sexta-feira, maio 11, 2018

Na nova era do funk romântico, MCs viram 'bons moços' para tocar na rádio e na TV

MC Kekel em fotos publicadas no Instagram em setembro de 2017 e março deste ano (Foto: Reprodução/Instagram/MC Kekel)
MC Kekel em fotos publicadas no Instagram em setembro de 2017 e março deste ano (Foto: Reprodução/Instagram/MC Kekel)

Abril de 2016. Keldson William da Silva, o MC Kekel, canta sem camisa, cabelo de duas cores, aparelho nos dentes e óculos de sol espelhado na testa: "Quer andar de meiota [tipo de motocicleta muito estimado nas letras de funk]? Senta na minha p*."

Março de 2018. O mesmo Kekel, agora com estilo de rapper americano, versa ao lado de uma ex-cantora evangélica: "Eu troco uma estrela por um beijo seu, troco aquela Lua pelo seu olhar."


A mudança não é por acaso. Ilustra um movimento que tem ajudado o funk paulista a chegar às rádios e à televisão (em todos os horários). MCs estão deixando para trás os tempos de catuaba para "embrazar" (ou "ficar chapado", em tradução livre) com o amor.

"O funk paulista vive hoje algo muito próximo ao que viveu o funk do Rio na época do melody."
A explicação é do produtor Junior Maia, que trabalha para a empresa de KondZilla, e é um dos responsáveis pela transformação de Kekel.

Ele se refere à safra de nomes como MC Marcinho ("Glamurosa"), MC Leozinho ("Se ela dança, eu danço") e Claudinho & Buchecha ("Quero te encontrar" e outros tantos hits). Com letras melosas e quase sem apelo sexual, eles tocavam até em programas infantis nos anos 1990 e início de 2000.


"As produtoras do funk estão querendo dar qualidade aos artistas. Isso traz mídia, TVs, jornais, revistas... Tudo isso traz um retorno muito maior para o cantor."

Kekel diz ter duas personalidades artísticas: uma é Mandella, solteiro convicto e ousado. A outra se chama Kekel mesmo, o romântico de "Amor de verdade". Em ambas, ele passou a evitar os palavrões nas músicas.



"Em 2016, o funk melody não estava em alta, era mais a putaria mesmo. Agora o romantismo pegou todo mundo de surpresa", avalia o MC.

Para se adequar aos novos tempos, o cantor passou por um banho de loja - trocou "o estilo mais voltado à periferia" por um "mais chamoso, internacional", diz o produtor. Também adotou as tranças no cabelo, contratou um educador vocal e está estudando inglês.

Neste ano, ele participou do "Domingão do Faustão" (TV Globo) e do "Encontro com Fátima Bernardes" (TV Globo). No segundo, cantou lado do ídolo Buchecha e contou sua história de vida.

Ex-porteiro e carregador de entulho, Kekel terminou de construir a casa que a mãe tentava levantar quando morreu. Dedicado à família, vive hoje com a mulher, a irmã, o cunhado e o sobrinho.


MC Kekel e MC Rita no clipe de 'Amor de verdade' (Foto: Divulgação)
MC Kekel e MC Rita no clipe de 'Amor de verdade' (Foto: Divulgação)

Destacar essa imagem de bom moço em entrevistas e videoclipes também faz parte da estratégia. "É importante que as pessoas o vejam como um estimulo, que crianças queiram ser iguais a ele", justifica Junior.

"Alguns meninos ainda querem ser jogadores de futebol. Mas, de 2013 para cá, vários passaram a sonhar também com a vida de MC. E estão vendo que, para fazer sucesso, não é preciso falar palavrão ou desvalorizar as mulheres."
Mais perto da rádio
Campeão na internet, o funk ainda perde feio nas rádios para o sertanejo - o gênero ocupa as 23 primeiras posições entre as mais tocadas do país de janeiro a 7 de maio, segundo relatório da Crowley.

Letras sexuais, com termos como "bumbum", "sentar", "quicar" e "descer", ajudam a explicar essa distância, segundo Fábio Schuck, representante nacional para a área musical da empresa de monitoramento ConnectMix.

"O rádio é aberto, fica ligado e pode ser ouvido por várias pessoas, a família inteira. Você não consegue filtrar."
Para o funk ganhar bons lugares entre as líderes, ainda há um longo caminho. Mas "Amor de verdade" já ocupa a 12º posição do ranking deste ano na categoria black music (que inclui o gênero).



Também aparecem entre as 50 primeiras da categoria as igualmente recatadas "Tô apaixonado nessa mina", de Kevinho (17º), "Ela é demais", de MC Bola (33º), e "Sou teu fã", de Dennis DJ (37º).


No streaming, estão bombando "Amor falso", de Aldair Playboy (10 milhões de visualizações no YouTube), "Amores brilhantes", de MC Pedrinho (16 milhões), "Pressentimento", de Livinho e Gaab (23 milhões), e "Tragédia", de MC Moreno (89 milhões).


MC Hariel (à esq.) e Gaab em padaria da zona leste de São Paulo (Foto: Celso Tavares/G1)
MC Hariel (à esq.) e Gaab em padaria da zona leste de São Paulo (Foto: Celso Tavares/G1)

Outra com bons números na internet é "Tem café", de Gaab e MC Hariel (119 milhões de visualizações). A música segue a onda romântica, sem abrir mão de versos picantes. Foi composta com influência de R&B e do pagode de Rodriguinho, ex-Travessos e pai de Gaab.

“A galera está crescendo. E está vendo que também ama, também tem que acordar cedo para trabalhar, que não é só festa", analisa o músico. Hariel acrescenta:

"A rapaziada está com vontade de fazer coisas legais, não só músicas que ficam no ‘tu tu tu’.”



Velha guarda
Referência de Kekel e outros MCs da mesma linha, Buchecha acredita que a mudança tem a ver com a saturação de um discurso comum nas letras do funk paulista.

"Aquela história de dar uma resposta: 'Você não me quis, agora me quer'. Se todo o mundo vai fazendo a mesma coisa, fica enjoativo", opina. "Não tem jeito. Vão passar as gerações, e [a música] vai sempre voltar para o amor."

Buchecha (à esq.) e Claudinho em foto de 7 de abril de 1998, auge do funk melody no Rio (Foto: Rosane Bekierman/Estadão Conteúdo/Arquivo)
Buchecha (à esq.) e Claudinho em foto de 7 de abril de 1998, auge do funk melody no Rio (Foto: Rosane Bekierman/Estadão Conteúdo/Arquivo)

Ele diz ficar feliz ao ver que cantores estão "adquirindo reponsabilidade social" e conta que adora ser chamado de bom moço do funk - seu apelido no meio.

Já Marcinho acha que a transição pode tornar mais duradouros os hits do gênero. "Uma música que fala de amor é mais resistente porque bate no sentimento das pessoas, elas se identificam."

Consultado pelo G1, Mr. Catra - paladino da safadeza no funk - foi generoso: "Acho importante dar oportunidade para todos". Mas frisou que, no Rio, ainda há "bons representantes da funk putaria". "Posso garantir que ainda vamos ter gerações cantando um pouco de sacanagem."

Fonte: G1

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