sábado, maio 02, 2015

O jogo que homenageava a ditadura e teve 22 expulsos

De preto no centro da imagem está Gilberto Nahas, árbitro que expulsou 22 jogadores num jogo em homenagem a ditaduraMilitares e cartolas de Florianópolis apostaram na dobradinha política e futebol para obter vantagens em 1971. Avaí e Figueirense entraram em campo no dia 1º de abril para um amistoso em homenagem a
Revolução Democrática de 1964, como os militares batizaram o golpe em João Goulart. Os donos do poder queriam uma casquinha da popularidade do esporte e os dirigentes o cachê. Não contavam que o pau quebrasse e todos os jogadores fossem expulsos.

A troca de socos, pontapés e xingamentos ocorreu no começo do segundo tempo conta Felipe Matos, historiador e criador do site Memória Avaiana. Os jogadores não fizeram cerimônia por ter os principais comandantes das Forças Armadas de Santa Catarina e o governador Colombo Salles na tribuna de honra. Até a bandeira de escanteio foi usada como arma e somente os dois goleiros não brigaram

Vanderlei Silva, 71 anos, estava na arquibancada e recorda que os torcedores foram para casa frustrados porque Gilberto Nahas, árbitro da partida, expulsou os atletas. Considerado o melhor homem do apito da época, naquele dia ele mostrou porque merecia a deferência.

O historiador conta que o encerramento do jogo desgostou os militares e oficiais foram ao vestiário pedir que o juiz reconsiderasse a decisão. O nome de um almirante foi usado porque Nahas era sargento da Marinha. Mas ele não cedeu. Respondeu que em campo valiam as regras da FIFA e o árbitro era a autoridade máxima.

Felipe Matos diz que várias histórias surgiram a partir deste episódio e uma delas relata que Nahas passara uma semana preso. Folclore afirma o pesquisador. Na verdade ele foi "impedido de baixar à terra", expressão da Marinha que significa ser proibido de voltar para casa ao final do dia. Mas o árbitro não passou a noite numa cela.

Nahas morreu em 2010, mas dois anos antes falou ao jornal Hora de Santa Catarina que faria tudo igual e daria cartão vermelho para todos os jogadores. " Não tinha o que fazer. Simplesmente eu peguei o cartão vermelho, girei no ar para todos os lados e disse tá todo mundo expulso", relembrou.

Caco estava em campo, era ponta direita do Figueirense numa partida nervosa desde o princípio e as discussões iniciaram assim que a bola rolou. "O jogo começou encardido. Não tinha como terminar diferente". Acrescenta que na hora que a briga estourou tentou se esconder, mas não teve jeito e levou uns cascudos.

O ex-jogador fala que a presença do prefeito, do governador e de autoridades no estádio foi ignorada. "Na hora não deu para segurar. Ninguém lembrou que esses caras existiam." Caco afirma que nas semanas seguintes todos queriam saber detalhes e o motivo da confusão, mas os atletas não abriram o bico e a história ficou restrita ao vestiário.

A briga também tinha implicações políticas, afinal um evento de propaganda do regime terminou em briga, mas este viés foi ignorado pela imprensa. O historiador conta que houve apenas uma nota no jornal O Estado. Principal veículo de comunicação de Santa Catarina na época, ele era dirigido por Aderbal Ramos da Silva, patrono do Avaí. A cobertura se limitou a uma nota meramente esportiva relatando a partida.

Ocorre que a expulsão em massa causou dois reveses aos clubes. Por atuarem metade do tempo, receberam 50% do dinheiro prometido. Ambos  ainda tinham o elenco titular suspenso para a primeira partida do estadual daquele ano. Mas uma artimanha livrou as equipes do segundo problema.

Advogados alegaram que o árbitro apenas levantou o cartão quando deveria ter se direcionado a cada atleta. A súmula deveria conter o número de todos os expulsos, mas o documento descrevia: "todos os jogadores foram expulsos". A tese foi aceita pela Justiça Desportiva e as expulsões canceladas.

Felipe Matos conta que não era raro os clubes trabalharem juntos nos bastidores. Apesar da rivalidade ser alimentada em declarações à imprensa e de virem de correntes políticas distintas – o Avaí ligado ao antigo PSD e o Figueirense a Arena - os times de Florianópolis agiam juntos para garantir vantagens. A cumplicidade associada à mídia engajada não alimentou o caso e hoje pessoas com menos de 40 anos não sabem da existência do jogo.

Os mais velhos lembram dos comentários na semana depois da partida. Mas o assunto principal das rodinhas de conversa era como a briga começou. A versão mais aceita é de que o marrento atacante Cláudio do Figueirense infernou a vida do zagueiro Deodato do Avaí. De saco cheio das provocações, o defensor teria dado um chute no abdômen do adversário e a briga se generalizou.

Outra hipótese se refere a uma disputa amorosa entre atletas. A última explicação é que dois amigos de farra se desentenderam e começaram a confusão. O saldo final é que um jogo em homenagem a ditadura e onde os envolvidos procuravam tirar vantagens recebeu um apelido apropriado dos moradores de Florianópolis: clássico da vergonha.

Fonte: Uol

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