sexta-feira, junho 06, 2014

Artesã alfabetizada aos 50 anos vira poetisa no interior do Ceará

 http://cidadenewsitau.blogspot.com.br/Nunca é tarde para aprender. Isabel Barros de Araújo, de 59 anos, que o diga. Aprendeu a ler e a escrever aos 50 anos. Agora, é artesã e também poetisa. “Eu escrevo
poesia. É profissão escrever poesia? Eu sou apaixonada pelas letras”, revela logo no início da conversa.

Moradora do município de Pacatuba, a 32 quilômetros de Fortaleza, a cearense teve infância difícil. Ainda criança, foi retirada da casa da família, em Quixeramobim, no Sertão Central, para trabalhar em uma residência. Nunca recebeu nada em troca, nem mesmo o direito de estudar. Cresceu longe das palavras, e a escola acabou ficando de escanteio. Tempos difíceis, que ela prefere esconder do pensamento.

Já adulta, foi para Maracanaú, casou-se e teve dois filhos. “O meu marido, antes de falecer, me aconselhava a aprender a ler e a escrever. Ele me incentivava”, lembra. Ao ficar viúva, Isabel decidiu colocar em prática todos os ensinamentos deixados pelo marido.

Em 2004, aos 50 anos, resolveu começar a estudar ao lado de casa, na Escola Adauto Bezerra Lima. O início foi “vergonhoso”. A diferença de idade entre a artesã e os outros alunos era grande e, por isso, sentia o preconceito nos olhares das pessoas.Várias vezes mentiu dizendo que tinha estudado até a 4ª série, para não parecer atrasada. “Aí apareceu uma professora nota mil, com o sorrisão largo, falando que eu tinha potencial para chegar ao Ensino Médio. Eu achava que ela estava maluca”, admite.

A dona do sorriso inigualável, professora Lúcia Maria, é lembrada por Isabel, com carinho, até hoje. Graças a ela, a vida da artesã não é mais a mesma. Com muita força de vontade, concluiu a 8ª série do Ensino Fundamental e mudou de escola para estudar o Ensino Médio. Aprendeu a se comunicar com outras pessoas, a lutar pelos seus direitos e a exigir respeito. “Depois que entrei em sala de aula, muita coisa mudou, parece que eu até nasci de novo. Não sou mais a Isabel que era analfabeta, aquela que tinha medo de falar com as pessoas, medo até de ser reconhecida. Agora eu só dou entrevistas”, brinca.

Depois de concluir os estudos, o esforço é para alfabetizar a vizinha, que mais parece a “antiga Isabel”: tem medo do mundo. Os ensinamentos são repassados com muita singeleza. “Eu perguntei: ‘você quer aprender a ler?‘ Vamos começar a cobrir meu nome. Eu estou encantada, e é isso que a gente tem que fazer: aprender e ensinar”, revela com pureza.

Isabel ainda faz parte de um projeto em Pacatuba, a Força da Mulher, com realização do Cearah Periferia, Esplar e União Europeia. Ela vende toalhas bordadas de crochê a R$ 15 em feiras organizadas pelo programa para complementar a renda de casa.

Mas se engana quem pensa que para por aí. A artesã, além de fazer crochê, também produz belas poesias, na janela de casa, olhando as palmeiras. Atividades que necessitam de paciência e sensibilidade. A inspiração para escrever veio do pernambucano Paulo Freire, educador e filósofo brasileiro. “Uma vez, na sala de aula, houve uma aula sobre a formação de Paulo Freire. Ele queria que nenhum brasileiro fosse analfabeto, e eu concordo muito com isso”, diz.

Então pegou papel, lápis e foi rimando, mudando palavras de lugar, construindo textos de pura verdade e emoção. Nas poesias, homenageia professores, mulheres, cidades e amores. “O meu coração deixa fluir… Muita gente gosta. Sabe… eu tenho uma vontade muito grande de viver, não desisto fácil das coisas”.

Leia o poema de autoria de Isabel Barros:

Uma flor chamada mulher

A flor que eu falo
não é branca nem amarela,
eu falo das filhas da minha terra

Mulheres muito belas,
criado em berço esplêndido,
mistura de muitas raças
mulheres brancas, negras, morenas, mulatas,
todas em busca de seus ideais

Umas com seus sorrisos largos
outras com passos apressados a desfilar nas passarelas
e nos tapetes vermelhos 
quase sempre sonhos de uma Cinderela

São mulheres admiráveis,
que querem ver suas histórias escritas
em jornais e revistas

A luta contra o câncer

Com fé nas palavras, Isabel ainda luta contra o câncer descoberto há um ano. Recupera-se da cirurgia de retirada dos seios, e se prepara para as diversas sessões de quimioterapia. A vontade de viver, segundo a poetisa, só existe porque tem conhecimento, e sabe ler e escrever. “Você tendo esclarecimento, é muito diferente. Se eu não tivesse estudado, talvez até morresse, com medo de falar para as pessoas sobre a minha doença. Não tenho vergonha de dizer o que está se passando comigo. Quando a pessoa tem estudo, é diferente”.

A meta da poetisa é passar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e estudar na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), no município de Redenção. “Não faz vergonha estudar. Eu não tenho vergonha de entrar na faculdade. Estou batalhando para voltar a uma sala de aula. Sem estudo, ninguém chega a lugar nenhum”, dá a dica. “Realmente, as palavras me fizeram acordar para o mundo”, finaliza.

Reprodução Cidade News Itaú via Tribuna do Ceará

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