quinta-feira, novembro 17, 2022

PEC da Transição: 'Agora é com o Congresso', diz Wellington Dias sobre compensar gastos; mercado vê risco de alta na dívida pública


O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), responsável pelo orçamento de 2023 na equipe de transição, afirmou nesta quinta-feira (17) que caberá ao Congresso Nacional criar eventuais compensações para o aumento de gastos previsto na PEC da Transição – proposta do governo eleito para manter o Bolsa Família em R$ 600 e cumprir outras promessas de campanha.


"Agora é com o Congresso Nacional. Estamos acompanhando e ajudando no diálogo, mas qualquer proposta apresentada precisa facilitar a aprovação, e não dificultar", afirmou Dias ao g1, ao ser questionado sobre as propostas do governo eleito para compensar o aumento de despesas.


A PEC da Transição, cujo rascunho foi encaminhado nesta quarta-feira (16) ao Congresso Nacional, propõe que os gastos com programas sociais e alguns investimentos sejam retirados não só da regra do teto de gastos (que limita o crescimento de despesas à inflação do ano anterior), mas também da Lei de Responsabilidade Fiscal.


O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é a favor da revogação do teto de gastos criado em 2017, mas a equipe do novo governo ainda não indicou qual regra pretende sugerir para limitar os gastos públicos (a "âncora fiscal", no jargão dos economistas).


Pela PEC, todo o gasto com o Bolsa Família ficará fora do teto de forma permanente. Esse valor é estimado em R$ 175 bilhões anuais, mas a proposta enviada ao Congresso não diz de onde virá esse dinheiro.


A PEC também propõe que fiquem fora do teto investimentos adicionais de até R$ 23 bilhões em relação ao que já consta na proposta do Orçamento 2023. Esse valor, no entanto, seria financiado pelo excesso de arrecadação registrado em 2022.


Ao colocar o Bolsa Família inteiro fora do teto de gastos, a PEC abre no Orçamento de 2023 um espaço de R$ 105 bilhões – que estava reservado para pagar o Auxílio Brasil com um valor médio de R$ 405.



Esses R$ 105 bilhões, segundo o governo eleito, poderiam então ser remanejados para despesas em saúde e educação, fortemente comprimidas nos últimos anos, além de bolsas de estudo e fiscalização do meio ambiente e trabalho escravo, entre outros.


O mercado, por sua vez, teme alta da dívida pública. Em reação, a Bolsa de Valores de São Paulo registra queda nesta quinta-feira e o dólar opera em alta. Às 13h06, o índice tinha queda de 2,08%, a 107.948 pontos. A moeda norte-americana, por sua vez, subia 1,65%, vendida a R$ 5,4695. Na máxima do dia até o momento, chegou a R$ 5,5298.


Segundo o senador eleito Wellington Dias, porém, o aumento de investimentos – que o governo também busca viabilizar com a PEC da Transição – tende a melhorar o ambiente de negócios no país.


O ex-governador reforçou que o governo eleito terá responsabilidade fiscal. "Não esquecer que Lula já foi presidente e alcançou os melhores resultados na área fiscal, alcançando o mais elevado grau de confiança e de menos risco da história", concluiu ele.


Mercadante vê espaço para cortes

Mais tarde nesta quinta-feira, o ex-ministro Aloizio Mercadante (PT), coordenador dos grupos da equipe de transição, afirmou que há sim uma discussão aprofundada sobre cortes de despesas, aumento de eficiência do gasto público e combate ao desperdício de recursos. Ele prometeu “belas surpresas” nessa área.



“Eu falei aqui de várias carências [de áreas por recursos, como saúde e educação], e aumento de receita que não represente aumento de carga tributária. Você também tem espaço para fazer aumento de receita sem aumento de carga tributária. Ontem vocês viram por exemplo aqui o TCU, R$ 400 bilhões de subsídios, de incentivos fiscais. Revisão nisso dá um ganho importante. E há outras propostas bem interessantes, que serão apresentadas em um momento oportuno. Teremos belas surpresas nessa área”, acrescentou.


Impacto na dívida

Se esses gastos permanentes da PEC de Transição não forem compensados com aumento de arrecadação, ou corte também definitivo de outras despesas, haverá impacto na dívida pública – como temem os analistas do mercado financeiro.


Em setembro, de acordo com o Banco Central, a dívida bruta do setor público atingiu 77,1% do PIB, ou R$ 7,3 trilhões. O indicador é acompanhado pelas agências de classificação de risco.


Neste patamar, o endividamento brasileiro ainda está acima da média dos demais países emergentes, que é de cerca de 65% do PIB.


De acordo com estimativas de Marcos Mendes, integrante da equipe econômica de Michel Temer e um dos criadores da regra do teto de gastos, a dívida poderá ultrapassar 90% do PIB em 2026 e 100% do PIB em 2031 com essas despesas adicionais de R$ 175 bilhões da PEC da Transição.



Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), alertou que, em quatro anos, a PEC significa R$ 800 bilhões em novos gastos – o equivalente ao que a Reforma da Previdência vai economizar em 10 anos.


Ele argumentou que, para estabilizar a dívida, teria de ser feito um aumento "brutal" da carga tributária via elevação de impostos.


Avaliou, ainda, que a PEC traz erro parecido com o de Liz Truss, ex-primeira ministra do Reino Unido que deixou o cargo de premiê apenas 45 dias após assumir. Barros afirmou que o pacote de medidas apresentado por Liz era fiscalmente "insustentável", e que o mercado a puniu por isso.


Efeito na economia

Na semana passada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro para comandar a instituição até 2024, alertou que é preciso ter um olhar para os gastos sociais, mas também avaliou que o equilíbrio fiscal (das contas) não pode ser negligenciado.


Campos Neto argumenta que mais gastos geram maior inflação, o que obriga o BC a ter uma política de juros diferente (subindo mais a taxa Selic, ou mantendo-a elevada por mais tempo), com impacto no crescimento, nos investimentos e no emprego.



"A gente volta para um mundo de incerteza, onde a expectativa de inflação sobe, você desorganiza o setor produtivo, em termos de investimentos, e no final quem sobre mais com isso é justamente a população que você quer ajudar, porque você machuca a geração de empregos", declarou Campos Neto, na ocasião.


Um dos formuladores da regra do teto de gastos, Mansueto Almeida, economista-chefe no BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, avaliou que, caso os gastos não sejam compensados e a dívida tenha um crescimento mais forte, isso pode levar a uma piora na nota brasileira pelas agências de classificação de risco. "Isso vai assustar muito os investidores e não vai ajudar na redução da pobreza", concluiu.


O que pode ser feito?

Durante participação em evento em Nova York nesta terça-feira (15), o ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, interlocutor do presidente Lula na área econômica, afirmou que o "grande problema" que não está sendo debatido no momento é o que fazer depois de aprovado o aumento de gastos.


"Não só subir as despesas e depois continuar dentro dessa linha e adicionando mais coisas em anos futuros", declarou. Para ajustar as contas, ele citou a possibilidade de se realizar uma reforma administrativa para conter gastos com servidores, além de acabar com as empresas estatais federais que perderam a finalidade, como aquela aberta para construir o trem-bala brasileiro.



Ele avaliou, ainda, que os benefícios tributários, estimados em mais de R$ 400 bilhões para 2023, também podem ser alvo de corte.


"Se fala em benefícios, fala da Zona Franca de Manaus. Mas não estamos falando disso, não vai se tocar. Existem muitos benefícios que precisam ser devidamente olhados e cortados. Com isso, podemos ter um orçamento para os próximos ano que nos de condições de crescer de forma sustentável", afirmou Meirelles.


Pérsio Arida, integrante da área econômica na equipe de transição, afirmou nesta semana que as responsabilidades social e fiscal podem caminhar juntas e não são excludentes.


Para estimular um crescimento maior da economia brasileira, ele defendeu a abertura da economia, uma reforma tributária sobre o consumo e um eixo englobando a reforma do Estado - na qual listou a necessidade de se levar adiante uma reforma administrativa e eliminar gastos e benefícios tributários que não sejam bem avaliados.


"O Brasil infelizmente tem tido como norma que é 'não tem nada tão permanente quanto um programa de gastos temporários'. Infelizmente é o que acontece (...) Tem de fazer uma revisão de gastos, feita de forma independente, e verificando se os gastos, inclusive tributários [benefícios fiscais] fazem ou não fazem sentido", explicou Arida, na ocasião.


Fonte: g1

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