terça-feira, janeiro 05, 2016

Governador buscou informações sobre investigação do MP/RN

Empossado governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD) inicia discurso durante posse (Foto: Gabriela Freire/G1)Uma interceptação telefônica feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte revela que o governador do Estado, Robinson Faria (PSD), buscou informações
sobre a investigação que resultou na operação Dama de Espadas. O áudio, feito com autorização judicial, foi captado em agosto de 2014, quando Robinson ainda era candidato ao governo, na reta final da campanha eleitoral. Ele conversa com a então procuradora-geral da Assembleia Legislativa, Rita das Mercês Reinaldo, uma das acusadas presas na operação do MP que apura o suposto desvio de R$ 5,5 milhões da Casa. A interceptação foi obtida com exclusividade pelo G1.


O telefone de Rita das Mercês estava grampeado por decisão judicial. Ela é investigada por suspeita de envolvimento em fraudes ocorridas na Assembleia Legislativa, que acabaram levando o MP a deflagrar a operação Dama de Espadas. Às 16h17 de 26 de agosto, Robinson ligou para Rita, então procuradora-geral da Assembleia, e a questionou sobre o fato de algumas pessoas que trabalhavam lá estarem sendo intimadas para depôr ao MP. 
ROBINSON - (…) O que é que você está achando disso ai? É o que?
RITA - É. A gente tá trabalhando, né? O presidente tá trabalhando. Já trabalhou já hoje, certo?
O “trabalho” citado na conversa entre Robinson e Rita seria uma conversa entre Ricardo Motta e o procurador-geral de Justiça do RN, Rinaldo Reis. Na manhã do mesmo dia 26 de agosto, Rita teria participado de uma reunião entre Ricardo e Rinaldo na Assembleia Legislativa.
RITA - (…) Eu dei a entender hoje na hora da reunião lá que não era interessante pra ele lá, porque agora um negócio que está para prescrever, né? (…) Ele disse: 'vou procurar me inteirar e tal'. Eu disse: 'inclusive você viu, você estava na minha sala semana passada quando chegou e eu mostrei e tal'. Aí ele disse: 'Não. Eu vou procurar me inteirar e tal. Não é o momento. Vou reunir com o pessoal. Vou conversar, porque não é o momento. Vou conversar'.
Robinson Faria foi presidente da Assembleia entre 2003 e 2010. Durante este período, Rita, que já era procuradora-geral, manteve-se no mesmo cargo. Em outro trecho da conversa, ele perguntou à Rita das Mercês sobre qual época seria a investigação do Ministério Público.
ROBINSON - (…) É avulso? Ou é de um período só, ou uma certa época?
RITA – Avulso. Avulso.
ROBINSON - Tem atual e atrasado ou de época só? Ou certa época?
RITA - Tem só atrasado, só de atrasado. Tem gente já exonerado, entendeu? Tem gente efetivo. Tem aposentado, sabe? Fizeram uma miscelânea lá.

A operação Dama de Espadas foi deflagrada um ano após as interceptações, em 20 de agosto de 2015, e prendeu Rita das Mercês e a assessora dela, Ana Paula Macedo de Moura. As duas foram soltas três dias depois, por decisão do Tribunal de Justiça. A ação investiga um suposto esquema de desvios de recurso na Assembleia Legislativa do RN. Segundo o MP, os envolvidos utilizavam cheques salários como forma de desviar recursos em benefício próprio ou de terceiros. Os cheques eram sacados, em sua maioria, pelos investigados ou por terceiros não beneficiários, e o esquema contava com apoio de funcionários do banco que mantém contrato com a Assembleia. Em dezembro passado, o Tribunal de Justiça determinou a remessa dos autos do processo para o Supremo Tribunal Federal (STF).


Rita Mercês (ao centro) foi presa nesta quinta-feira (20) (Foto: Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi)Rita Mercês foi presa em agosto de 2015, mas está solta (Foto: Sérgio Henrique Santos/Inter TV Cabugi)

Em outro trecho da conversa interceptada, Rita das Mercês reforça a Robinson Faria que seria difícil o MP prosseguir com a investigação ou deflagrar uma operação em 2014. Ela volta a citar a reunião entre Ricardo Motta e Rinaldo Reis.
RITA - (…) Como o presidente colocou, ia ficar mal para a própria instituição, né?
ROBINSON  - Sim.
RITA - Ser usada pra isso…
ROBINSON - E... e não pode fazer nada à revelia do chefe, do diretor?
RITA - É, ele disse que ia conversar e tal, que eles têm independência. Mas eu acho que ele tem um pouco de influência.
ROBINSON - Tem, tem. Ele é de lá.
RITA - Ele é de lá. (...) Eu acho que ele tem um pouco de influência.
A conversa entre Robinson e Rita, que dura quase 10 minutos, é concluída com ele dando a certeza que seria eleito governador do Rio Grande do Norte.
ROBINSON - Vamos ver, né? E a outra parte aqui vai dar certo, viu?
RITA - Vai dar certo! Se Deus quiser.
ROBINSON - Vai dar certo, vamos ganhar, viu?
RITA - Vamos embora, vamos ganhar. E outra coisa: eu não quero mais ficar na Assembleia não (risos).
ROBINSON – (Risos) Vamos comigo, eu vou tirar você dai.
Após a operação Dama de Espadas, Rita das Mercês foi exonerada do cargo de procuradora-geral da Assembleia Legislativa e atualmente está proibida de entrar no local.

'Toquezinho'
Outra interceptação feita pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, captado às 9h37 de 27 de agosto de 2014, revela que o ex-presidente da Assembleia Legislativa, Ricardo Motta, também estava empenhado para saber o motivo das intimações emitidas pelo MP a servidores da casa. Ele ligou para Rita das Mercês e cobrou a ela que ligasse para o procurador-geral de Justiça, Rinaldo Reis, pedindo um posicionamento sobre a investigação. 
MOTTA – Ei, mais tarde dá um toquezinho pra Rinaldo pra saber se ele tem alguma posição. Quando ele quer as coisas ele liga pra gente.
RITA – É. Mas não ligou. Não deu retorno.
MOTTA - Mais tarde você liga, mais no final da manhã. 'Rinaldo, tem alguma posição?' Entendeu?

Lei alterada
Na mesma época em que era procurado por Rita das Mercês para informar sobre as investigações da Dama de Espada, Rinaldo Reis também buscava junto a ela informações sobre o andamento e a votação de um projeto de lei encaminhado por ele mesmo para a Assembleia Legislativa. Às 10h20 de 25 de agosto, Rinaldo telefonou para Rita e perguntou sobre o projeto, que muda a forma de indicação de desembargadores do Tribunal de Justiça pelo Ministério Público. 
RINALDO – (…) Ritinha, é rápido. Você sabe dizer se está realmente pautado? Eu tentei até falar com Israel agora, mas ele não atende o telefone.
RITA – Pronto. Eu saí agora de uma reunião com o presidente e ele e está com o relator Kelps [Lima, deputado estadual]. Aí até o presidente insistindo pra levar (…) o processo amanhã pra reunião da comissão e perguntou se você tinha conseguido falar com os líderes. Conseguiu falar com alguém?
RINALDO - Não. Eu vou ligar. Eu tentei, eu tentei falar com todo mundo semana passada, mas era todo mundo com o telefone desligado.
RITA – Desligado, né?
RINALDO - Agora mesmo tentei falar com Hermano [Morais, também deputado estadual] e não consegui, que era pra saber já de alguma novidade.
Rita lembra que os deputados, no mês de agosto de 2014, estavam na fase final da campanha eleitoral:
RITA - Porque nesse período é complicado a gente botar esse povo aqui dentro, né?.
RINALDO - Eu sei. Eu sei.
No dia seguinte a essa gravação, Rinaldo Reis volta a telefonar para Rita das Mercês, dizendo que já estaria na “casa” dela, referindo-se à Assembleia Legislativa. A interceptação foi feita às 9h15:
RINALDO - Estou aqui na sua casa já. Na sua casa de trabalho, entenda.
RITA – Já? Oh, coisa boa! Que maravilha (…)
RINALDO - Você está por aqui, Ritinha?
RITA – Tô. Você está em cima, na Comissão?
RINALDO - Não, não. Eu estou aqui na… Não, não tem ninguém na CCJ, eu queria saber se a gente tinha como localizar Kelps, Hermano alguns desses aí antes da gente começar.

Às 9h46, Rita recebe um telefonema de um servidor da Assembleia responsável pelos trâmites burocráticos da Casa, como a distribuição de projetos de lei. 
SERVIDOR - (…) O ofício do Ministério Público eu queria saber se…
RITINHA – Você não subiu pra Comissão ainda não?
SERVIDOR - (...) é preciso ser lido?
RITINHA - Não. Encaminhe do presidente diretamente para a CCJ.
SERVIDOR – Tá.
RITINHA - Encaminhe agora porque essa matéria vai entrar na discussão agora.
Segundo o site da Assembleia Legislativa, os deputados que integram a CCJ aprovaram a mudança na lei na mesma manhã do telefonema. Horas depois, o projeto foi enviado ao plenário da Assembleia e aprovado à unanimidade, conforme notícia publicada também no site da Casa. O portal do Ministério Público também divulgou a aprovação da mudança. Com a mudança na lei, desde aquela data, os promotores de Justiça de 3ª entrância também podem ser indicados pelo MP para ocupar vaga de desembargador do TJ. Antes, apenas os procuradores de Justiça poderiam ser indicados.
O outro lado
O governador Robinson Faria foi procurado pelo G1. Ele emitiu nota através da Assessoria de Comunicação do Governo do Estado. Leia a íntegra:
'O governador Robinson Faria não foi citado pelo Ministério Público Estadual como parte nas investigações da Operação Dama de Espadas.
Tendo sido deputado estadual por 24 anos, e chegado a presidência do Legislativo, Robinson Faria conviveu e estabeleceu laços de amizade e respeito com vários servidores da Assembleia.
A relação do governador com o MPRN é de profundo respeito e diálogo por defender a contribuição essencial da instituição para a Democracia brasileira'.
O deputado Ricardo Motta, por telefone, disse não se recordar do que se tratava a conversa que teve com Rinaldo Reis e Rita das Mercês. “Como presidente da Assembleia, sempre procurei conversar com todas as instituições. Mas não me lembro do teor dessa conversa especificamente”. Indagado se tinha procurado saber do que se tratava a investigação do MP, ele negou. “Nunca procurei o doutor Rinaldo Reis para saber de investigação alguma do Ministério Público”.

Rinaldo Reis, procurador-geral de Justiça do RN (Foto: Divulgação/Assessoria MPRN)Rinaldo Reis, procurador-geral de Justiça do RN
(Foto: Divulgação/Assessoria MPRN)
Rinaldo Reis admitiu que conversou com Ricardo Motta, que lhe fez perguntas sobre as intimações emitidas pelo MP. “Encontrei o deputado Ricardo Motta por duas ou três vezes pessoalmente na Assembleia nessa época. Ele me perguntou do que se tratava esse inquérito civil e eu disse a ele que não sabia, até porque os promotores têm sua independência em qualquer investigação. Realmente disse que iria procurar me inteirar e assim o fiz. Perguntei à promotora responsável pelo caso do que se tratava e, à época, nem mesmo ela tinha nada de concreto, informando que se tratava de algumas possíveis irregularidades. Passei esse conteúdo para o deputado Ricardo Motta, até porque não havia nada de mais. Jamais eu passaria se a investigação estivesse avançada e em nenhum momento sugeri que ela fosse protelada. Ninguém nunca me pediu para travar nenhuma investigação, até porque não encontraria espaço para isso comigo”.
Sobre o fato de procurar os deputados Hermano Morais e Kelps Lima para tratar da aprovação do projeto de lei, ele disse ser um procedimento normal. “Isso é normal, legal e não acho que seja antiético. Na condição de procurador-geral de Justiça, sempre conversei com os deputados para esclarecer projetos de interesse do Ministério Público”.
Hermano Morais lembrou que em agosto de 2014 era presidente da CCJ. “Sempre que havia algum projeto do MP na Casa, o doutor Rinaldo se apresentava pessoalmente para explicar do que se tratava, mas sempre mantendo a ética. Ele chegou até a participar de reuniões na CCJ conosco”.
Através da assessoria de imprensa, o deputado Kelps Lima disse que em “todas as sessões, os deputados relatores são procurados pelas mais diversas entidades pedindo agilização de projetos: TJRN, Governo, MP, TCE, Sindicatos, OAB, ONGs. Nenhum projeto foi aprovado pela Assembleia em 2014 sem passar pelo menos na CCJ, apesar do regimento autorizar a aprovação direta sem nenhuma Comissão, desde que acordada pelos líderes”.
Rita das Mercês não foi localizada. Por telefone, o advogado dela, Flaviano Gama, disse que só vai se pronunciar nos autos do processo.
Em nota, os promotores de Justiça com atuação na área do Patrimônio Público, que participaram da investigação e da deflagração da Operação Dama de Espadas, Keiviany Silva de Sena, Paulo Batista Lopes Neto, Hayssa Kyrie Medeiros Jardim e Hellen de Macedo Maciel, informaram que a data da deflagração da operação foi decidida única e exclusivamentepor eles após as devidas autorizações judiciais, quando as diligências necessárias, documentadas no processo, foram concluídas. Os promotores afirmaram ainda que "nunca houve qualquer interferência do procurador-geral de Justiça, Rinaldo Reis Lima, no andamento da citada operação".
Por fim, os promotores informaram que aguardam que o Supremo Tribunal Federal (STF) destrave a investigação da Dama de Espadas, que foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), para que o Ministério Público do Rio Grande do Norte promova as responsabilizações criminais devidas.

Fonte: G1

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