quinta-feira, outubro 06, 2016

‘O povo quer o liso’: a história de como o improvável venceu em Jucurutu

http://cidadenewsitau.blogspot.com.br/Cravada no Seridó, o município de Jucurutu, como é típico das cidades governadas por famílias, assistiu durante anos ao comando da
prefeitura revezar entre os grupos dominantes, materializados nas lideranças do deputado Nelter Queiroz (PMDB) e Luciano Lopes, para citar o passado mais recente. Eleição após eleição, Jucurutu se entregar a um dos dois. Não havia sinal de mudança, nem perspectiva de liderança nova. Era improvável que o poderio econômico fosse destronado. Até o domingo passado.

Com uma campanha que arrecadou R$ 18.808,46 e fiada num velho jingle em que opõe “o liso contra o barãozinho” e que se alastrou para além da terra rachada do município, Jucurutu decidiu, por 6.409 votos, que o motorista de ambulância Valdir Medeiros, 34, e seu vice, o gari José Pedro de Araújo Neto, 31, interromperiam o ciclo de poder na cidade, numa vitória que ainda estarrece pelos componentes de improbabilidade que marcaram a eleição.

“Tudo começou em 2014. A caminho da faculdade [Valdir é formado em Ciências da Religião], em Caicó, em conversa com um amigo e discutíamos como os grupos oligárquicos dominavam Jucurutu há 50 anos. Naquele dia, era outubro de 2014, me ocorreu um estalo. Pensei: ‘Vou me candidatar’”, relembrou o prefeito eleito de Jucurutu. Àquela altura, Valdir jura por Deus que tinha confiança na vitória. Mais tarde, tamanha fé foi um dos ingredientes para o preconceito dos adversários, que acabaram municiando a campanha do motorista de ambulância com um marketing que, sabe-se agora, o poderio econômico não pode combater.

“Os adversários debochavam da gente. Falavam assim: ‘De onde que esses dois aí tem condições de vencer?’”, explicou prefeito eleito. Um amigo de Valdir, ao ouvir as ofensas proferidas contra o motorista e o gari que ousavam desafiar a lógica, levou os xingamentos a uma terceira pessoa com uma pergunta: o que podemos fazer contra isso? Sacaram, então, o jingle “O povo quer o liso”. Começava a derrocada do grupo da situação.

O jingle

Como piolho que se alastra numa sala do jardim de infância, o repetitivo refrão “o povo quer o liso” se alastrou pelo Whatsapp, até tomar as ruas e lançar na atmosfera de Jucurutu a inebriante sensação de que algo de novo estava surgindo e com potencial real de vencer o grupo estabelecido. Até agora, ninguém ainda consegue explicar direito como o marketing espontâneo, pois os eleitores passaram a replicá-lo por iniciativa própria, conseguiu tal feito. Valdir tem um palpite.

“Aconteceu empatia. O povo se reconheceu na discriminação que eu e José Pedro sofremos por sermos lisos desafiando o poder. Mas, além disso, Dinarte, Jucurutu não aguentava mais”, arrisca Valdir.

O sucesso logo extrapolou as fronteiras e demarcou território político para Valdir e seu vice. Analistas atribuem que o sucesso também se deveu à inabilidade da chapa da situação, pois em outras cidades, a Justiça Eleitoral reconhecia como ofensivo o emprego do jingle que atribui ao candidato mais rico a prática de compra de voto. De todo modo, nenhuma decisão judicial poderia conter alto que já estava na boca do povo.

Administração

Com um índice de educação considerado muito baixo (0,492), com a renda de seus habitantes considerada baixa (0,583) e um IDH mediano (0,601), segundo o último Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, Jucurutu agora se depara com o desafio de uma força nova administrando a cidade sem ligação política com os caciques tradicionais. Em um estado onde as ‘novidades’ logo se mostram uma tragédia administrativa, justamente por se oporem às forças tradicionais, Valdir prefere acreditar que reúne as condições necessárias para governar a cidade.

“Não tenho temor. Fizemos dois vereadores pelo nosso grupo e temos nove com quem dialogar. A gente acredita que esses vereadores querem o melhor para Jucurutu. Em outro contexto, o presidente de meu partido, o deputado estadual Albert Dickson, vai colaborar conosco. E não pretendo me fechar para pedir a ajuda de quem quer que seja”, avisou o prefeito eleito da cidade.

A parceria escolhida para gerir a cidade vem da comunidade de Boi Selado. O gari José Pedro de Araújo trabalha com varrição há 10 anos no município de São Rafael. Foi escolhido para ser vice por sua empatia com política, ser centrado e sério. Tal qual Valdir, diz ser titular de uma fé inabalável.

“Na verdade, a minha fé depositada em Deus era grande. As pessoas nos diziam assim ‘eu vou votar em vocês, mas vocês não ganham’. E minha fé nunca me fez deixar de acreditar que era possível”, revelou o vice-prefeito eleito.

A expectativa agora é sobre como será a gestão da dupla. Os mais descrentes já apostam em fiasco. Mas não custa lembrar que ambos têm o dom de transformar em sucesso a descrença que neles depositam.

Fonte: Portal Noar

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