campeão.

Simplesmente por ver as áreas de oposição em primeira mão e voltar com as suas impressões, os voluntários podem ser vistos como uma ameaça. O governo, por exemplo, descreve os rebeldes sunitas como ávidos por matar minorias. Mas outra voluntária detida nesse dia, Reem, uma cristã que usa uma cruz de 5,1 centímetros, disse que ela nunca se sentira ameaçada nas áreas rebeldes.

"Não há nada a temer", disse. "Não é uma seita contra a outra. É a oposição contra o governo."

Os voluntários, que pediram para ser identificados apenas pelo primeiro nome por segurança, lutam com as lembranças de pessoas desenterrando sobreviventes dos escombros com as mãos quando a equipe de resgate do governo não quis ir, de corpos rasgados de lado a lado, por carros-bombas rebeldes e bombas de ataques aéreos do governo.

Mohammed contou ser assombrado por imagens de um casal com um filho de dois anos. Uma bomba atingiu todos eles em um subúrbio de Moadhamiya controlado por rebeldes. Todos foram criticamente feridos. A equipe de Mohammed lutou para reanimá-los. Os tombos na estrada os deixaram desequilibrados, e homens armados – primeiros rebeldes, depois soldados – ficaram parando a ambulância. Apenas a mãe sobreviveu.

"Tudo estava contra nós na tentativa fazê-los viver", Mohammed disse. "Um cara diz, 'você pode ir', o outro diz, 'Você não pode', e ficamos perdendo tempo. Eles estão apenas brincando conosco".

Raghad, de 21 anos, se lembrou da raiva e choque com o que sobrou do rosto de um homem após um bombardeamento. Hamza, de 23 anos, recordou-se de correr na frente de um tanque para levar um paciente até a segurança.

Os celulares deles tocam constantemente. Eles asseguram os pais de que ainda estão vivos. Hamza e o irmão sempre trabalham em ambulâncias separadas, assim uma bomba não matará os dois. Mesmo assim, o trabalho traz um novo propósito.

"Você tem alma, você vê o sorriso de uma criança, isso te fortalece por meses", disse Mohammed, que mora na sede desde que sua família fugiu de um subúrbio bombardeado.

"Comecei a amar o país", Raghad acrescentou. "Muitos de nós começaram a sentir que realmente que aqui é o nosso lugar".

No entanto, a perspectiva deles também é sombria. Eles debatem se os rebeldes irão "se vingar" de Damasco por não despertar mais cedo; Hamza afirma que sim, Mohammed que não. Preocupam-se que células infiltradas lutarão com as recém-armadas milícias do governo, e que se rebeldes entrarem na cidade, o governo a bombardeará.

"Estamos esperando a bolha explodir, e sabemos que irá", Mohammed disse.

"A espera está nos matando", Hamza acrescentou.

Reprodução Cidade News Itaú

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