sábado, janeiro 23, 2016

Cartel do pãozinho era formado por grandes empresas, segundo Cade

Conluio de empresas encareceu preço do pão no Norte e NordesteO preço do pãozinho pode variar de tempos em tempos, de padaria para padaria. Em nenhum lugar, porém, o valor do alimento nosso de cada dia é tão salgado quanto
nas regiões Norte e Nordeste. O custo da farinha de trigo nesses mercados, que concentram um quarto da produção nacional, costuma ter aumentos constantes em pouco tempo, sem muita diferença entre uma marca e outra. Por trás disso, está um esquema de um suposto cartel formado por fabricantes, distribuidoras e associações do setor, segundo uma investigação conduzida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), obtida por ÉPOCA. Entre os envolvidos, estão duas gigantes, a Bunge, uma das maiores empresas de agronegócios do mundo, e a M. Dias Branco, controlada pelo bilionário Francisco Ivens de Sá Dias Branco, décimo homem mais rico do país com uma fortuna estimada em R$ 8 bilhões. Na investigação do Cade, concluída na última semana, há uma série de provas, como e-mails, anotações, atas de reunião, relatórios de viagem, bilhetinhos e arquivos eletrônicos. "Há nos autos indícios robustos de que as empresas e pessoas físicas supracitadas teriam celebrado ajustes entre si, com a finalidade de fixar preços no mercado de farinha de trigo”, diz o relatório.


Documento do Cade detalha formação de cartel (Foto: Reprodução)

No material analisado pelos investigadores, está um e-mail trocado entre funcionários da M. Dias Branco. A mensagem dizia o seguinte: “conforme informações do Sr. Gustavo (Gerente de Vendas da Bunge RN) a política de preços para Farinha de Trigo Industrial para o mês de janeiro/08, será: Preço Distribuidor => Base R$ 80,00 Venda Direta => 78,00”. A M. Dias Branco e a Bunge, em tese, eram rivais de mercado, e não podiam combinar preços. Mas essa era uma prática comum no clube do trigo, segundo os investigadores. Uma prova disso é a agenda de um representante de uma dessas companhias. No diário, foram encontradas anotações a repeito de uma reunião do clube do trigo e uma tabela com preços designados para cinco grandes marcas, vendidas para 10 estados do Norte e do Nordeste, como Alagoas, Amazonas, Ceará, Pará e Rio Grande do Norte, entre outras. “São marcas de farinha comercializadas pelos Moinhos Cruzeiro do Sul (Rosa Branca), J. Macêdo (Dona Benta e Boa Sorte), Bunge (Suprema) e M. Dias Branco (Finna)”, diz o relatório do Cade. Quem não cumprisse as regras estabelecidas entre os membros do suposto cartel, como a eliminação de concorrentes do setor, poderia ser punido com a exclusão do grupo. Além dessas provas, uma delação feita pelo ex-funcionário da M. Dias Branco, Ednaldo Faustino Cruz Júnior, reforça os indícios de irregularidades apurados ao longo da investigação. O ex-gerente comercial da companhia no Rio Grande do Norte disse, em depoimento ao Ministério Público, que havia um esquema de "alinhamento de preços e ações” conjuntas entre as empresas do setor. O funcionário também confirmou os encontros entres as companhias concorrentes para “repassarem os ajustes dos preços do mês seguinte”.

Bunge, M. Dias Branco, Moinhos Cruzeiro do Sul e J. Macêdo são citadas nas investigações (Foto: Reprodução)

O suposto cartel da farinha de trigo nas regiões Norte e Nordeste teria durado ao menos 13 anos. Nesse período, um grupo de executivos e distribuidores costumava se reunir todo mês em Recife, numa associação do setor ou num hotel da cidade.  O esquema era formado por uma rede de 53 pessoas, 7 moinhos, 5 distribuidoras e uma associação. “A participação de um mesmo grupo de pessoas indica ainda tratar-se o suposto acordo de preços de uma prática institucionalizada e contínua”, diz o relatório do órgão regulador da concorrência. “O objeto principal do cartel seria o repasse dos aumentos no custo da principal matéria prima utilizada na indústria, isto é, o trigo, mantendo elevados os preços da farinha de trigo vendida para diversos segmentos, como indústria, padarias e consumo doméstico”, relata o Cade.

Após a conclusão da investigação e com a instauração do processo administrativo, todos os suspeitos deverão ser ouvidos -- e as empresas e seus executivos apresentarão as suas defesas ao Cade. Ao final do procedimento, a Superintendência-Geral do órgão regulador da concorrência deverá decidir pela condenação ou pelo arquivamento do caso. Se for adiante, o processo será destinado ao tribunal, onde os conselheiros votarão. Em caso de condenação dos envolvidos, as multas podem chegar até 20% do faturamento das empresas no setor. O valor dessa punição ainda não foi estimado pelo Cade.

O superintendente-geral do Cade Eduardo Frade afirma que “o caso é importante por se tratar de um cartel, a mais grave forma de lesão à concorrência”, e que, “além disso, envolve um produto extremamente utilizado e relevante para o consumidor brasileiro”. Procurada, a Bunge diz que “sempre conduziu e conduz suas atividades dentro do mais estrito respeito e observância à legislação vigente no país”. “O mercado de farinha de trigo no Brasil é extremamente competitivo. Neste contexto, para conquistar e manter clientes, a empresa foca seus esforços na competitividade e qualidade de seus produtos. A empresa está à disposição das autoridades.  Se necessário, pode comprovar sua conduta, sempre legal e lícita, junto às autoridades do Cade”, disse a companhia por meio de sua assessoria de imprensa. De acordo com Celso Bermejo, Diretor-presidente da Moinhos Cruzeiro do Sul, a empresa “não participou e não participa de nenhum cartel”. O empresário afirma ainda ter conhecimento do processo administrativo aberto em 2008 e explica estar colaborando com o Cade. Já a M. Dias Branco e a J Macêdo não responderam até a publicação desta matéria.

Fonte: Época

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