domingo, fevereiro 17, 2013

'Sucessor de Bento 16 terá desafio de resgatar prestígio do papado', diz especialista


Aos 85 anos, e "três semanas mais jovem do que Bento 16", o norte-americano John O'Malley é uma das grandes autoridades em história do catolicismo em atividade.

Autor de "A History of the Popes" (2011), o professor da Georgetown University, em Washington, e também padre brinca que teve sua vida "modestamente tocada por todos os papas dos últimos 50 anos", já que esteve pessoalmente com todos eles em alguma ocasião.

Há alguns anos, O'Malley assinou um ensaio hoje conhecido sobre renúncias de papas. À época, ele refletia sobre a possibilidade de que, fragilizado pela situação de saúde, João Paulo 2º pudesse abandonar o posto. "Fui chamado de fantasioso por tratar deste tema. Talvez estivesse sendo profético", diz

Em entrevista à Folha, por telefone, O'Malley elogia a coragem de Bento 16 de ter enfrentado uma questão estrutural de seu "trabalho", mas vaticina: "Historicamente, ele será conhecido como o bispo que renunciou".

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Folha - Com o escândalo VatiLeaks e a renúncia de Bento 16 é corrente a ideia de que a Igreja Católica está vivendo uma grande crise. O sr. considera esta uma das grandes crises históricas do papado?
John O'Malley - Ao estudar por muitos anos a história do papado posso dizer que ela é uma história de uma crise após a outra. Mas o papado é uma instituição absurdamente elástica, que conseguiu sobreviver ao longo de 2000 anos e manter sua identidade, mesmo tendo mudado muito. Mas sim, vivemos uma situação de crise considerável. A maneira como a Cúria Romana está estabelecida precisa ser investigada. Precisam definir como ela pode ser mais eficiente, como pode coordenar melhor suas congregações. Estes serão alguns dos desafios do próximo papa. Certamente no mundo ocidental ele precisará reestabelecer o prestígio do papado.

O sr. escreveu anos atrás um agora famoso ensaio sobre papas que renunciaram. O sr. imaginava que isso pudesse acontecer tão cedo?
Foi uma grande surpresa para todos. Depois do pontificado de João Paulo 2º, que se manteve firme mesmo com a saúde muito precária, a possibilidade de que um papa viesse a renunciar ficou ainda menor. De outra parte, justamente porque Bento 16 acompanhou o que aconteceu com João Paulo 2º nos últimos anos isso pode ter afetado sua decisão.

Em que circunstância o sr. escreveu o ensaio?
Escrevi este artigo em 2005, antes da morte do Papa João Paulo 2º. Havia um debate sobre como a igreja poderia seguir adiante, estando o papa visivelmente sem condições físicas de comandá-la. Acho que fui um pouco profético ao tratar da renúncia quando ninguém imaginava que isso pudesse acontecer.

Em seu livro "A History of the Popes" o sr. usa a expressão "trabalho" para se referir ao posto papal. Até que ponto é comum usar o termo mundano para uma posição sagrada?
São expressões um pouco profanas mesmo. Mas com elas eu queria ir ao cerne de um dos aspectos do papado, que é o de que ele envolve uma série de responsabilidades e tarefas que precisam ser cumpridas. É claro que o posto de papa é muito maior do que um emprego. É um líder mundial, com aspectos litúrgicos e inspiradores, o que nenhum trabalho comum envolve. Apesar disso, o que eu questionava era se não deveríamos ter bem claras quais as funções executivas de um papa.

E o fato de Bento 16 ter "pedido demissão" do "trabalho" de alguma maneira desmistifica os aspectos sagrados do que significa ser um papa?
Em certo sentido, não há como negar isso. Mas pense que ele é um bispo, essencialmente o bispo do mundo inteiro. Falamos muito claramente sobre as responsabilidades dos bispos e sabemos que eles têm de se aposentar aos 75 anos. Bento 16 está agindo agora como os outros bispos. Nesse sentido ele está dando um bom exemplo.

Foi uma decisão sábia?
Foi certamente algo extraordinário, eu pessoalmente achei uma decisão muito corajosa e também apropriada. Mas quem sou eu para falar sobre sabedoria ou não de uma ação papal.

Se o sr. tivesse de arriscar o futuro como acredita que Bento 16 será conhecido?
Tenho convicção de que ele será conhecido como "O papa que renunciou". É um grande marco. O papa pode não gostar, mas assim será. Espero que alguns historiadores mais sérios consigam resgatar também outros aspectos de sua atuação.

Todos os textos biográficos sobre Bento 16 atribuem a ele um brilhante passado como teólogo. Por que motivos Ratzinger pode ser considerado tão brilhante?
Ele já era conhecido como um teólogo brilhante antes do Segundo Concílio [que modernizou a igreja]. Eu estive na Alemanha em 1960, antes do Concílio, num congresso no qual ele se apresentou. Já nessa época todos diziam que ele era um iluminado para a teologia, que ele iria muito longe. No Segundo Concílio, embora ele tivesse só 35 anos já foi o líder entre os bispos da Alemanha.

Como papa ele conseguiu aplicar alguma teoria do teólogo?
Como papa ele continuou a escrever, mas na minha opinião ele fez uma distinção grande entre sua vida privada, de teólogo, e a de papa.

Entre as diversas especulações sobre quem será o novo papa há quem defenda a ascensão de um brasileiro. O que o sr. pensa disso?
O que posso dizer sobre a sucessão de Bento 16 é que existe uma conversa séria de que o papado vá para fora da Europa Ocidental. Desta vez é sério e possível. Poderia muito bem ser um brasileiro ou um africano.

Reprodução Cidade News Itaú

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