quinta-feira, janeiro 16, 2014

'Melhor trabalhar do que se acabar no crack', diz usuária no 1º dia de varrição

Aline participa do primeiro dia de trabalho da Operação Braços Abertos (Foto: Márcio Pinho/G1)Pessoas que moravam em barracos na Cracolândia, no Centro de São Paulo, varreram ruas e praças na manhã desta quinta-feira (16), dentro da nova estratégia da
Prefeitura de São Paulo de combater o uso de drogas na região.
Cerca de 300 pessoas se mudaram para cinco hotéis e ganharão R$ 15 por dia trabalhado. Elas relataram a importância da atividade para manter a mente ocupada e fugir da tentação da droga.

Os R$ 15 são vistos por alguns deles como uma oportunidade de investimento. Uma das participantes, Sandeli Leite, de 33 anos, sonha poder alugar um imóvel em Ermelino Matarazzo, na Zona Leste, para poder viver com seu cachorro, o Sol.
Sandeli que participou do primeiro dia de varrição da Operação Braços Abertos  (Foto: Márcio Pinho/G1)Sandeli que participou do primeiro dia de varrição
da Operação Braços Abertos(Foto:Márcio Pinho/G1)
"Moro na rua há muito tempo. Vim de um viaduto para cá e quero ter um teto" disse.
Neste primeiro dia de trabalho, Sandeli, no entanto, não trabalhou. Segundo ela, porque não havia botas do seu tamanho.
Esse não foi o único problema enfrentado pela ação nesta manhã de quinta. Os partipantes foram divididos em grupos. O número 1, acompanhado pelo G1, percorreu a Avenida Rio Branco e perdeu três de seus 20 integrantes durante o trajeto. Dois deles furtaram um pedaço de ferro de um comércio, ferramenta usada para baixar a porta, e saíram correndo.
A maioria dos participantes relata a vontade de manter a mente ocupada e de voltar ao bairro de origem. O ex-cobrador de ônibus, Paulo César, de 31 anos, quer se recuperar para voltar a viver em São Mateus, na Zona Leste. Ele levou um rádio portátil junto ao ouvido durante o serviço de varrição. "A gente tenta distrair a mente trabalhando e ouve música para ter mais ânimo para trabalhar", relatou. Ele disse que "qualquer coisa é melhor do que estar em um barraco" e criticou apenas a quantidade de comida do Bom Prato. "Poderia vir um pouco mais", afirmou.

Paulo que participou do primeiro dia de varrição da Operação Braços Abertos (Foto: Márcio Pinho/G1)Paulo que participou do primeiro dia de varrição da
Operação Braços Abertos (Foto: Márcio Pinho/G1)
Quem também deseja sair da região é Aline de Souza, de 30 anos e mãe de cinco filhos. Dois deles, segundo ela, são cuidados pelo Conselho Tutelar. "Meu sonho é voltar para casa com meus filhos", afirmou. Os pais dela vivem na Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo. Ela aprovou a atividade de zeladoria. "Foi legal trabalhar. Melhor do que ficar aqui se acabando no crack", disse.
Liderança
O grupo 1 se apoiou na liderança de uma das participantes. Silvana Fernandes, de 44 anos, coordenava o grupo, orientando a hora de atravessar dando bronca nos que andavam pela rua. Os participantes brincavam cantando o refrão da música "Solta o Azulão", em homenagem ao uniforme azul escuro usado pelo grupo. Na roupa há o logo da Operação Braços Abertos.
O grupo saiu por volta das 9h30 com vassouras e baldes de varrição e voltou às 12h ao centro da operação, na Rua Helvetia, perto de onde ficam os cinco hotéis onde estão hospedados.
Desejo de transformação
Segundo a secretária municipal de Assistência Social, Luciana Temer, a estratégia não busca que os usuários larguem a droga imediatamente, mas, sim, "despertar nessas pessoas o desejo de transformação".
Eles não serão desligados do programa se faltarem no trabalho. O ideal é que isso aconteça, no entanto, quando precisarem se tratar, segundo a estratégia. Equipes vão acompanhar os participantes e eles serão descredenciados apenas quando realmente não mostrarem mais interesse em participar. Segundo Luciana, a ideia é que o programa não seja algo imposto, para que os moradores não se fechem à iniciativa.
Histórico de intervenções na Cracolândia
Antes da Operação Braços Abertos, a mais recente tentativa de intervenção na região havia ocorrido em 2012. Batizada de "Ação Integrada Centro Legal", a operação deflagrada em 3 de janeiro de 2012 intensificou ações já realizadas pela Prefeitura de São Paulo, à época sob comando de Gilberto Kassab, e apoiadas pelo governo do estado no local desde 2009.
O governo estadual afirma que as medidas adotadas em 2012 na região tiveram como foco ampliar a oferta de atendimento e de acolhimento social aos dependentes. Entretanto, no período, o uso de forças de segurança (Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana) terminou em protestos de ativistas, Defensoria e representação do Ministério Público.
Após registro de imagens que mostravam ação ostensiva da PM, o governador Geraldo Alckmin decidiu proibir o uso de bombas de efeito moral e balas de borracha em ações na Cracolândia.
À época, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos - Inclusão Social questionou a falta de justificativas para uma ação do tipo, que impedia o livre direito de ir e vir e criava as chamadas "procissões do crack", quando os dependentes eram impedidos de ficar parados e seguiam escoltados pela PM por ruas da região. A Defensoria Pública também questionou o uso da força policial na Ação Integrada.
Um ano depois da operação, o G1 visitou ruas do centro e verificou que os dependentes permaneceram na região e que o número de vias com usuários monitoradas em São Paulo aumentou de 17 para 33. Foi no começo de 2013 que o governo de São Paulo criou medidas para facilitar a internação de dependentes.

Reprodução Cidade News Itaú

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