domingo, fevereiro 09, 2014

Em Ramallah, jovem brasileiro-palestino conta como passaporte o salvou da prisão

 Blog Cidade News ItaúEra abril de 2013 quando Majd Hamad, de 15 anos, e outros colegas foram detidos no vilarejo de Silwad, na Cisjordânia, por tropas israelenses. Acusados de jogar
pedras contra um veículo militar, sete adolescentes ficaram de seis a oito meses na cadeia. Majd, por sua vez, conseguiu ser solto depois de dois dias. O motivo? O menino tem passaporte brasileiro e recebeu apoio do escritório de Representação do Brasil na Palestina, que interviu junto às autoridades israelenses.

A reportagem de Opera Mundi conversou com Majd e sua mãe, Najat, sobre o episódio, em Ramallah. “Junto comigo foram presos dois primos meus e mais cinco meninos, que são os meus melhores amigos”, conta. “Mesmo sendo inocente, se não fosse brasileiro, não teria sido libertado tão rápido. Me considero muito sortudo de ter cidadania brasileira. Alguns amigos meus, que não jogaram pedras, ficaram oito meses na cadeia”, lamenta.

Najat afirma que Majd não participou do protesto no qual foram lançadas pedras em veículos das tropas israelenses. "Quando há manifestações, eu simplesmente tranco Majd em casa, não deixo ele ir, tenho medo. Só abro a porta depois que os militares saem do nosso vilarejo”, explica.

"Isso não é vida... ficar trancado...", resmunga o garoto. De acordo com Majd, seus amigos saíram da prisão "diferentes". "Eles ficaram mais calados, fechados. Um deles não quer mais sair de casa e largou a escola", diz.

"Todos estão fazendo tratamento psicológico, ficaram traumatizados com a cadeia. Lá, eles (as autoridades israelenses) nem separam crianças de adultos, ficam todos misturados, 14 pessoas em cada cela", completa a mãe.

De acordo com o cônsul do Brasil em Ramallah, João Marcelo Soares, que acompanhou Majd à delegacia militar de Binyamin, "o garoto não confessou e acho que o fato de o consulado estar presente lhe deu mais segurança para aguentar a pressão do interrogatório".

"A presença de um cônsul, naquelas circunstâncias, também pode ter criado uma situação de constrangimento para as autoridades israelenses", afirma o diplomata brasileiro a Opera Mundi.

"Nunca recebemos um documento formal discriminando a acusação que pesava sobre Majd”, conta o diplomata, ressaltando que as autoridades israelenses também não permitiram a presença do consulado, nem do advogado, nem dos pais do garoto, no interrogatório.

Ele diz que, então, transmitiu ao comandante da delegacia militar o descontentamento por não ter sido permitida a presença da representação brasileira durante o interrogatório. “Ele me garantiu que seria dada toda a consideração ao caso e, não havendo nenhum elemento de culpa contra o garoto, ele seria libertado, o que aconteceu um dia depois", fala.

De acordo com Soares, esse foi um episódio marcante durante seu período na Palestina. O diplomata, que exerce o cargo de cônsul do Brasil em Ramallah há um ano e meio, disse que o caso da prisão do jovem brasileiro lhe deu uma oportunidade de ver "na prática, em um contato direto" como funciona um dos mecanismos do sistema de ocupação da Palestina, o sistema de leis militares.

"Por exemplo, o isolamento de presos, inclusive quando são menores, e não podem contar com a presença de advogados durante o interrogatório. Presos são mantidos algemados mesmo dentro das celas – isso eu vi", diz o cônsul brasileiro.

Relatório do Unicef

Em 2013, o Unicef ( Fundo das Nações Unidas para a Infância) publicou um relatório denunciando maus tratos a crianças palestinas detidas pelas autoridades militares israelenses na Cisjordânia. De acordo com o documento, cerca de 700 menores palestinos são detidos por ano.

"Os maus-tratos contra menores palestinos no sistema de detenção militar israelense são generalizados, sistemáticos e institucionalizados", afirmou o órgão da ONU. "Esses maus tratos incluem a detenção de crianças em suas casas entre a meia-noite e as cinco da manhã por parte de soldados fortemente armados. Vendam seus olhos e prendem suas mãos", relata o texto, que também denuncia "as confissões forçadas, a falta de acesso a um advogado ou a familiares durante o interrogatório".

Liberdade

Pouco tempo depois da prisão, Majd viajou para o Brasil com a mãe, nascida na cidade de Anápolis, no Estado de Goiás. "Fazia 17 anos que eu não via minha família", lembra Najat. “Quando Majd foi preso, fiquei com medo de não podermos viajar, mas graças a Deus, conseguimos", diz, aliviada.

Comparando sua experiência em Anápolis com a vida no vilarejo de Silwan, onde nasceu, Majd diz que a diferença é "como o céu e a terra". "Em Anápolis me senti livre, podia ir onde eu quisesse, sem medo, sem restrições. Aqui não é vida, lá que é vida", diz. "Fiz um monte de amigos, mesmo sem falar português. Lá as pessoas são mais calorosas do que aqui".

A liberdade que Majd sentiu no Brasil também tem a ver com as diferenças culturais entre os dois países. "As meninas em Anápolis paqueraram ele", brinca Najat. “Aqui isso não existe. Menina não conversa com rapaz, mas lá isso é normal. Até agora ele continua recebendo cartas de amor de algumas meninas que conheceu lá", conta.

Majd parece ficar um pouco constrangido com os comentários da mãe, mas, ao mesmo tempo, o sorriso tímido e um certo brilho de seus olhos verdes indicam que ficou bastante lisonjeado com a calorosa recepção das meninas de Anápolis.

Reprodução Cidade News Itaú

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