quinta-feira, outubro 07, 2021

Juiz vê indícios de pressão de Barros para favorecer empresa quando ministro; deputado nega



O juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 10º Vara Criminal da Justiça Federal, disse haver indícios de que o ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo na Câmara, pressionou servidores da pasta para o pagamento antecipado de quase R$ 20 milhões à empresa Global Saúde para compra de remédios que a empresa não tinha condições de entregar.


A TV Globo teve acesso à decisão da Justiça que autorizou a Polícia Federal a cumprir mandados na operação Pés de Barro, deflagrada em setembro deste ano.


Ricardo Barros nega ter cometido irregularidades. Os advogados da Global Saúde argumentam que não há provas de ilegalidade e que a operação violou garantias fundamentais (leia ao final desta reportagem a íntegra de notas divulgadas em setembro pelo deputado e pela empresa).


A operação apura fraudes na aquisição de medicamentos de alto custo pelo Ministério da Saúde, entre maio de 2016 e março de 2018, período em que Barros — atual líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados — comandava a pasta, durante o governo do então presidente Michel Temer.


Um dos servidores da Saúde que depôs à Polícia Federal e relatou pressão de Barros e do diretor de Logística do ministério, Davidson Tolentino, para o repasse da verba à Global foi Luis Ricardo Miranda — irmão do deputado federal Luís Miranda (DEM-DF).


Com base no depoimento de Luis Ricardo Miranda e de outros quatro servidores da Saúde, a Polícia Federal informou à Justiça ter colhido provas de que a cúpula do ministério sabia que a Global Saúde não tinha os medicamentos para entrega e que a empresa não era habilitada para a compra dos produtos. Mesmo assim, os dirigentes da Saúde teriam agido para que a compra prosseguisse.


Em depoimento à CPI da Pandemia em junho deste ano, Luis Ricardo Miranda relatou que também sofreu pressões de superiores do Ministério da Saúde para agilizar o processo de autorização para a importação da vacina indiana Covaxin.


Pelo fato de as investigações da CPI da Pandemia e da Polícia Federal se cruzarem, a justiça autorizou os mandados da operação Pés de Barro. O argumento era o receio de que provas pudessem ser destruídas — já que a apuração do Senado Federal é pública.


Apesar de ser citado na investigação da PF, Ricardo Barros não foi alvo de nenhum mandado no âmbito da Operação Pés de Barro.


O caso

A contratação envolve a empresa Global Saúde, sócia da Precisa Medicamentos – arrastada para o centro das investigações da CPI da Covid após suspeitas de irregularidades nas tratativas de compra da vacina indiana Covaxin.


A Polícia Federal informou à Justiça que não estava investigando o caso Covaxin, mas que os fatos revelados pela CPI mostram que o mesmo grupo investigado na Operação Pés de Barro pode ter perpetuado um esquema para desviar dinheiro público.


Segundo a PF, as medidas de busca e apreensão eram necessárias diante da exposição dos alvos pela CPI, que poderiam agir para destruir provas, e de indícios dos crimes de estelionato, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva, prevaricação, advocacia administrativa e organização criminosa.


Sem citar o nome de Barros, o delegado José Augusto Versiani afirmou que o esquema não seria comandando por Francisco Maximiano, dono da Global e da Precisa Medicamentos, mas por alguém com "influência política".


“Sabe-se que a subtração de dinheiro público não foi coordenada por Francisco Emerson Maximiano, mas por alguém que tinha influência política para efetuar nomeações no ministério da saúde, os quais operavam pressionando servidores para que empresas fossem favorecidas e procedimentos de compra e pagamento fossem efetuados fora da legalidade”, afirmou.



O depoimento do servidor Victor Lahud cita diretamente a suposta interferência de Barros.


Ele afirmou aos investigadores que antes do pagamento houve muita pressão dos superiores para a liberação dos valores e que se recusou por entender que não estavam preenchidos os requisitos para justificar a antecipação do pagamento.


Segundo relata a representação da PF, "as cobranças partiram do Sr. Alexandre Lages, bem como de outras pessoas ligadas ao gabinete, alegando sempre que o Diretor, Davidson Tolentino, e o próprio Ministro, Ricardo Barros, estavam cobrando que fosse feito esse pagamento".


De acordo com a reprodução do relato do servidor à PF, "todos os telefonemas que recebia com cobranças para que efetivasse o pagamento antecipado à empresa Global Gestão em Saúde S/A mencionavam o nome do ministro Ricardo Barros como forma de pressionar para que fosse feito o pagamento".


Barros nega pressão

Segundo Ricardo Barros, as informações do servidor são inverídicas.


"São informações que não condizem com a verdade. Não fiz pressão a qualquer servidor para autorizar o pagamento. O depoimento de Victor Lahud fala em pressão usando o meu nome, mas nunca houve pressão diretamente minha. Inclusive não consta no processo autorização ministerial para o pagamento antecipado à empresa Global, como reconhece o Ministério Público na denúncia. Reforço que a licitação seguiu o trâmite legal com decisões judiciais favoráveis. Estou tranquilo e provarei a minha inocência", afirmou.]


Notas do deputado e da empresa

Leia abaixo a íntegra de notas divulgada em setembro pelo deputado federal Ricardo Barros e por advogados da Global Saúde sobre a operação da Polícia Federal.


Nota de Ricardo Barros


“Não se comprovará qualquer irregularidade na minha conduta no Ministério da Saúde”, diz Ricardo Barros


Reitero que não sou alvo da operação e não se comprovará qualquer irregularidade na minha conduta à frente do Ministério da Saúde. Na minha gestão no Ministério promovi uma economia superior a R$ 5 bilhões com a renegociação de contratos, compras de medicamentos e insumos. Todos os valores foram reinvestidos no SUS.



São processos que afrontaram grandes interesses, mas promoveram mais serviços à população.


As compras foram feitas dentro das normas legais, sob decisões judiciais favoráveis e provocaram mudança na posição da Anvisa, que deixou de exigir licença de importação para medicamentos judicializados.


Sobre o caso Global, reitero que o prazo de entrega dos medicamentos venceu após a minha saída do ministério em Abril de 2018. O atraso não tem relação com as mortes citadas.


A ação fazia parte de um processo de enfrentamento dos monopólios do setor farmacêutico, especialmente na compra de medicamentos para atendimento de doenças raras em cumprimento a decisões judiciais.


A política de quebra de monopólios consistia em buscar a proposta mais vantajosa aos cofres públicos, de menor preço, independente de quem fosse o vendedor do medicamento.


Buscou-se aumentar o número de concorrentes, com apoio da Justiça, e utilizar a possibilidade de pagamento antecipado para redução de preços, prática admitida pelo Tribunal de Contas da União.


No caso da empresa Global, foram adotadas todas as providências pelo Ministério da Saúde para penalização da empresa e para o ressarcimento ao erário. A Global já confessou a dívida e ressarciu até agora cerca de R$ 2,8 milhões ao Erário.


Nota da Global Saúde


A operação de hoje reproduz de forma escancarada o modus operandi e ilegal da Lava Jato, ao usurpar competência do Supremo Tribunal Federal, investigar fatos antigos, sem qualquer contemporaneidade e prova de ilegalidade, com o único objetivo de conseguir os holofotes da imprensa e aproveitar o clima de violações a garantias fundamentais que lamentavelmente vem se instaurando novamente no país, no curso das investigações que versam sobre a pandemia.


Não obstante a Precisa Medicamentos e seus executivos tenham sempre se colocando à disposição das autoridades e entregue todos os documentos quando solicitados, prestados todas as informações requeridas, ido à CPI três vezes, prestado três depoimentos à PF, dois à CGU, hoje a empresa é alvo da terceira busca e apreensão em menos de um ano e a segunda em uma semana.


Lamentavelmente, isso demonstra o retorno do estado policialesco que, assim como na Lava Jato, quando foram feitas reiteradas e sufocantes medidas cautelares deferidas contra investigados que posteriormente foram absolvidos por essas nulidades, mas tiveram suas empresas quebradas, ou prejudicadas de forma quase irreversível, mas em todos os casos sempre tiveram seus negócios atingidos e empregos destruídos naquele malfadado período.


Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, advogados de Francisco Maximiano, Precisa Medicamentos e da Global Saúde.


Fonte: G1

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