domingo, novembro 05, 2017

Vítimas de tragédia em Mariana ainda vivem incertezas após dois anos

A tragédia provocada pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana completa dois anos neste domingo (5). E o repórter Ricardo Soares mostra que nesse tempo todo, milhares de famílias ainda convivem com muitas incertezas.
A tragédia do dia 5 de novembro de 2015 foi a maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos. No dia, a devastação. Dois anos depois, o abandono. A vida tem sido um sacrifício em toda terra que o rejeito de minério cobriu.
Seu Lício só não foi embora da roça porque está recebendo ajuda de custo para cuidar do gado no curral: "Esse cartão de auxílio que eles me dão aí é a conta de eu pagar fubá, milho, esses 'trem'. O meu bolso nessa história fica é lá no chão, né?"
A barragem da mineradora Samarco se rompeu e derramou mais de 40 milhões de metros cúbicos de lama de minério em um vale, na área rural de Mariana. A avalanche arrasou povoados. Em Bento Rodrigues, mais de 200 famílias perderam as casas e 19 pessoas morreram.
Só contra a Samarco há mais de 50 mil ações correndo em comarcas da Justiça estadual de Minas. A mineradora levou 36 multas da Secretaria de Meio Ambiente do estado, mas só começou a pagar uma, de R$ 127 milhões, parcelada em 60 vezes. As multas aplicadas pelo Ibama passam de R$ 340 milhões, mas o órgão diz que a empresa recorreu de todas.
A ação criminal que responsabilizou a Samarco, a Vale, a BHP e a VogBR, e mais 22 pessoas está suspensa pela Justiça Federal. A defesa questionou provas do processo. Vinte e uma pessoas foram denunciadas por homicídio.
Passados dois anos da tragédia, tem morador que ainda briga para receber indenização emergencial da mineradora. "São comunidades pequenas, ordeiras, em que as pessoas se conhecem. E que não há motivos para ficar negando direitos às pessoas", afirma o promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneguin.
As obras do Novo Bento não andam nem com pressão do Ministério Público. O terreno onde o povoado vai ser reconstruído já está comprado, com o dinheiro que a promotoria de justiça conseguiu bloquear da mineradora. Os moradores ajudaram a escolher o local. As ruas e lotes tinham sido até demarcados. Só que o projeto tomou bomba das autoridades de meio ambiente.
"Ao fazer o projeto eles invadiram uma área muito íngreme, com alta declividade e esse local não é possível fazer construção. Também invadiram áreas de Mata Atlântica e a medição do terreno estava equivocada", explica Guilherme.
A espera pela casa nova é em endereços provisórios, em apartamentos como o que a Samarco alugou pra seu José Barbosa em Mariana. "Eu tinha quintal grande, né? Hoje aqui não tem lugar pra plantar um pé de couve. É 'difícilmente' um dia que eu não tô angustioso", reclama ele.
O trabalho está mais adiantado na cidade de Barra Longa, onde o povo convive com máquina pesada até hoje. Os moradores costumam manter as casas fechadas dia e noite por causa de uma visita indesejada... Só que não tem porta nem janela que consiga barrar completamente a poerinha fina que veio de carona com a lama de minério.
E a qualidade da água dos rios está longe de voltar ao normal. O rejeito estacionado nas margens e no leito continua tingindo a água com esse tom avermelhado. Tem uma parte desse estrago que não se vê e que é considerada o ponto de interrogação do plano de recuperação ambiental. Abaixo da linha d'água do rio Gualaxo do Norte, a lama de minério formou camadas com até 3,70 cm de profundidade. Até agora, ninguém, nem as autoridades, sabem afirmar o que é que vai ser feito com esse material que está depositado no fundo.
"No momento que a gente vem aqui com uma máquina e retira, a gente volta a trazer uma movimentação de lama, de minério, de todos esses materiais que tavam acumulados lá dentro da área da Samarco e que isso vai ser novamente lançado na natureza. Pode ser que o estudo mostre para gente que os impactos da retirada são tão negativos que o melhor é manter o rejeito da forma como tá", diz o analisa ambiental do Ibama Anderson Peixoto.
A fundação Renova, empresa criada pela Samarco, Vale e BHP, em acordo com os governos, afirma que algumas indenizações já começaram a ser pagas. Primeiro a cerca de dez mil pescadores. Em seguida, aos areeiros e outros profissionais. A fundação reconhece que a água dos rios ainda está com problemas e que a situação deve melhorar em até dois anos. Sobre os vilarejos de Gesteira, em Barra Longa, e de Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues, em Mariana, a fundação garante que as obras vão ser entregues no prazo.
"A construção de Bento vai ser entregue dentro do prazo estimado no termo de ajustamento de conduta, que é as primeiras casas ao final de 2018... A entrega da cidadezinha até meio de 2019. A aquisição do terreno tá feita, o plano diretor da nova área tá consensado com a comunidade e com os órgãos que as assessoram. E agora a gente entra no processo de regularização final das obras que se iniciam em fevereiro do ano que vem", afirma representante da Renova.
Apesar de todas as explicações, quem está com a vida parada há 2 anos, esperando a hora de recomeçar, vai juntando muito mais sofrimento do que esperança. "Com essa preocupação que a gente dorme com ela e levanta com ela. Ainda não foi reassentado, ainda não foi indenizado, a demora tá sendo tanta. Por que isso? A empresa tem que colocar na cabeça quem tirou nós de lá foi ela, ela que tem que tomar as providências, trabalhar o mais rápido possível pra tirar nós dessa ansiedade", desabafa José do Nascimento de Jesus, presidente da Associação de moradores de Bento Rodrigues.
O promotor de Mariana disse, neste sábado (4), que entrou com uma ação civil pública para que a Fundação Renova faça o reassentamento das vítimas até março de 2019 e que um atraso pode gerar multa de R$ 20 milhões por dia. A Fundação Renova tem afirmado que vai reassentar todos os moradores até o primeiro semestre de 2019.
A Renova também declarou que com a conclusão de parte das obras de Barra Longa houve uma redução de 70% na movimentação de caminhões na cidade e que isso contribuiu pra diminuir a poeira. A fundação afirmou ainda que vai continuar adotando medidas pra monitorar e controlar a poeira, como o uso de borrifadores de água, por exemplo.
A Samarco afirmou que já pagou R$ 2,5 bilhões em ações de reparação e compensação. Em relação às ações judiciais, a empresa declarou que tem buscado a conciliação em todos os casos, porque considera que esse seja o caminho mais ágil para a solução das indenizações. E, sobre os recursos contra as multas, a empresa afirmou que exerce o seu direito de defesa.

Fonte: Jornal Nacional

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