domingo, abril 02, 2023

Decisão do STF sobre celas especiais elimina privilégio e deve forçar análise 'caso a caso' no Judiciário, diz especialista


A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a previsão de prisão especial, antes da condenação definitiva, para quem tem diploma de curso superior simboliza o fim de um privilégio e deve levar o Judiciário a atuar de forma mais pessoal, afirmou ao g1 o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim), Renato Stanziola Vieira.


"É o fim de um privilégio. Talvez, a médio prazo, o Judiciário venha a ter um entendimento maior do que já consta na Lei e no código de processo penal para definir se um preso deve ficar em cela separada ou não. Como a prisão preventiva é uma medida cautelar pessoal, os motivos para cumprir essa medida de forma diferenciada também devem ser pessoais, e não pela categoria a que o preso está vinculado. A distinção, só por ele ter um título, isso era um privilégio", diz o presidente do Ibccrim, reforçando se tratar de sua opinião pessoal.

Segundo Vieira, o Artigo 295 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece em quais condições o preso pode ficar em cela especial enquanto não for condenado definitivamente, é um "cabide do corporativismo", onde alguns grupos tiveram força para se incluir na lista e garantir o privilégio.


O especialista considera que os advogados devem passar a pressionar o Judiciário a analisar caso a caso se faz sentido determinar prisão especial com base em algo que é aplicável a todos: garantir a proteção da integridade física, moral ou psicológica do preso.


Ouvido pela GloboNews, o advogado criminalista Breno Melaragno ressaltou que a distinção do curso superior para justificar cela especial foi feita no Código de Processo Penal há muitas décadas, e que o contexto hoje é outro.


"A prisão especial para quem tem curso superior foi criada no Código de Processo Penal, que é de 1941, numa época em que a pessoa formada numa faculdade era uma pessoa rara no Brasil. Então, com o intuito de dar mais proteção para essas pessoas consideradas, na década de 40, importantes, foi criado o instituto da prisão especial, que não mais perdura. Já não existe mais esse motivo", diz Melaragno.



A prisão especial prevista em lei não tem características específicas para as celas – consiste apenas em ficar em local distinto dos presos comuns.


Os ministros julgaram uma ação protocolada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 2015, que questionou o benefício previsto no Código de Processo Penal.


▶️ A procuradoria defende que a norma viola a Constituição, ferindo os princípios da dignidade humana e da isonomia.


Ressalvas: nos votos, ministros ressaltaram que presos podem ser separados, inclusive os com diploma de curso superior, para garantir a proteção da integridade física, moral ou psicológica, como prevê a lei.


Entenda os argumentos

Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes afirma que a norma é inconstitucional e fere o princípio da isonomia.


Em seu voto, o ministro afirmou que não há justificativa para manter um benefício que, segundo ele, transmite a ideia de que presos comuns não se tornaram pessoas dignas de tratamento especial por parte do Estado.


"A norma impugnada não protege uma categoria de pessoas fragilizadas e merecedoras de tutela, pelo contrário, ela favorece aqueles que já são favorecidos por sua posição socioeconômica."

"Embora a atual realidade brasileira já desautorize a associação entre bacharelado e prestígio político, fato é que a obtenção de título acadêmico ainda é algo inacessível para a maioria da população brasileira", diz Moraes.



Para o ministro, “a extensão da prisão especial a essas pessoas caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal, e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei”, escreveu.


Seguindo o relator, o ministro Edson Fachin afirmou que "condições condignas no cumprimento da pena devem ser estendidas a todos os presos, sem distinção, os quais merecem respeito aos direitos fundamentais".


O ministro disse que o grau de instrução não tem justificativa lógica e constitucionalmente para divisão de presos.


"Não verifico correlação lógica entre grau de escolaridade e separação de presos. Não há nada que informe que presos com grau de instrução menor são mais perigosos ou violentos que presos com grau de escolaridade maior ou vice-versa. Nada que diga que inserir no mesmo ambiente presos com graus distintos de escolaridade causará, por si só, maior risco à integridade física ou psíquica desses", escreveu Fachin.


Já Dias Toffoli argumentou que não há autorização para o poder público garantir tratamento privilegiado para seguimentos da sociedade em detrimento de outros.


"Como dito, a formação acadêmica é condição pessoal que, a priori, não implica majoração ou agravamento do risco ao qual estará submetido o preso cautelar, distinguindo-se, portanto, de outras condições pessoais, a exemplo de integrar o preso as forças de segurança pública, ou a de ter ele exercido atividades profissionais intrínsecas ou intimamente relacionadas ao funcionamento do Sistema de Justiça Criminal", disse.


Fonte: g1

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