sexta-feira, julho 10, 2020

Covid-19 entrou no Rio Grande do Norte vindo da Europa

Passados quase quatro meses  do registro do primeiro caso do novo coronavírus no Rio Grande do Norte, pelo menos 79.676 desembarcaram no Estado pelo Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante, entre março e maio, sem serem inspecionadas por autoridades sanitárias. Foi através de um ou mais desses passageiros que o vírus da covid-19 ingressou no território potiguar importado do continente europeu. O primeiro caso da doença no Estado foi confirmado numa mulher de 24 anos, moradora de Natal, com histórico de viagens para Itália, França e Áustria. 

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No Aeroporto Internacional Governador Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante, tentativa de montagem de barreira sanitária pela Sesap/RN foi frustrada em março
Créditos: Magnus Nascimento

Um estudo científico intitulado “Identificação das rotas iniciais de importação e disseminação da Covid-19 no Brasil” mapeou as rotas de entrada do novo coronavírus no Brasil. Ele aponta que a entrada e a disseminação dele no País se deram após viagens internacionais e até mesmo em território nacional. A análise feita pelos pesquisadores concluiu que em 19 estados brasileiros, incluindo o Rio Grande do Norte, os primeiros casos da doença foram em pessoas com histórico de viagem internacional. Os pesquisadores sugerem que a falta de fiscalização nos aeroportos pode ter contribuído para a propagação da doença.

A pesquisa foi publicada na revista GeoSaberes, da Universidade Federal do Ceará (UFC). De acordo com o professor Marco Túlio Mendonça Diniz, do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Caicó, a ideia dos pesquisadores era realizar um estudo com o objetivo de analisar os dados epidemiológicos dos 27 Estados brasileiros, aliado às informações dos aeroportos e de transporte aéreo no país.

Os pesquisadores detalharam que 19 Estados (66,7%) tiveram os primeiros casos relacionados a pessoas com histórico de viagem internacional. No caso dos outros oito Estados (33,3%), a pesquisa constatou que os primeiros casos registrados aconteceram após viagens dentro do território brasileiro, como São Paulo (66,7%), Rio de Janeiro (22,2%) e Ceará (11,1%). A pesquisa também é assinada pelos pesquisadores Vitor Hugo Pereira, membro do Grupo de Pesquisa em Geoprocessamento e Geografia Física da UFRN; Glairton Rocha e Marcos Antônio Cavalcante, do Grupo Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Instituto Federal do Piauí (IFPI).

“Concluímos que 90% dos casos que vieram do exterior vieram da Europa, principalmente da Itália, 57% veio de lá. Outros casos vieram dos Estados Unidos. Mas a maioria dos primeiros casos de coronavírus em cada Estado veio da Europa”, explicou o professor Marco Túlio Mendonça Diniz. Os pesquisadores observaram os primeiros casos de coronavírus em todos os Estados. O primeiro caso surgiu no dia 26 de fevereiro, em São Paulo, sendo um homem, 61 anos, com histórico de viagem a Itália. Menos de um mês depois, no dia 21 de março, Roraima registrava o primeiro caso e todas as unidades federativas do país possuíam ao menos um registro de coronavírus.

Na avaliação do professor Marco Túlio, o principal problema de gestão do poder público na pandemia do coronavírus foi o fato de não ter feito um fechamento dos aeroportos, além de “menosprezo” pela doença.

“O ideal seria ter fechado os aeroportos e logo que os primeiros casos viessem, porque se os aeroportos estavam fechados, se viessem, seriam dos países vizinhos. Todos os primeiros casos de todos os Estados vieram por aeroportos. A maior parte de voos internacionais e outros que foram de contágio comunitário no próprio país também foram por aeroportos. É algo que outros países fizeram. Como o país é o epicentro, vários países não aceitam voos do Brasil hoje”, declarou o estudioso.

Conclusões
A professora e infectologista Marise Reis Freitas, que compõe o Comitê Científico da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap/RN), as primeiras conclusões é de que o vírus foi importado de fora do Estado. “A rota de circulação do vírus está bem estabelecida. O que temos de informações baseada nos estudos epidemiológicos é que o vírus se originou na China e se disseminou em outros países. O vírus sai daí através dos viajantes, porque esse vírus possui sobrevivência na superfície limitada, o homem é que o preserva por mais tempo, porque precisa da célula do homem para contaminar”, explicou.

Barreira sanitária não foi viabilizada
Os trabalhos sanitários nos aeroportos brasileiros são de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No Rio Grande do Norte, a Sesap e o Ministério Público Federal (MPF) tentaram implementar barreiras sanitárias no Aeroporto Internacional Aluízio Alves, mas foram impedidos pela Justiça Federal. No dia 24 de março, a Sesap chegou a receber o aval da Anvisa, mas foi barrada no mesmo dia pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, alegando que as atividades de vigilância sanitária e epidemiológicas, sem prévia pactuação entre as três esferas governamentais, poderia ser vista como inconstitucional.

Em reportagem publicada pela TN em 18 de março, início da pandemia, mostrou que pelo menos duas mil pessoas vindas de países com casos confirmados entraram no RN sem qualquer abordagem ou inspeção sanitária. A TRIBUNA DO NORTE procurou novamente o MPF no RN para saber se houve interposição de recurso, mas foi informada, via assessoria de imprensa, que o órgão desistiu da ação após alegar que o Estado não teria mais equipe pra deixar à disposição no Aeroporto diante da evolução da pandemia. 

“No sentido de que as barreiras sanitárias, na atual fase da pandemia da COVID-19, já não são as medidas mais eficazes para conter o avanço da disseminação do vírus; diante da ausência de manifestação expressa da vontade do ente público estatal em compor o polo ativo desta lide [...] declaro a extinção do presente feito”, consta na decisão do juiz substituto da 1ª Vara Federal no RN, Magnus Augusto Costa Delgado. Em abril, decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, confirmou o controle sanitário da Anvisa em aeroportos, estabelecendo que não caberia aos estados implantarem, por conta própria, as barreiras.

À TRIBUNA DO NORTE, a Inframérica, que administra o Aeroporto Aluízio Alves, informou que o terminal não recebe voos internacionais desde 19 de março e a movimentação doméstica teve redução de cerca de 90%. A concessionária disse ainda que implantou medidas sanitárias “para que os passageiros possam viajar com tranquilidade”.

Entre as ações estão a intensificação da limpeza do terminal utilizando produtos para desinfecção de UTIs, separação de mesas, cadeiras e a sinalização de uma distância segura em filas, balcões e elevadores. Além disso, pontos de álcool gel estão espalhados por todo o terminal, e os balcões de check-in e portões de embarque estão recebendo divisores de acrílico para proteger funcionários e passageiros.

O terminal também conta com um posto médico e equipado para atender emergências médicas 24h. A Inframérica disse ainda que o aeroporto passou por descontaminação na sua estrutura. Com relação a eventuais barreiras sanitárias, a administração do aeroporto disse que obedece normas e orientações da Anvisa que é quem regula as ações que podem ser realizadas pela administradora.

A TRIBUNA DO NORTE também procurou a Anvisa, que informou que o papel do órgão nos pontos de entrada no país em relação à Covid-19 está focado em três pontos: encaminhamento aos casos sintomáticos, adoção de medidas para encaminhamentos desta pessoa ao serviço de atendimento e “tornar possível o rastreamento dos demais passageiros em casos de confirmação, mediantes solicitação das secretarias de saúde”, disse em nota. Casos sem sintomas não serão avaliados no aeroporto, acrescentou.

A Anvisa citou ainda outros procedimentos para os desembarques, como veiculação de avisos sonoros nos saguões dos aeroportos, 
“As ações adotadas no desembarque para casos suspeitos a bordo da aeronave são estabelecidas nos Planos de Contingência locais que preveem como se dará o primeiro atendimento (serviço médico do aeroporto ou do município, por exemplo), como de dará a remoção, caso necessário; e os procedimentos de comunicação e notificação entre os interessados”, disse o órgão.

Antes, uma nota técnica da própria Anvisa autorizava métodos de triagem por parte dos Estados nos aeroportos, com restrição para que essas ações acontecessem fora das áreas de acesso restrito e que a medida fosse pactuada com a administradora do aeroporto.

Rota da covid
Fluxo de passageiros em três meses de pandemia no Aeroporto Internacional Aluízio Alves

Março
Total: 131.715
Internacional: 5.539
Nacional: 126.176

Abril
Total: 10.475
Internacional: 134
Nacional: 10.341

Maio
Total: 9.664
Internacional: 35
Nacional: 9.629

19 Estados (66,7%) tiveram primeiros casos de covid relacionados a pessoas com histórico de viagem internacional;

8 Estados (33,3%) tiveram primeiros registros após viagens dentro do território nacional;

Percentual de pessoas relacionadas aos primeiros casos de COVID-19 e históricos recentes de viagem
Itália: 57,14%
Reino Unido: 14,29%
Europa (país não identificado): 9,52%
Estados Unidos: 9,52%
Holanda: 4,76%
Espanha: 4,76%

Fonte: Estudo “Identificação das rotas iniciais de importação e disseminação da Covid-19 no Brasil”

Fonte: Tribuna do Norte

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