segunda-feira, dezembro 04, 2017

Empresa que intermediou voo que matou noiva em SP foi denunciada 2 anos antes por táxi aéreo irregular

Vídeo mostra queda de helicóptero que matou noiva e mais 3 em SP (Foto: Reprodução)

A empresa que intermediou o transporte de helicóptero de uma noiva a caminho do altar e que acabou caindo em dezembro de 2016 em São Lourenço da Serra, na região metropolitana de São Paulo, havia sido denunciada à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mais de dois anos antes da tragédia por estar realizando táxi aéreo irregular (conhecido por “Taca” entre os pilotos e pessoas do meio). Naquele acidente, além da noiva, morreram o irmão dela, o piloto, e uma fotógrafa que estava grávida.
Nesta segunda-feira (4) o acidente completa um ano. Ainda está sob investigação e famílias das vítimas acionaram a Justiça por indenização. O helicóptero que caiu era da empresa HCS, que realizou o voo e que era responsável pelo piloto. A HCS diz que não se manifestará durante as investigações, que estão sob sigilo.
A acusação contra a empresa VoeNext, contratada pela noiva Rosemeire Nascimento da Silva, de 32 anos, para levá-la ao buffet Recanto do Beija-Flor, onde a cerimônia iria ser realizada, foi feita pela Associação Brasileira de Táxi Aéreo e Manutenção de Produtos Aeronáuticos (ABTAER) em 25 de setembro de 2014. A denúncia de transporte aéreo clandestino de passageiros e cargas foi encaminhada à Ouvidoria e à Superintendência de Ação Fiscal da Anac.
“Preocupada com os impactos de uma possível concorrência desleal no mercado de operadores certificados e, ainda, com os riscos que uma empresa não homologada pode gerar para toda a sociedade, requer a averiguação das atividades prestadas pelas seguintes corporações”, dizia a denúncia.
A VoeNext informou ao G1 que nunca foi empresa de táxi aéreo e que, desde sua constituição, trata-se de agência de turismo e viagens, regulada pela Embratur e não pela Anac. "A atividade da VoeNext está relacionada ao processo de venda e agenciamento de voos, ou seja, atua somente na intermediação da venda do voo, limitando-se a agendar viagens e direcionar os contratantes às respectivas empresas aéreas", afirmou a empresa.

A Anac informou que as denúncias encaminhadas pela ABTAER "geraram processos administrativos para apuração dos fatos, além de uma grande operação realizada em dezembro de 2016 no Aeroporto de Campo de Marte, em São Paulo". Durante a blitz, a Anac diz que não encontrou transporte aéreo irregular. Segundo a Anac, a VoeNext "é uma empresa de turismo e não possui aeronaves registradas em seu nome".
O acidente
A noiva Rosemeire pagou à VoeNext R$ 1.800 em duas prestações, de R$ 1.200 e mais R$ 600, sem que seu noivo, Udirley Damasceno, soubesse. A mulher, seu irmão, Silvano Nascimento da Silva, e a fotógrafa Nayla Cristina Neves Lousada, que estava grávida de seis meses, morreram no acidente na tarde de 4 de dezembro de dezembro de 2016. Também não sobreviveu à queda o piloto Peterson Pinheiro.
A aeronave, um helicóptero Robinson 44 prefixo PR-TUN, da empresa a HCS Táxi Aéreo, estava registrada na Anac como de uso particular e privado, não podendo ser utilizada para transporte de táxi aéreo mediante pagamento. A aeronave também não poderia voar em condições de voo por instrumentos (apenas com visibilidade do solo), segundo a Anac. Chovia e o tempo estava encoberto no momento da queda e o voo continuou, mesmo sem condições visuais.

Em julho, o G1 divulgou que uma câmera de pequeno porte – que estava dentro do helicóptero e era levada pela fotógrafa Nayla - gravou todo o acidente. A câmera foi encontrada em meio à mata apenas quatro dias depois da queda por um irmão da noiva e está sendo usada na investigação da tragédia pela Polícia Civil de São Lourenço da Serra, pela Anac e pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).
Especialistas ouvidos pelo G1 apontam que o piloto pode ter se desorientado durante o voo. As imagens mostrariam um conflito aparente de uso de controle de voo de forma visual e também por instrumentos.
A Anac abriu um processo administrativo para apurar a responsabilidade da Voenext e, logo após a tragédia, autuou a companhia “por explorar serviço sem concessão/autorização”. Dependendo do resultado da investigação, que ainda está em andamento, além de multas, o processo poderá ser encaminhado para o Ministério Público e à Polícia Federal.

Denúncia da Abtaer de 2014 relatava à Anac empresas que estariam fazendo táxi aéreo irregular (Foto: Abtaer/divulgação)
Denúncia da Abtaer de 2014 relatava à Anac empresas que estariam fazendo táxi aéreo irregular (Foto: Abtaer/divulgação)

Táxi aéreo irregular

A denúncia feita em 2014 pela ABTAER ao ouvidor da Anac, José Carlos Ferreira, à qual o G1 teve acesso, aponta que, além da VoeNext, outras cinco empresas de São Paulo que se apresentariam como agência de viagens estavam fazendo clandestinamente táxi aéreo. A denúncia foi protocolada na sede da Anac, em Brasília, sob o número 00058.086548/2014-87.

“Em suas diversas reuniões junto à Anac, a questão do transporte clandestino acaba sempre sendo motivo de críticas. Apesar de já ter sido discutido na área de segurança operacional, as denúncias sempre foram formalizadas junto à Gerência Geral de Ação Fiscal (hoje Superintendência de Ação Fiscal) e a Ouvidoria”, afirma o diretor jurídico da Abtaer, Ricardo Farias.

Helicóptero Robinson 44 caiu em São Lourenço da Serra com noiva e mais 4 pessoas em dezembro (Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros)
Helicóptero Robinson 44 caiu em São Lourenço da Serra com noiva e mais 4 pessoas em dezembro (Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros)

“A ABTAER já providenciou dezenas de comunicações à Anac. As denúncias, na realidade, não são de empresas de táxi aéreo, mas sim de particulares e empresas de turismo que operam completamente à margem dos regulamentos realizando voos comerciais de transporte de cargas e passageiros", disse o advogado. "Estas ludibriam o consumidor com falsas mensagens publicitárias (especialmente na internet) que lhes dão ares de empresas homologadas, o que é um verdadeiro engodo", acrescentou.
“A situação é grave, porque operar fora da lei envolve situações como sonegação fiscal, precarização de mão de obra (tripulantes que não respeitam a jornada adequada), baixo padrão de segurança de voo (manutenção duvidosa da aeronave e falta de treinamento adequado dos aeronautas) e falta de compromisso com os consumidores”, afirma o advogado.
Ele salienta que os proprietários de aeronaves privadas, que não operam sob as regras de táxi aéreo, muitas vezes não contratam seguro, o que não exigido pela Anac. “Nenhuma seguradora cobre o sinistro e o helicóptero pirata não possui lastro oficial para tanto”, afirma.

Denúncia citava empresa Voenext, que intermediou voo da noiva, em 2014 (Foto: Abtaer/divulgação)
Denúncia citava empresa Voenext, que intermediou voo da noiva, em 2014 (Foto: Abtaer/divulgação)

O gerente comercial da empresa Helimarte Táxi Aéreo, Rafael Dylis, afirma que ocorrem com frequência no Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte de São Paulo, voos irregulares. “Há pilotos que são contratados por particulares e que recebem, por exemplo, o salário, com horas de voo. Estas horas são vendidas através de agências ou agenciadores e não há nenhuma segurança envolvendo a atividade”, entende.
Além da VoeNext, a ABTAER citou na denúncia também as empresas Vip Táxi Aéreo, Good Fly, Aerocharter, Voe Aquila e Fly Private.
Nenhuma das empresas citadas na denúncia da Abtaer encontra-se na lista de autorizadas a operar como táxi aéreo no país (veja a lista das empresas autorizadas a atuar como táxi aéreo pela Anac). Segundo a Anac, algumas empresas podem atuar apenas como intermediadoras, contrando e revendendo assentos de empresas aéreas autorizadas.
O responsável pela empresa Vip Táxi Aéreo afirmou que a empresa está homologada corretamente na Anac. A Good Fly informou que atua como intermediadora e agenciamento de transporte aéreo e atendimento auxiliar no transporte aéreo, só atuando com aeronaves e parceiros homologados. Ela acrescenta que quem denuncia precisa provar as acusações.
O site da Aerocharter não está mais disponível, e os emails enviados pela reportagem sobre o tema não foram respondidos. O site da Voe Aquila não está mais disponível, e não foi possível contato pelos telefones indicados pela empresa na internet. Já o site da Fly Private continua disponível para serviços de fretamento e voos na internet, mas ninguém atendeu ou respondeu ao email da reportagem com os questionamentos.

Câmera filma queda de helicóptero que matou noiva em SP (Foto: Reprodução)
Câmera filma queda de helicóptero que matou noiva em SP (Foto: Reprodução)

Responsabilidade
Informações de investigações de acidentes aéreos apontam um grande número de tragédias no Brasil envolvendo transporte aéreo irregular. Por se tratar de um crime e desrespeito à legislação aeronáutica, muitas destas ocorrências não são investigados pelo Cenipa, sendo comunicados à Anac para apuração de infrações.
Após o acidente da noiva, a Anac instaurou um processo administrativo também contra a proprietária do helicóptero, interditando três aeronaves que pertenciam ao mesmo proprietário/operador. O processo ainda está em andamento. A Anac informou ainda que nenhuma das empresas citadas na denúncia possui registro ou permissão para funcionar como empresas de táxi aéreo, modalidade em que todas as aeronaves precisam ter seguro.
Segundo a Anac, empresas que realizam táxi aéreo precisam ser registradas e também há necessidade de seguro obrigatório de responsabilidade civil para cobrir eventuais danos a passageiros ou a terceiros em caso de acidentes. “A VoeNext é uma agência de viagens; portanto, não regulada pela Anac. Todavia, sua responsabilidade em relação ao voo fretado (pela noiva em dezembro de 2016) continua em investigação”, diz a agência.

Fonte: G1

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