sábado, maio 10, 2014

Revista PODER: A trajetória e o estilo “argentino” de Luiz Felipe Scolari, o Felipão

 Luis Felipe ScolariNo dia 30 de maio de 2000, uma terça-feira, Palmeiras e Corinthians se enfrentaram no primeiro jogo da semifinal da Copa Libertadores da América, o campeonato mais
importante do continente. O jogo se tornou memorável, um clássico paulista que qualquer fanático por futebol cita em conversas de botequim. O Corinthians abriu 3 a 1, o Palmeiras empatou a cinco minutos do fim e, aos 45 do segundo tempo, Vampeta fez o gol que deu a vitória ao Timão: 4 a 3.

No dia seguinte, os repórteres plantonistas do dia a dia do Palmeiras foram cobrir mais um treino do time. Deram com a cara na porta, não haveria treinamento, pois a equipe estava trancada no vestiário para conversar com o técnico Luiz Felipe Scolari. Os gritos do comandante foram ouvidos do lado de fora e os jornalistas se aproximaram para gravar. Scolari reclamava muito da postura do time e cobrava mais “maturidade”: “Quer dizer que eu tenho um time já rodado, experiente, mas que na hora do bem-bom não sabe dar um pontapé, não sabe dar um cascudo, não sabe irritar o cara?” e, aos gritos, indagava: “Onde é que está a malandragem de vocês? Não aprenderam nada na vida?!”. A conversa, matéria do Jornal Nacional, virou folclore e se tornou o melhor exemplo do “estilo Felipão”, em referência ao apelido pelo qual o treinador é conhecido pelo grande público.

Mas se engana quem pensa que Felipão criou o futebol de resultados ou foi pioneiro em sua implantação no Brasil. O debate futebol-arte versus futebol-força é antigo, sendo que os gaúchos sempre optaram pela última opção. A primeira é vista como “balé” ou “frescura”,  nas palavras do historiador gaúcho (e gremista) Eduardo Bueno. Felipão se criou ali e simplesmente aprendeu como ninguém o modo gaúcho, quase argentino, de jogar futebol. Nem poderia ser de outra maneira: nascido em Passo Fundo, RS, ele se iniciou no esporte como jogador profissional, com passagens por times médios, como os também gaúchos Caxias e Juventude, e o alagoano CSA. A posição? Zagueiro “botineiro” – como são conhecidos os defensores violentos que não têm tanta intimidade com a bola.

AZARÃO

Apesar de ter sido campeão e vice-campeão da Libertadores da América com o Palmeiras, em 1999 e 2000, respectivamente, a fama de Felipão vem de muito antes. Em 1991, ainda desconhecido fora dos círculos boleiros, ele conseguiu uma façanha digna de estátua: foi campeão da Copa do Brasil com o minúsculo time catarinense Criciúma, em uma campanha histórica. Alçado à condição de Midas, logo chegou ao Grêmio, onde foi campeão da Copa do Brasil, em 1994, da Libertadores, no ano seguinte, e do Campeonato Brasileiro, em 1996. Foi nessa época que os aficionados por futebol do mundo inteiro conheceram seu trabalho. No Mundial de Clubes, de 1995, contra o Ajax, da Holanda – um mítico time que serviu de base para a seleção holandesa que enfrentou o Brasil, na Copa de 1998, e contava com nomes como Edgar Davids e Overmars –, conseguiu arrancar um 0 a 0 e só perdeu nos pênaltis. O mundo viu a fórmula gaúcha em ação: um ou dois cabeças de área, desses que sabem roubar a bola,  mas nem sempre conduzi-la, e um centroavante clássico, camisa 9, desses que fazem gol de cabeça, de joelho e até de barriga.

Isso nunca agradou muito ao torcedor brasileiro, mas Felipão não dá a menor pelota. Com ele, vale o resultado. Para Juca Kfouri, comentarista esportivo da “ESPN Brasil” e colunista da “Folha de S.Paulo”, “se depender de quebrar a perna do Messi para ser campeão, ele manda fazer. Não tem essa de deixar jogar”. Foi assim quando ele chegou, em 2002, com a seleção em baixa e logo implantou no time um camisa 8 do Grêmio, Eduardo Costa, desconhecido do torcedor brasileiro e visto como “troglodita”, sem nenhuma habilidade. Felipão o substituiu, mas manteve sempre o padrão, com outros jogadores. Atualmente, Luiz Gustavo, volante do Wolfsburg, da Alemanha, é a marca do “estilo Felipão” na equipe brasileira. Kfouri entende que o time não chega a jogar feio, mas passa longe de um time brasileiro clássico, com toque de bola à la Telê Santana. “Sempre temos meio-campistas habilidosos que ele coloca perto desses desarmadores para fazer a bola chegar no centroavante – de que ele não abre mão – com qualidade. Não é um futebol de sonhos, mas é extremamente competitivo.” Para Paulo Vinícius Coelho,  o PVC, comentarista esportivo famoso por conhecer todas as estastísticas do esporte, a história é outra: “A seleção de 2002 ganhou todos os 7 jogos para ser campeã do mundo e teve o melhor ataque desde 1970. Ela deveria encerrar a discussão sobre ser melhor jogar bem como em 1982 e perder ou jogar feio como em 1994 e ganhar. Ganhou jogando bem.” O responsável por fazer todos esses gols que podem trazer a taça de volta à sede da CBF, que já foi Ronaldo, é uma incógnita. Na cabeça de Felipão, Fred vestirá a 9 e tem tudo para ser o artilheiro da Copa, mas a fragilidade física do atacante do Fluminense, que passou a maior parte dos últimos seis meses contundido, pode estragar os planos. E o plano B, Diego Costa, decidiu se naturalizar espanhol. Felipão terá de tirar coelhos da cartola.

GASOLINA

A escolha de Felipão para ser o técnico da seleção, após a demissão de Mano Menezes, foi bastante conturbada. Ele passava por uma das piores fases de sua carreira como técnico de um Palmeiras que não se encaixava
(o time foi rebaixado para a Segunda Divisão do Brasileirão, em 2012, alguns meses após a saída de Felipão, mesmo tendo sido campeão da Copa do Brasil no ano) e muitos o davam como aposentado. Ainda assim, a CBF insistiu no nome do pentacampeão e trouxe o tetracampeão Parreira para auxiliá-lo. A mensagem foi clara: usar figuras incontestáveis para abafar a crise da confederação, que perdia seu presidente em meio a denúncias de corrupção e via sua popularidade abalada pelos questionamentos sobre a realização do torneio mundial no Brasil.

O primeiro torneio importante do técnico foi a Copa das Confederações. O time ainda não tinha emplacado e o país vivia o tsunami de manifestações de junho de 2013. Ele não tomou conhecimento dos problemas e levou o título com um 3 a 0 fácil contra a Espanha, atual campeã mundial, na final. “Felipão faz desses limões uma limonada. Ele deixou os jogadores darem entrevistas opinando sobre o movimento das ruas, incutiu um patriotismo em todos e conseguiu desligar a seleção do problema político. Os manifestantes, mesmo contra a realização da Copa, torceram pela seleção”, explica Juca Kfouri, e lembra que “ele já fez o mesmo em Portugal, levando o povo a identificar o time com o sentimento nacional, a ponto de levar a população a pendurar bandeiras na janela, o que não fazia há décadas. Cristiano Ronaldo e Luís Figo amam ele por isso”. Definitivamente, Felipão sabe usar a força das ruas para incentivar o time como ninguém. Não é só de cabeças de área e centroavantes que se faz o futebol-força, é preciso colocar o coração em campo.

O narrador Galvão Bueno conta uma história que exemplifica bem a seriedade e o uso que Felipão faz das vozes externas ao time para motivá-lo. Na Copa de 2002, antes do primeiro jogo contra a Turquia (as equipes se enfrentaram na fase de grupos e nas semifinais), ele chamou Galvão para conversar e explicou como jogava forte o time da Turquia. Galvão escutou, mas não entendeu a razão do encontro. Ao que Felipão lhe explicou: “Sabe o que é, Galvão, a Turquia não tem muita tradição no futebol, meus jogadores acham que será um jogo fácil e não vai ser nada fácil, então eu preciso de ajuda para que eles entendam que a partida será difícil!”. O jornalista compreendeu o recado e comentou no “Jornal Nacional” que o jogo, apesar de parecer, não seria nada fácil. Os jogadores assistiram ao “JN” no café da manhã (o jogo era na Coreia do Sul) e ficaram comentando sobre o assunto. Galvão mostra toda a admiração pela astúcia do ato: “Ponto pro Felipão e vitória difícil do Brasil, 2 x 1, de virada, com gols de Ronaldo e Rivaldo”. Já Lucas Leiva, um dos jogadores prediletos do comandante, ressaltou recentemente a capacidade do treinador de cativar o elenco:  “Em todo time, onze gostam do técnico e onze reclamam. Com Felipão, o grupo inteiro gosta”, admira-se o pupilo.

FÊNIX

Felipão, já há algum tempo, é consagrado. Essa imagem, contudo, tem mais a ver com a capacidade de autopromoção de sua figura de líder, como tão bem faz seu paralelo no vôlei, Bernardinho, do que com uma sucessão de êxitos ou uma aura de invencível. Na realidade, porém, o técnico da seleção vive altos e baixos desde que se estabeleceu no futebol. Após a série de vitórias do Palmeiras do fim dos anos 1990, ele entrou em um ciclo de fracassos até ser resgatado pelo convite do então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, para salvar a seleção brasileira da crise em 2001. Após o pentacampeonato de 2002, seguiu para Portugal, onde foi um sucesso “mais sociológico, pela capacidade de trazer o interesse da população no time de volta, do que futebolístico, visto que fracassou na Eurocopa, perdendo não para um grande time, mas para a Grécia”, nas palavras de Juca Kfouri. De lá, se transferiu para o Chelsea, onde a única coisa notória a seu respeito foi o apelido “Gene Hackman”, uma brincadeira sobre a semelhança de “Big Phil” com o ator americano. E agora, mais uma vez, depois de um período em baixa com o malfadado Palmeiras de 2012, volta para resgatar a seleção em um momento difícil. Esperamos que ele faça jus à fama e ressurja dessas cinzas com o tão sonhado hexacampeonato em casa. A seguir,  entrevista exclusiva que o treinador deu a PODER, em que mostra seu lado turrão, quase rude, e explica o sucesso de público em que se tornou. E como capitaliza isso vendendo de telefones a relógios.

Reprodução Cidade News Itaú via Revista Poder

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