sábado, dezembro 16, 2017

Juiz federal do DF altera decisão que liberou 'cura gay' e reafirma normas do Conselho de Psicologia

Manifestantes contra 'cura gay' bloqueiam a Av. Paulista, em setembro desse ano (Foto: Rodrigo Pivas/Futura Press/Estadão Conteúdo)

A Justiça Federal no Distrito Federal alterou, nesta sexta-feira (15), decisão emitida em setembro deste ano que derrubava uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e abria espaço para tratamentos e terapias de conversão sexual – o que ficou conhecido popularmente como "cura gay".

A nova decisão prevê que pessoas com "orientação sexual egodistônica" – ou seja, que veem a própria orientação sexual como uma causa de sofrimento e angústia – podem receber atendimento em consultórios, e que profissionais podem promover estudos sobre o tema.

No entanto, fica proibido fazer "propaganda ou divulgação de supostos tratamentos, com intuitos publicitários, respeitando sempre a dignidade daqueles assistidos". A decisão é assinada pelo juiz federal Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal no DF – o mesmo da sentença original.

O G1 aguarda retorno do Conselho Federal de Psicologia, e tenta contato com os psicólogos que respondem pela ação popular. Cabe novo recurso.

Na decisão, o magistrado também restabelece, na íntegra, a validade da resolução 1/1999 do CFP. No artigo 3º, o conselho federal determina que os psicólogos não podem "patologizar" – ou seja, tratar como doença – "comportamentos ou práticas homoeróticas". Também não podem adotar "ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados".

Para o Conselho Federal de Psicologia, terapias de reversão sexual representam “uma violação dos direitos humanos e não têm qualquer embasamento científico”. Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde.

O que diz cada documento?
A resolução do CFP

A discussão sobre a possibilidade de reorientação sexual (ou "cura gay") é baseada nessa resolução de 1999 do CFP. No texto, consta que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão", e que a função dos psicólogos é contribuir "para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações".

"Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades", diz o texto do conselho federal.

O documento também proíbe que psicólogos façam pronunciamentos públicos em sentido contrário – ou seja, reforçando preconceitos em relação aos homossexuais como "portadores de qualquer desordem psíquica".

Trecho da resolução do Conselho Federal de Psicologia que traz normas sobre o atendimento a homossexuais (Foto: Reprodução)
Trecho da resolução do Conselho Federal de Psicologia que traz normas sobre o atendimento a homossexuais (Foto: Reprodução)

A sentença de setembro

Na primeira sentença sobre o tema, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho não derruba a resolução do CFP, mas diz que alguns dispositivos podem ser "mal interpretados" – por exemplo, "no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual".

O uso do termo "reorientação sexual", segundo o CFP e ativistas de direitos humanos, abriria brecha para terapias de reversão sexual. Na época, Carvalho emitiu nota afirmando que a interpretação era "equivocada", e que não considerava a homossexualidade como doença.

Ao atender parcialmente à ação popular, o magistrado determinou que o CFP não interpretasse a própria resolução, de 1999, "de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria".

Nota do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho (Foto: Reprodução)
Nota do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho (Foto: Reprodução)

A sentença de dezembro

No documento mais recente, Carvalho volta a analisar os mesmos temas. Ao comentar a repercussão do caso, diz que a ação popular não busca "a promoção da propalada 'cura gay', consistente na adoção de ações coercitivas tendentes a orientar homossexuais para tratamentos por eles não solicitados".

O magistrado também reforça a declaração anterior de que a homossexualidade, em si, "[não é] uma doença, tampouco um transtorno passível de tratamento". Segundo ele, o que seria passível de tratamento – com base na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde, seria a egodistonia.

"Ora, não cabe a esse Juízo dizer sequer se existe e muito menos qual o tipo de terapia seria mais adequada para esses conflitos de ordem psicológica e comportamental, mas também não pode, por outro lado, deixar desamparados os psicólogos que se disponham [...]", diz a decisão.

Já na parte final da sentença, ao tratar da interpretação dada à resolução do CFP, o juiz federal usa novos termos. Em vez de "(re)orientação sexual", autoriza debates, estudos, pesquisas e atendimentos ligados à "orientação sexual egodistônica".

Defensores da 'reversão sexual'
Em decisão liminar de 15 de setembro, Carvalho acatava o pedido de três psicólogos. Todos eles foram denunciados ao Conselho de Psicologia nos últimos cinco anos por fazer terapia para que gays e lésbicas deixassem de ser homossexuais.

Uma das profissionais era Rozangela Alves Justino, que atualmente trabalha como assessora parlamentar do deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Rozângela chegou a ser punida em 2009.

Na época, ela disse ao G1 que considerava a homossexualidade um distúrbio, provocado principalmente por abusos e traumas sofridos durante a infância. Ela afirmou ter "aliviado o sofrimento" de vários homossexuais.

Na decisão desta sexta, o juiz Waldemar Claudio de Carvalho negou um pedido desses psicólogos para suspender todos os processos éticos e disciplinares ligados à resolução do CFP. Com isso, os processos seguem tramitando.

Fonte: G1

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