quarta-feira, junho 28, 2017

Citado por Temer, ex-procurador não precisaria ter cumprido quarentena antes de advogar para JBS


O presidente Michel Temer criticou o ex-procurador Marcelo Miller durante pronunciamento em que se defendeu da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Temer acusou o ex-procurador, que atuou na Operação Lava Jato, de deixar de cumprir uma quarentena antes de advogar em um escritório contratado pela JBS. No entanto, ainda não existe uma lei que determine regras do tipo para procuradores. A Constituição determina quarentena apenas para juízes.
Como advogado, Miller chegou a atuar nas negociações do acordo de leniência da JBS, mas o escritório foi dispensado antes do fechamento do acordo.
No final de abril, quando Miller já tinha deixado o Ministério Público Federal, um congresso técnico da Associação Nacional dos Procuradores da República aprovou a elaboração de um projeto para estabelecer a quarentena para os membros do MPF.
O texto ainda não foi finalizado e está no departamento jurídico da associação, que vai definir depois se o encaminha para análise da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. É o Congresso que decidirá sobre a transformação da regra em lei.
O Conselho Nacional do Ministério Público informou que não tem nenhuma norma do tipo para quem deixa a carreira de procurador.
Em seu discurso no Palácio do Planalto, nesta terça-feira (27), Temer citou a regra que ainda não está em vigor.
“E vocês sabem que quem deixa a Procuradoria tem uma quarentena, se não me engano de 2 ou 3 meses. Não houve quarentena nenhuma. O cidadão saiu e já foi trabalhar, depois de procurar a empresa para oferecer serviços, foi trabalhar para esta empresa e ganhou na verdade milhões em poucos meses”, afirmou o presidente um dia após a apresentação da denúncia pela PGR.
Procurado depois do pronunciamento, o advogado de Michel Temer afirmou que os procuradores deveriam seguir as mesmas regras estabelecidas para magistrados. Segundo a Constituição, eles não podem exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, “antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração”.
Em nota, Marcelo Miller negou irregularidades. "Não cometi nenhum ato irregular, mas não responderei às afirmações a meu respeito pela imprensa. Apenas me manifestarei perante as autoridades com competência para examinar os fatos e com interesse na aferição da verdade."
Investigação do MPF-DF
Nesta segunda-feira (26), a Procuradoria da República no Distrito Federal informou que Marcelo Miller é investigado internamente desde maio deste ano. “Trata-se de Procedimento Preparatório (PP), aberto a partir de representação enviada à unidade. O instrumento antecede a abertura de inquérito civil e tem o objetivo de reunir informações que podem justificar a continuidade ou o arquivamento da investigação”, diz nota do MPF-DF.
O pedido de investigação foi feito pelo deputado Carlos Marun (PMDB-MS), que é ligado a Temer. Nele, o parlamentar questiona a atuação de Miller em acordo de leniência, junto ao Departamento de Justiça dos EUA, em favor da JBS, porque ele havia deixado a PGR há pouco tempo. Marun diz que houve violação do artigo 95 da Constituição, que trata da atuação de magistrados. Segundo ele, a lei também seria aplicável ao Ministério Público.
“Em resumo, teme-se possa ter havido atuação indevida do ex-procurador que, sabedor dos procedimentos internos, necessidades e formas de trabalho da força tarefa, negociando com ex-colegas, em prazo inferior à proscrição legal, tenha conseguido resultados muito diversos daqueles obtidos noutras colaborações firmadas com o Ministério Público”, diz o pedido do deputado.
Apuração na OAB-RJ
O Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB-RJ abriu nesta terça-feira um processo disciplinar para apurar a conduta de Marcello Miller. Ele vai analisar se ele feriu a conduta ética de não cumprir uma quarentena para ocupar um cargo onde sua conduta fosse comprometida pelo cargo anterior.

Segundo nota da seccional, a decisão foi tomada após os esclarecimentos do advogado serem considerados insuficientes pelo TED. "A análise disciplinar segue sigilosa até o trânsito em julgado", afirma o texto.
A primeira etapa da investigação começou há 20 dias. Nesse tempo, o ex-procurador apresentou esclarecimentos. Como o presidente do TED, Louzada Câmara, considerou as explicações insuficientes, decidiu abrir o processo disciplinar. Não há prazo para conclusão da investigação.
Atuação de Miller como advogado
Marcelo Miller pediu exoneração do MPF no início deste ano. Como procurador, ele negociou importantes acordos de delação, como o do ex-senador Delcídio do Amaral. Miller deixou o cargo no início de abril para trabalhar no escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe Advogados, ficando responsável pela área de compliance (que busca garantir o cumprimento de leis e regras dentro de uma empresa).
O grupo J&F, do que a JBS faz parte, chegou a contratar o escritório Trench, Rossi e Watanabe para negociar um acordo de leniência com o MPF, mas o grupo foi dispensado em maio.
"A negociação atingiu um impasse, e a opção pela substituição do escritório ocorreu de comum acordo entre a J&F e o Trench Rossi Watanabe. A companhia segue envidando seus melhores esforços para celebração do acordo e tem se colocado sempre à disposição do MPF", informou o grupo controlador do frigorífico JBS, em comunicado. Desde então, a holding da família Batista passou a ser representada pelo escritório Bottini & Tamasauskas Advogados.
Em 20 de maio, a PGR havia divulgado nota confirmado que Marcelo Miller chegou a participar de uma fase inicial de discussão técnica de cláusulas de um eventual acordo de leniência do grupo J&F. “A pedido da Força Tarefa da Greenfield, ele se afastou da discussão”, diz o texto.
Nesta terça-feira, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, voltou a dizer que Marcelo Miller não participou das negociações do acordo de colaboração premiada dos executivos do Grupo J&F.

“Ele integrou a Assessoria Criminal do procurador-geral da República de setembro de 2013 a maio de 2015. De maio de 2015 a julho de 2016, ele foi designado para integrar o Grupo de Trabalho da Operação Lava Jato na PGR, em Brasília. A partir de 4 de julho de 2016, ele voltou a ser lotado na PR/RJ, com processos distribuídos ao seu ofício, atuando junto ao Grupo de Trabalho somente como membro colaborador.”
Segundo Janot, Miller pediu exoneração do cargo em 23 de fevereiro. Ela foi concluída em 5 de abril.
O acordo de leniência da JBS foi fechado em 31 de maio. A holding se comprometeu a pagar uma multa de R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos, o que seria, em termos absolutos, a maior multa já aplicada no mundo por meio de um acordo do tipo.
A negociação bilionária foi feita para assegurar o fim das investigações da Polícia Federal e do MPF contra as empresas do grupo J&F nas operações Greenfield, Sepsis, Cui Bono, Bullish e Carne Fraca.
Procurada pelo G1, a JBS disse que não vai se pronunciar sobre o caso. Em nota, o escritório Trench Rossi Watanabe afirmou que se retirou nas negociações sobre o acordo de leniência. "Sobre o pronunciamento realizado nesta terça-feira pelo presidente Michel Temer, Trench Rossi Watanabe esclarece que não participou do processo de colaboração premiada dos executivos da JBS e se retirou das negociações do acordo de leniência do Grupo J&F com o Ministério Público Federal. O escritório reforça que sempre guiou e guiará suas atividades pelo respeito à ética", diz o texto.

Fonte: G1

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