sábado, fevereiro 23, 2013

Após oito anos, nenhuma família das 194 vítimas do incêndio em boate na Argentina recebeu indenização


Familiares das vítimas do incêndio ocorrido na boate República Cromañon enfrentam a polícia durante protesto depois de a Justiça dar senteça favorável aos membros da banda de rock Callejeros, que faziam uma apresentação naquela noite, em Buenos Aires, Argentina
Foram oito anos. Esse foi o tempo necessário para condenar 14 dos 18 réus no caso do incêndio que matou 194 pessoas e feriu 1.432, na noite de 30 de dezembro de 2004, na boate República Cromañon, em Buenos Aires.  Três foram absolvidos e um aguarda julgamento de recurso em liberdade. Ainda assim, sobreviventes e famílias de jovens mortos naquela noite não receberam qualquer tipo de indenização. No período, houve reviravoltas judiciais, recursos e muito desgaste de pais, advogados e jovens que estavam na casa noturna, na região central da capital argentina, em uma comemoração prévia do Ano Novo. A causa se dividiu em quatro, por causa dos interesses e interpretações diferentes entre os cerca de 1.600 familiares e sobreviventes que entraram na Justiça.

O caso é similar ao ocorrido em Santa Maria (286 km de Porto Alegre), em 27 de janeiro, quando 239 pessoas morreram, após um incêndio na boate Kiss. A tragédia é investigada por meio de um inquérito policial.

A sentença definitiva para os 14 réus, entre eles os músicos da banda Callejeros, que tocava no dia do incêndio, veio em 20 de dezembro do ano passado. Entre os condenados a penas que variam de três a dez anos de prisão, estão o gerente da casa noturna, Omar Chabán, três funcionários públicos responsáveis pela fiscalização e controle de estabelecimentos da cidade, um policial, os membros do grupo, além do empresário dos músicos e o cenógrafo. O dono do espaço alugado por Chabán, Rafael Levy, foi sentenciado a quatro anos e meio de prisão, mas espera em liberdade o julgamento de um recurso.

O chefe de Governo de Buenos Aires à época (equivalente à prefeitura), Aníbal Ibarra, ficou de fora do processo penal, mas foi destituído do cargo em 2006. Patricio Poplavsky, advogado que representa 222 pessoas em uma das ações, torce para que as semelhanças entre os incêndios na República Cromañon e na boate Kiss, em Santa Maria (RS), não se estendam ao desenrolar judicial das tragédias: "Oito anos é demais. Tomara que no Brasil não ocorra o mesmo. No entanto, levando-se em conta a magnitude da tragédia e as idas e vindas da Justiça, podemos dizer que encerramos uma etapa e conseguimos o objetivo principal: que não houvesse impunidade".

Outros 300 familiares e sobreviventes estão na causa encabeçada por Mauricio Castro, que inclui parentes de membros do Callejeros que estavam assistindo ao show. O advogado afirma que está de acordo com a sentença, ainda que saiba que ela não tem qualquer caráter reparador: "A decisão pareceu correta. Mas as vítimas nunca ficarão conformadas com uma sentença penal. A única coisa que conseguem é um pouco de alívio".

Mortes por câncer
Nilda Gomez, mãe de Mariano Benitez, morto no incêndio, conta que cerca de 20 pais faleceram neste período, a maioria por câncer. Ela e o marido já tiveram três infartos cada um. Marcelo Parrilli, advogado da ação da qual ela participa com mais cerca de 40 pessoas, afirma que foram oito anos de decisões contrárias e que, apenas em dezembro do ano passado, houve "um resultado medianamente satisfatório. De 2004 a 2012, foram só momentos ruins e resoluções adversas. Houve vezes em que pensamos que era uma causa perdida". Parrilli lembra, por exemplo, a absolvição dos membros do Callejeros em 2009, decisão da qual ele e os outros advogados recorreram e que conseguiram reverter.

Pai de Pedro Iglesias, uma das vítimas da tragédia, José Antonio Iglesias também está à frente da causa mais numerosa, que reúne 114 parentes de mortos e cerca de 950 sobreviventes. Ele admite que não consegue separar a condição de pai daquela de advogado. Exausto, diz que a sentença expedida em dezembro pela Câmara Federal de Cassação Penal o ajuda a encerrar um capítulo. "De alguma maneira essa decisão me permite virar uma página. Durante esses anos, vivenciei os problemas, as reviravoltas da Justiça, a dor dos familiares. Tudo isso durante todos os dias, todo o dia", desabafa. Menos de um mês após a morte do filho, ainda em pleno luto, Iglesias começou a buscar orçamentos de advogados criminalistas para se encarregarem do caso.

Mas os valores eram tão elevados, que ele decidiu fazer uma pós-graduação Direito Penal para tomar à frente do processo. 
Nesses oito anos que consumiram emocionalmente cerca de 1.600 pessoas, além dos advogados, nos três primeiros ocorreram apenas as audiências de instrução, reservadas à apresentação de provas. O juízo oral, com depoimentos de vítimas e réus, demorou um ano. E entre sentenças e recursos na Câmara de Cassação, foram mais quatro.

"Podemos pensar que foi muito tempo, mas com tamanha quantidade de acusados, diversos níveis de reponsabilidade, em que vários crimes eram discutidos, não foi tanto, se considerarmos os padrões da Justiça argentina", opina Mauricio Castro.  Um dos principais procuradores na causa, Jorge Lopez Lecube, do Ministério Público Federal da Argentina, revela que foram constituídos grupos de trabalho interdisciplinares no órgão para dar conta de tamanha demanda de informação e personagens envolvidos. Com uma trajetória de décadas na função, ele diferencia o caso em sua carreira justamente pela quantidade de mortos, feridos e réus.

"Durante as audiências, o Escritório de Assistência à Vítima, do Ministério Público, teve de dar suporte à maioria dessas pessoas, inclusive para que conseguissem prestar seus depoimentos, porque elas tinham a dura tarefa de reviver tudo em juízo", recorda Lecube.

Reprodução Cidade News Itaú

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