segunda-feira, março 22, 2021

Decreto mais rígido do Rio contra Covid prevalece sobre regra do governo estadual, dizem especialistas

As cidades de Rio de Janeiro e Niterói decidiram abrir apenas serviços essenciais entre 26 de março e 4 de abril. Na contramão, o governo do estado quer permitir a abertura de comércio, inclusive bares e restaurantes. Os decretos devem ser publicados em breve.


Neste caso, qual dos decretos deve ser seguido? O dos municípios, segundo especialistas ouvidos pelo G1.

O fechamento das atividades comerciais foi aconselhado pelos comitês científicos das duas cidades, em meio à escalada dos números de mortes e internações por Covid-19.


O governador Cláudio Castro (PSC) defende a criação de um "superferiado" de 10 dias e medidas de enfrentamento mais brandas. Ele disse que, havendo decretos divergentes, valem as medidas publicadas por ele. Os advogados ouvidos pela reportagem garantem que não.


"Entendo que vale a norma mais restritiva", diz Patricia Sampaio, professora de Direito Administrativo da FGV.


Cláudio Castro e Eduardo Paes em coletiva de imprensa em primeiro de dezembro de 2020 — Foto: Philippe Lima/Governo do Estado/Divulgação


"Em matéria de saúde pública, os três níveis federativos têm competência: União, estados e municípios devem zelar pela população. A questão é de abrangência territorial. Se um município entende que, nas suas taxas de contaminação e no seu sistema de saúde, não há como manter as atividades econômicas, faz parte da competência da matéria dele, de saúde, tomar as medidas que acha necessárias", conclui.


A professora afirma que, para isso, é necessário que haja embasamento na ciência. De acordo com a Prefeitura, houve consenso entre o comitê científico na necessidade de fechamento.


Vera Chemim, advogada constitucionalista e Mestre em Direito, diz que os dois decretos versam sobre diferentes direitos previstos na constituição: o da liberdade à atividade econômica, por parte do estado, e o do direito à saúde, por parte do município.


"A partir do momento em que o Rio está sofrendo com a pandemia e é preciso que a autoridade competente restrinja as atividades econômicas, temos a seguinte questão: o direito à saúde, com certeza, prevalece sobre o da liberdade econômica, dentro da crise sanitária que estamos vivendo".

A mestre em Direito afirma ainda que a União deveria coordenar as ações contra a Covid-19, mas que os estados e municípios têm competência para administrar a crise sanitária de acordo com suas particularidades.


"A despeito desse conflito de decretos, se o município está realmente vivendo uma situação extrema de crise sanitária, atendendo os requisitos de amparo por orientações médicas, poderá, sim, expedir esse decreto e exigir o lockdown", afirma.


Segundo ela, o município tem dois tipos de amparo jurídico para determinar as medidas mais restritivas que o governo estadual:


constitucional - considerando que o direito à vida se sobrepõe ao direito da liberdade econômica

jurisprudencial - considerando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a autonomia de municípios e estados para tomarem medidas no combate à Covid-19

Ela se refere a uma votação no plenário do STF, em 15 de abril do ano passado. Por maioria, o plenário entendeu que o Supremo deveria deixar expresso que governadores e prefeitos têm legitimidade para definir quais são as chamadas atividades essenciais.


Chance de Castro perder é imensa, diz comentarista

Mestre em Direito pela Harvard Law School, Álvaro Jorge aponta ainda outro fator que reforça o entendimento de que o fechamento é de competência do município.


"Pela regra constitucional, ao município compete legislar sobre matéria de interesse local e já tem farta jurisprudência do STF de que comércio é matéria de interesse local. Se estiver alinhado com uma fundamentação científica, seguindo os padrões da OMS, isso vai em linha com decisões que o Supremo tomou", afirma.


Ao Blog do Edimilson Ávila, Cláudio Castro disse que poderia recorrer à Justiça para prevalecer o seu decreto. O professor Álvaro Jorge opina que as chances de êxito são pequenas.


"Acho que o governador deve avaliar com cautela. A Procuradoria-Geral do Estado é muito competente, acho que não entraria numa aventura jurídica para chancelar uma questão que, ao que parece, é política".


O G1 entrou em contato com a PGE elencando os argumentos apresentados pelos especialistas e questionou qual seria a linha de defesa. Não houve resposta até a última atualização desta reportagem.


A comentarista de política Natuza Nery, da GloboNews, afirma que o STF não deve acolher o pedido do governador, caso seja acionado.


"A chance de ele perder é imensa. Ouvi três ministros do STF com a mesma avaliação, sobre como votariam se o caso caísse com eles, e sobre como os demais colegas tenderiam a votar no geral".


Fonte: G1

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