sábado, agosto 19, 2023

Apagão: uma manutenção de linha e um corte na energia eólica podem ter fragilizado o sistema, dizem especialistas


Uma atividade de manutenção em uma linha de transmissão e o corte na produção de energia eólica no Nordeste podem ter fragilizado o Sistema Interligado Nacional (SIN), que não resistiu ao desligamento da linha operada pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobras, na última terça-feira (15). Em consequência, houve o apagão que atingiu praticamente todos os estados. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo g1.


Relatório preliminar do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aponta que o primeiro evento que levou à interrupção do fornecimento de energia no país foi a abertura (desligamento) da linha Quixadá-Fortaleza II, no Ceará.


Segundo diário de operação da última terça-feira, divulgado pelo ONS, foi reduzida a geração eólica e solar no Nordeste na madrugada de terça para controlar o fluxo de energia e permitir uma intervenção (manutenção) na linha de transmissão Sobradinho-São João do Piauí C5 – também operada pela Chesf, subsidiária da Eletrobras.


Neste sábado (19), moradores de Fortaleza e cidades da região metropolitana sofreram com um novo apagão, ocorrido esta manhã. A queda de energia afetou alguns bairros dos municípios da região. A Enel, distribuidora de energia no Ceará, afirmou que o apagão ocorreu devido a uma "falha em um sistema da Chesf".


Pouca energia de reserva

A restrição de geração solar e eólica começou à meia-noite e foi até às 8h28 de terça-feira (15). Pouco depois, às 8h30, a linha Quixadá-Fortaleza II, no Ceará, foi desligada e teve início a ocorrência no SIN que levou ao apagão em 25 estados e no Distrito Federal.


“Essa restrição teve como consequência a redução da geração sincronizada. Então, levou o sistema a estar operando num patamar de geração um pouco menor. O sistema estava operando com pouca reserva de geração e aí, infelizmente, houve um outro evento que foi a saída da linha de Quixadá para Fortaleza”, afirmou o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Filho.


Segundo o especialista consultado pelo g1, o desligamento da linha da Chesf, a Quixadá-Fortaleza II, aconteceu quando o sistema interligado já estava em “um ponto degradado”, com uma linha em manutenção e pouca energia de reserva (veja detalhes mais abaixo)


“Quando você reduz a geração eólica, você está reduzindo a sua reserva de geração. Então, é como se você estivesse com menos reserva operativa”, declarou.


Ainda uma hipótese

Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Glauco Taranto, a perda de geração eólica pode ser uma justificativa para a separação do sistema elétrico nacional em três, depois do desligamento da linha de transmissão da Chesf.


“A perda da eólica que levou à proteção de perda de sincronismo [que separou os sistemas]. A sequência tem que ser essa. A eólica pula fora e aí a perda de sincronismo separa o sistema. E não o contrário, o sistema separa e aí a eólica pula fora”, disse.


Contudo, Taranto frisa que essa é uma hipótese. Segundo o professor, falta saber o que aconteceu depois da perda da linha Quixadá-Fortaleza II.


“Com base na nota oficial, diria que uma linha só saindo não pode causar o efeito que causou. As proteções sistêmicas, no meu ver, atuaram de forma devida, ou seja, corretamente. Agora, o que está faltando é a explicação desse segundo evento”, explicou.


Questionado pela reportagem, o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, afirmou que “nenhuma hipótese está descartada”.


“Todas essas hipóteses estão sendo consideradas. A diferença entre um especialista de dar a tese dele e o diretor-geral do ONS dizer o que aconteceu é bastante significativa. Então, essas hipóteses estão sendo consideradas sim, não há o que discutir”, afirmou.


Procurada, a Eletrobras não respondeu até a última atualização desta reportagem.


Desligamento de uma linha não deveria ter causado apagão

Segundo o ONS, houve uma “atuação incorreta” do sistema de proteção, que desligou a linha Quixadá-Fortaleza II sem que tenha havido curto-circuito no sistema elétrico.


“Isoladamente, um evento dessa natureza não é suficiente para ocasionar a perturbação observada”, afirma o ONS, referindo-se ao apagão.


De acordo com o professor da UFRJ, “o desligamento de uma linha num sistema como o do Brasil é uma coisa corriqueira, todo dia acontece. O que acontece é que desligar uma linha não pode causar grandes problemas. Não deve causar. Isso não é para acontecer”.


O sistema elétrico nacional tem uma série de mecanismos de controle para evitar a propagação de incidentes como esse.


O SIN funciona em um modelo chamado de “n-1”. Isso significa que o sistema é redundante. Se uma linha é desligada, há outra para receber o fluxo e manter o fornecimento de energia elétrica.


“Digamos que você tenha 1.000 linhas, ‘n’ são 1.000. Se eu tirar uma, ficam 999. Então, qualquer uma que eu tirar, o sistema tem que funcionar. Por isso se chama “n-1” [‘n’ menos um], qualquer uma”, explicou Taranto.


Contudo, o sistema não é construído para perder mais de uma linha. “O sistema não é planejado, não é operado para sobreviver a uma contingência dupla. Ou seja, perdi uma linha aqui, perdi outra ali. Aí, em teoria, esses sistemas de proteção podem começar a atuar”, afirma José Filho, da UFPE


Foram os sistemas de proteção que levaram à separação do sistema elétrico em três regiões e ao corte de energia.


O ONS deve concluir relatório detalhado sobre o que aconteceu na última terça-feira em até 45 dias úteis. O prazo, segundo a assessoria do órgão, começou a contar na quarta (16).


No documento, constará avaliação sobre a causa e os eventos que se sucederam ao desligamento na linha de transmissão da Chesf, além do desempenho dos sistemas de proteção.



Sequência de proteções que foram acionadas

Entenda a sequência de proteções que atuaram no apagão


1º sistema de proteção da linha --> para cada incidente, há um tipo de resposta. No caso da linha de transmissão da Chesf, a proteção abriu os disjuntores e impediu a circulação de energia, com o desligamento da linha.


2º Proteção de Perda de Sincronismo (PPS) --> o desligamento da linha leva à queda de frequência no sistema interligado. Para impedir que o problema se propague, o sistema:


desliga usinas geradoras;

desconecta as regiões. Nesse caso, o Sistema Interligado Nacional (SIN) foi separado em três áreas: Norte; Nordeste; e Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

3º Esquema Regional de Alívio de Carga (Erac) --> com as regiões desconectadas, o sistema perde o equilíbrio entre geração de energia e consumo.


Por exemplo: a região Nordeste exporta energia para o Sudeste. Com a desconexão, o consumo no Sudeste fica maior do que a capacidade das usinas localizadas na região. Para isso, o ONS precisa aliviar a carga, ou seja, reduzir o consumo. É o que causa a queda de energia.

4º recomposição do fornecimento de energia --> ONS liga geradores de energia. Depois, as linhas de transmissão e, por último, restabelece o consumo.


Fonte: g1

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