terça-feira, novembro 12, 2019

Estudante com suspeita de sarampo diz ter sido constrangida durante o Enem 2019: 'Animal exótico'

Uma estudante de 24 anos afirma que passou por situações de constrangimento durante a realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no último domingo (10). Ela está com suspeita de sarampo e conta que a equipe de aplicação da prova estava despreparada para recebê-la. Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) informou que os relatos relacionados à aplicação da prova estão sendo encaminhados ao consórcio aplicador para apuração.

Estudante de Santos (SP) disse que sofreu constrangimento durante aplicação do Enem — Foto: Arquivo Pessoal
Estudante de Santos (SP) disse que sofreu constrangimento durante aplicação do Enem — Foto: Arquivo Pessoal

Maythê Musa Roman, como milhares de outros estudantes, se preparou para o Enem durante todo o ano. Seu sonho é cursar medicina. A pedagoga chegou a deixar o emprego para se dedicar aos estudos mas, dias antes da primeira prova, começou a se sentir mal.


No domingo (3), dia do exame de Ciências Humanas e Linguagens, ela estava com febre, mas fez a prova normalmente. Durante a semana, após diversas idas ao médico, surgiu a suspeita de sarampo. "Imediatamente eu comecei a pensar como faria o segundo dia de prova. Falei com o coordenador do cursinho e ele me disse que por estar doente com uma doença infectocontagiosa, eu poderia pedir condições especiais", explica.

No edital do Enem consta a possibilidade de realizar a prova em uma sala separada para alunos em "condições específicas", o que se aplica ao caso de Maythê. Ainda segundo o documento, neste caso, o aluno só precisaria ir até o local da prova e falar com o coordenador, informar a condição e garantir o seu direito.

Foi o que Maythê fez. No último domingo (10), segundo dia de prova, a estudante foi até o colégio particular e informou ao coordenador do local que estava com suspeita de sarampo, solicitando uma sala reservada para fazer a prova.

"Ele me tratou muito bem, foi muito solícito. Me levou para um anfiteatro da escola e me pediu para esperar, disse que ia me arrumar uma sala separada. Mas, quando ele falou para os outros fiscais ali, funcionários, eu senti que começou uma espécie de comoção", relembra.


Os fiscais ficaram com medo de contaminação e Maythê explicou ao G1 que entendeu a preocupação. Mas, apesar disso, a estudante afirma que foi colocada em situações que a deixaram constrangida.

"Um deles me perguntou se eu era a menina que tava com sarampo e foi super grosseiro comigo, perguntou o que eu estava fazendo ali, que eu poderia matar todo mundo. Perguntou se eu iria fazer a prova mesmo se estivesse com ebola. Foi absurdo. Ele falava tudo isso alto, enquanto me levava pra outra sala, para que as outras pessoas ouvissem, eu senti isso."

Maythê explicou ao fiscal que a condição estava no edital e era um direito dela. "Eu precisei ameaçar porque ele estava passando dos limites, estava me constrangendo e me fazendo sentir mal. Quando cheguei na sala para fazer a prova, todos os fiscais me olhavam. Entra e sai da sala. Quem está lá dentro já não é mais uma aluna que quer fazer a prova, é um animal exótico com uma doença altamente contagiosa. Apesar de ser algo previsto, ninguém ali estava preparado para receber alguém doente."

A estudante fez a prova sem nenhuma supervisão, nenhum fiscal a acompanhou, apenas um enfermeiro que, segundo ela, não sabia explicar as condições do exame e particularidades técnicas. Além disso, a jovem não teve acesso ao tempo que ainda tinha para terminar o exame.


"Todos ficaram com medo de ficar na mesma sala que eu. Eu poderia até pegar o celular, fazer o que eu quisesse. Todo esse constrangimento fez com que a prova acabasse para mim, me prejudicou muito. Em um estado com surto de sarampo, não é possível que ninguém tenha pensado que um aluno poderia estar doente no dia da prova. Eu sinto que tive a lisura do meu exame prejudicada, fui interrompida, constrangida, desestabilizada. Não tive igualdade de condições para fazer a prova", relata.

A estudante afirma que entrará com um pedido para que seja feita a reaplicação do questionário, mas a situação de constrangimento continuará causando indignação. O pedido poderá ser feito até o dia 18 de novembro, segundo o Inep.

"Eu percebi na pele que tentar fazer o certo me prejudicou. No país da corrupção, do jeitinho, eu quis fazer o certo e joguei no lixo um ano de esforço por conta da falta de empatia, sensibilidade e preparo de uma equipe que deveria ter sido treinada para lidar com a situação. Eu poderia ter feito prova na sala e colocado todo mundo em risco. Eu poderia não ter feito a prova. Mas eu tinha um direito. Eu não pedi favor", finaliza.


Em nota, o Inep disse que todos os relatos relacionados à aplicação do Enem que chegam ao órgão estão sendo encaminhados ao consórcio aplicador para apuração. "Além disso, orientamos que casos como esses sejam registrados pelo Fale Conosco ou pela Ouvidoria do Inep, para apurações e encaminhamentos. Outra opção é registrar a reclamação/denúncia/solicitação/sugestão no Fala.BR, plataforma integrada de ouvidoria e acesso à informação."

Sarampo
O número de casos confirmados de sarampo no Brasil já passa de 10 mil – 90,5% das infecções estão no estado de São Paulo. De acordo com o Ministério da Saúde, a transmissão do sarampo ocorre de maneira muito fácil e rápida. Basta que a pessoa sem imunidade, ou seja, que não tomou as doses da vacina e nem teve a doença, tenha contato com gotículas de pessoas doentes, por meio de espirro, tosse, fala ou respiração próxima.

O contágio pode ocorrer entre quatro dias antes e quatro dias após o aparecimento das manchas vermelhas pelo corpo da pessoa já infectada.

Conforme explica o médico infectologista Marcos Caseiro, locais fechados e com grandes aglomerações de pessoas são favoráveis à transmissão do vírus do sarampo. “Uma pessoa com suspeita da doença, em hipótese alguma, pode ter contato com tantas outras pessoas. Ela deve ficar isolada, em casa. Uma única pessoa com sarampo pode infectar 17 pessoas em média, por via respiratória”, destaca.

Saiba mais sobre o sarampo — Foto: Arte/G1
Saiba mais sobre o sarampo — Foto: Arte/G1

De acordo com Caseiro, o procedimento mais correto nesse caso, seria o médico fornecer a paciente um atestado que identifica a suspeita da doença. “Depois disso, se possível, a prova deveria ter sido levada até ela. Até porque, mesmo na suspeita da doença a pessoa não pode frequentar um local em que estariam tantas pessoas, como em uma prova do Enem”.

Segundo o médico, deve haver um padrão para conduta nesses casos por parte do órgão que aplica a prova. “No caso da aplicação, é obrigatório que ela esteja de máscara ou todas as pessoas que estariam tomando conta da prova. A proteção individual é fundamental”.

Fonte: G1

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