domingo, setembro 07, 2014

Inep diz que 95 transexuais poderão usar nome social no Enem 2014

A transexual Rafaelly Wiest, de 31 anos, fará o Enem pela 3ª vez para tentar uma bolsa do Prouni (Foto: Arquivo pessoal/Rafaelly Wiest)A edição de 2014 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) terá 95 candidatos e candidatas transexuais com autorização do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para usarem seu
nome social durante a prova. Segundo a assessoria de imprensa do Inep, as 95 solicitações feitas foram atendidas.
Para poderem garantir o direito, os candidatos e candidatas precisaram ligar para um telefone de atendimento e solicitar um formulário específico (veja acima). Entre as opções estavam a designação em sala de aula conforme a ordem alfabética do nome social, o tratamento dado pelos fiscais e se vão querer usar o banheiro masculino ou feminino.
A medida, inédita em 15 anos de Enem, foi comemorada pelo movimento LGBT e por pessoas 'trans' que já fizeram e farão novamente o exame neste anos. Segundo elas, um ambiente que aceita o nome social das pessoas transexuais faz com que a autoestima delas aumente. "O movimento como um todo tem batido muito na tecla das pessoas 'trans' começarem a entrar na universidade, e o Enem permitir o nome social é uma forma de chamar essas pessoas, de dizer que elas devem pertencer a esse lugar também", disse ao G1 a estudante transexual Maria Clara Araújo, que quer usar a nota do Enem para conseguir uma vaga em serviço social na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Mas, segundo a transexual paranaense Rafaelly Wiest, presidente do Transgrupo Marcela Prado, a medida do governo federal ainda é paliativa, porque deixa brechas para a discriminação. "A pessoa ainda pode me chamar pelo nome de registro e dizer que é o nome que está escrito no documento", disse ela o G1, explicando que os e as transexuais no Brasil ainda esperam pela tramitação de um projeto de lei que vai facilitar o processo de retificação do nome civil.
Rafaelly tem 31 anos, mora em Curitiba e faz parte do grupo de pessoas que usarão o nome social nas provas em novembro. É a terceira vez que a candidata a uma vaga em ciência política ou psicologia fará o exame do Ministério da Educação, mas pela primeira vez ela deve ser tratada pelo nome que escolheu ter, e não o de batismo.

Maria Clara hoje é colunista sobre temas de educação em uma revista para adolescentes (Foto: Arquivo pessoal/Maria Clara Araújo)Maria Clara Araújo também vai usar o nome social
neste Enem (Foto: Arquivo pessoal/Maria Clara
Araújo)
O grupo em que Rafaelly se encontra representa uma pequena fração do total de 8.721.946 pessoas inscritas para a edição de 2014 do Enem. As provas acontecem nos dias 8 e 9 de novembro.
A mudança na política do exame aconteceu depois que diversos candidatos e candidatas 'trans' reclamarem de episódios de constrangimento por não se parecerem mais com a foto no documento de identidade.
"No ano passado fui como eu sou mesma, a Rafaelly", diz ela, explicando que não se parece com a foto do seu documento de identidade. "Mas aqui no Paraná houve separação de sexo [quando as salas de prova são distribuídas em ordem alfabética e acabam tendo apenas mulheres ou apenas homens]. Imagina uma mulher entrar numa sala com 39 homens? Foi muito ruim, afetou meu desempenho. E foi ruim para várias outras meninas", disse ela.

'Desisti da escola'

No Enem 2014, 95 transexuais estão autorizados a usar o nome social durante as provas em novembro (Foto: Reprodução)

Estudante de escola pública, Rafaelly acabou abandonando o colégio no ensino médio, em Curitiba, por causa da violência psicológica que sofreu por ser transexual. "Quando eu estava na idade certa e estava fazendo o ensino médio regular eu fui praticamente expulsa da escola por ser transexual. Naquela época não falavam em nome social, não tinha essas coisas, era preconceito puro. Estudei em escola pública a vida inteira, sofri muita violência psicológica e não aguentei, desisti da escola."
Depois de oito anos longe, Rafaelly acabou concluindo o ensino médio pelo Ensino de Jovens e Adultos [EJA] em 2006, onde diz ter se sentido mais confortável para retomar os estudos. Na época, ela atuava como confeiteira, e por isso fez um curso técnico em alimentação no ano seguinte.
Sua carreira teve uma reviravolta, porém, depois que ela se envolveu com o ativismo pelos direitos LGBTT. Rafaelly decidiu fazer um curso superior. "Minha primeira opção é ciência política, a segunda é psicologia", disse Rafaelly, hoje ex-presidente do Grupo Dignidade e presidente do Transgrupo Marcela Prado, duas ONGs que trabalham com a comunidade trans no Paraná e no Brasil.
Na edição de 2012 do Enem, Rafaelly ficou na lista de espera do Programa Universidade para Todos (Prouni). Em 2013, ela acabou sendo contemplada com uma bolsa de estudos do programa. "Passei em primeira chamada no curso, mas o curso que escolhi não fechou turma, então vou tentar agora de novo", afirmou.
Procedimento complicado
Rafaelly e outros candidatos e candidatas transexuais afirmam que a aceitação do nome social no Enem é um avanço por parte do Inep e do Ministério da Educação –em várias redes de ensino básico e superior, as pessoas transexuais já usam o nome social em crachás e listas de presença, por exemplo. Mas as regras para solicitação desse direito ainda não estão adequadas, dizem eles.
No site de inscrição do Enem, um dos itens das dúvidas frequentes dizia que "o participante travesti ou transexual que desejar ser identificado por nome social nos dias e locais de realização do exame deve fazer essa solicitação pelo telefone 0800-616161, até o final do período de inscrição".  O edital do Enem 2014, no entanto, não fez nenhuma referência ao uso do nome social.
"Primeiro soliticei por telefone, e quase não funcionou", diz Rafaelly. Segundo ela, a atendente do telefone indicado disse desconhecer a regra e apenas anotou seu e-mail. "Ela não sabia do que se tratava, depois enviaram um e-mail com outro formulário", explicou.

Novamente no Enem

Transexual Beatriz Trindade conta que sempre se sentiu mulher (Foto: Alex Araújo/G1)

Beatriz Marques Trindade Campos, de Sete Lagoas (MG), recebeu a mesma promessa de resposta pelo telefone, mas nunca mais teve retorno do MEC. "A atendente não tinha ideia do que eu estava falando e disse que alguém me retornaria, mas isso nunca aconteceu", disse ela. Procurada pelo G1, a assessoria do Inep disse que a jovem poderá usar o nome social. "Ela ainda não foi contatada porque o processo está em fase de ensalamento dos inscritos nos locais de aplicação do exame. Em breve ela será procurada pelo Inep para que encaminhe alguns documentos e receba orientação específica", disse o Inep, em nota. Beatriz afirmou ter recebido as instruções nesta segunda-feira (1º).
No ano passado, Beatriz foi uma das candidatas a publicar no Facebook críticas ao constrangimento ao qual diz ter sido submetida pelos fiscais durante a aplicação do Enem. Ao G1, ela contou na época que os três fiscais de sua sala, que estava cheia de homens, demoraram para liberar sua entrada porque ela chegou com aparência feminina, mas no seu RG constavam um nome e uma foto masculinos. Ela diz ter ficado constrangida pela situação pela qual passou, na frente dos demais candidatos.
Aluna de direito de uma instituição particular, Beatriz quis fazer o Enem para conseguir transferir o curso para outra instituição. Neste ano, já com 20 anos, a jovem trancou o curso e se mudou para o Ceará, onde, motivada pela mudança na regra, decidiu tentar novamente.

Receio de novo constrangimento
O Inep afirmou, em nota, que o nome social desses 95 candidatos e candidatas constará no cartão de confirmação de inscrição que será enviado pelo correio, mas que, "por uma questão de segurança, a identificação dos candidatos será feita pelo CPF, informado no formulário de inscrição (junto com o nome que consta no documento de identidade) preenchido no site do Enem".
Mas o fato de a solicitação do uso do nome social não ter sido feita diretamente no formulário inicial de inscrição faz com que as candidatas tenham receio de passar por uma nova situação de constrangimento.
"Foi um avanço, mas ainda não é um direito garantido", diz Rafaelly, que criticou o fato de ter sido obrigada a se inscrever usando o nome masculino, e depois fazer uma solicitação por telefone, em seguida por e-mail, para mudar o nome que aparecerá na sua prova. "Algumas pessoas encaram nosso nome social como um apelido. Quando as pessoas falam o nosso nome de registro, elas estão negando a minha identidade de gênero. É um reforço para dizer que eu não sou a Rafaelly, que elas estão negando visualmente a identidade que eu estou mostrando", explicou a ativista.

Fonte: G1

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