segunda-feira, novembro 24, 2014

Monitor acusado de abusos diz que foi confundido com 'tio malvado' de teatro

Antônio de Assis interpretou um menino malvado numa peça de teatro infantil durante a Páscoa para crianças do Mackenzie; para a sua defesa, meninas fantasiaram a possibilidade dele tê-las molestado (Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal / Facebook)Há seis meses preso, o monitor demitido do Colégio Mackenzie, em Barueri, na Grande São Paulo, negou as acusações de abuso sexual de três meninas e disse que
foi  confundido pelas alunas com um personagem que interpretou em uma peça teatral. “Depois que houve essa peça eu fiquei conhecido na escola entre eles, como: 'olha lá, o tio malvado'. Eles saíam do carro 'ó, o tio malvado, mamãe o tio malvado', afirmou o acusado Antônio de Assis.
A entrevista com o monitor foi feita com exclusividade pelo programa Fantástico na sala de segurança do presídio onde ele está preso. A Justiça deverá julgá-lo nesta semana. Ele foi demitido do colégio e é acusado de abusar sexualmente das alunas de 3 anos de idade, em abril. Além dele, outros dois funcionários foram desligados da escola por suspeita de participarem do mesmo crime, mas só ele foi acusado de estupro e detido.
”Chegou um policial com as algemas, me algemou, e falou ‘olha, a partir desse momento você está preso. Aí meu mundo desabou naquele instante ali. Eu olhei aquela algema na minha mão: ‘o que está acontecendo, o que que é isso aqui?’ Eu não tive explicação nenhuma, Disseram que eu tinha que comparecer à delegacia porque estava sendo investigado um caso de abuso lá, Eu não tinha advogado, porque nunca imaginei que fosse precisar de advogado também”.
Segundo o Mackenzie, assim que tomou conhecimento das denúncias de abusos feitas pelos pais das meninas, decidiu afastar os três funcionários citados por elas da unidade Tamboré para preservá-los. O colégio ainda alegou que procurou a Polícia Civil para comunicar as acusações contra os empregados para que fossem tomadas providências. Dos investigados, somente Antônio foi responsabilizado por estupro.
A primeira acusação foi feita por uma das meninas. Ela contou a história para a babá, que avisou os pais da criança. Uma parente de outra garota disse que as suspeitas começaram quando as meninas se queixaram de assaduras.
“Elas falaram: ‘ele me colocava no colo, abaixa minha calcinha, mexia’. Uma delas usou a expressão bimbinha, fazendo gestos com o dedo. A outra criança, na sequência, dizia: ‘eu não gostava que ele fazia isso. Eu falava que doía’”, relatou.
Na delegacia, 16 dias depois da menina ter falado com a babá, Antônio de Assis foi colocado ao lado de outros quatro homens. Uma das garotas fez o reconhecimento presencial. O delegado perguntou: "Quem é o tio Antônio Malvado?”. De imediato, a menina apontou para Antônio. "Bate nele, bate no bumbum dele”, disse a garota. A promotora que estava presente perguntou o que Antônio havia feito e a menina respondeu: "O tio colocou o dedo aqui”, apontando para o bumbum.
As outras duas meninas fizeram o reconhecimento por foto. No mesmo dia, ele foi preso. O reconhecimento e o depoimento das crianças são as principais provas da acusação, mas o monitor defende que as crianças confundiram a atuação dele com uma apresentação teatral.
“Na semana de Páscoa teve uma peça de teatro ao qual eu participei e eu fazia o papel de um menino travesso, menino malvado. Depois que houve essa peça eu fiquei conhecido na escola, entre eles, como ‘olha lá, o tio malvado’. Eles saíam do carro ‘ó, o tio malvado, mamãe o tio malvado", defendeu o acusado.
“Acho que as meninas estão confundindo fantasia com realidade para acusá-lo: ele interpretou um menino mau, que maltratava crianças e animais em uma peça e depois passou a ser conhecido na escola como o tio malvado", completou a advogada de defesa Anabella Marcantonatos.
No depoimento, a primeira criança a fazer a denúncia disse que ela e outros três coleguinhas, duas meninas e um menino, teriam sido abusados pelo acusado diante de outra auxiliar de alunos, em uma salinha perto da área de educação física. Ouvida pelo Fantástico, mas sem se identificar, a auxiliar negou as acusações contra ela e contra Antônio de Assis.
“É mentira. Isso nunca ocorreu, nunca. Eu acompanhei essa turma duas vezes pra Educação Física, mas acompanhada com a professora, Eu sei que isso está acabando comigo e eu falo com total convicção que o Antônio também não fez”, disse a auxiliar, que também foi demitida no dia seguinte da queixa dos pais à escola.
Já a polícia não viu nenhum indício contra a auxiliar e ela não foi acusada. O menino ficou fora da denúncia porque, de acordo com os pais, ele não foi à escola no dia do suposto abuso. A data do ocorrido é outro ponto considerado duvidoso. O inquérito considerou 22 de abril, uma terça-feira, como dia do crime.
“Eu nem cheguei a descer ao prédio. Naquele dia eu desci com a turma de educação física, mas a professora optou por dar aula no parque”, defendeu o monitor. “Não se sabe dia, semanas, meses, não tem a data certa da atuação, de quando elas foram levadas pro quartinho porque o fato se repetia, toda a semana. As queixas vinham. A assadura, a recusa de entrar na escola, a outra criança não querendo colocar a calcinha”, rebateu a parente de uma das meninas.
Falhas no processo
A defesa de Assis listou incoerências no processo. Segundo a advogada Anabella Marcantonatos faltam provas técnicas: imagens das câmeras do circuito interno da escola, laudos médicos periciais ou testemunho de pessoas que estavam com Antônio no momento do suposto crime.
A advogada disse que a prisão e a denúncia foram baseadas somente nos relatos das meninas e que elas podem ter sido influenciadas pelo papel interpretado pelo monitor em uma apresentação teatral. Outra falha apontada pela defesa foi a ausência de um profissional especializado para acompanhar as crianças no reconhecimento e no depoimento.
“Do ponto de vista da psicologia, esse procedimento é questionável. Você precisa ser capacitado para entrevistar criança e coletar essa fala de maneira cristalina, sem influenciar, sem colocar palavra na boca dessa criança”, afirmou a psicóloga Lucia Cavalcanti Williams, professora titular da Universidade Federal de São Carlos e referência no estudo e prevenção à violência na escola.
Um parecer psicológico chegou a ser feito mais de três meses depois do primeiro relato da criança. Duas meninas reafirmaram o suposto abuso. A outra, a primeira a denunciar o crime, dessa vez negou o abuso.
Menina: Ele me machucava.
Psicóloga: Onde?
Menina: No meu braço. Só no meu braço.
Psicóloga: Você lembra se ele fez mais uma coisa, se brincou de um jeito diferente?
Menina: Não lembro. Isso já passou.
“O ideal era  a criança ter sido ouvida uma só vez, no caso duas, mas o que ocorre no Brasil é essa peregrinação. A criança conversa com o profissional, depois com outro, e depois com outro, o relato dessa criança pode ser contaminando. É traumatizante pra criança”, explicou a psicóloga Lucia Cavalcanti Williams.
A defensora do ex-funcionário do Mackenzie, que é mãe de duas meninas que também estudam na escola, explicou que decidiu defender o monitor depois de ter tomado conhecimento do caso em uma reunião de pais.
Ela anexou ao processo um abaixo-assinado com 66 assinaturas de pais de crianças do Mackenzie que acreditam na inocência de Antônio. “Além disso, tenho declarações de 15 funcionários que atestam a boa conduta do monitor nos nove anos que ele trabalhou no colégio”, afirmou.
Ela afirmou que decidiu defender Antônio depois que o caso do suposto abuso chegou ao conhecimento dos pais em reuniões. “Percebi que estavam querendo condenar o monitor sem qualquer prova técnica, baseando-se apenas no depoimento de meninas de 3 anos, que foram induzidas, a dizer quem estava com Antônio no dia que elas apareceram com assaduras”, disse Anabella.
“Mas os pais se esquecem que Antônio não trabalha com crianças de 3 anos, mas sim com as de 5 anos, e não estava na aula de Educação Física, conforme uma outra professora falou”.

Denúncia e julgamento
A polícia já concluiu o inquérito e o Ministério Público (MP) ofereceu a denúncia à Justiça. A juíza da 1ª Vara de Barueri, Cynthia Straforini, ouviu as partes e as testemunhas, e deve dar a sentença até o fim do mês. A pena para esse crime pode chegar a 30 anos de prisão. Em 2009, a legislação também passou a considerar estupro a manipulação dos genitais e não só penetração.
Na denúncia feita pela Promotoria, o abuso ocorreu em 22 de abril. Antônio de Assis foi acusado de “aproveitar-se da momentânea ausência de vigilância” de outros funcionários para despir e tocar as crianças durante a aula de educação física, de acordo com a Folha de S.Paulo.
O promotor Eduardo Querobim não quis falar com o G1 sobre o caso, segundo a assessoria do MP, por se tratar de apuração sigilosa. “No dia do ocorrido, se é que ocorreu, Antônio estava em outro local. Se ele tivesse ido para a educação física, as câmeras teriam registrado isso”, disse Anabella, que é mãe de duas meninas que estudam na mesma unidade do Mackenzie Tamboré, onde o monitor trabalhava.
No dia do ocorrido, se é que ocorreu, Antônio estava em outro local. Se ele tivesse ido para a educação física, as câmeras teriam registrado isso". De acordo com a defesa, mesmo consultas médicas feitas com pediatras particulares contratados pelos pais das supostas vítimas, e que integram o processo, que corre sob sigilo judicial, atestam que não há como concluir que houve abuso.
“Eu acho que uma criança de 3 anos não tem capacidade de discernir entre realidade e fantasia. Mas uma criança de 3 anos não tem capacidade pra inventar um fato e atribuir um nome como todas atribuíram, tio Antônio, fazendo gestos e falando o que ele fazia com elas”, defendeu uma parente.
Já o monitor acredita que a juíza do caso encontrará as falhas apontadas pela defesa no processo. “Eu tenho orado pra que Deus dê coragem pra essa juíza, porque ela vai ter que ter coragem para me inocentar. Quem analisa esse processo e vê, vê que tem falhas ali. Ela vai ter que ter coragem pra fazer justiça. Eu tenho orado a Deus pra que dê essa coragem pra ela”, disse Antônio de Assis.
As três filhas do monitor, que é casado com uma operadora de telemarketing, estudam no Mackenzie. Uma faz faculdade de direito, na unidade Higienópolis, outras duas estão na Tamboré, onde o pai trabalhava. As três meninas supostamente violentadas pelo monitor também continuam estudando no Tamboré, segundo informou a assessoria do Mackenzie.


Fonte: G1

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