domingo, maio 06, 2012

Começa a faltar alimento para os rebanhos


O açude vazio de seu Antônio Gentil denuncia a catástrofe da seca. Sem água e sem pasto, os bichos fraquejam e o pobre sertanejo apela para o bolso. O olhar distante e o corpo cansado denunciam a velhice que chegou muito cedo. Aos 65 anos, Antônio Gentil parece ter mais. Porém, ao invés de aproveitar a aposentadoria conseguida com muito esforço, o agricultor terá agora de quebrar o juízo pensando em como vai alimentar suas 200 cabeças de gado que já começaram a cair. Desfazer-se delas não pode. Além de muito apegado ao rebanho, a maioria está magra de mais para valer o que foi investido.
Dono de uma propriedade de 300 hectares na localidade de Igarapé, a 14km de Caraúbas, o agricultor recorre ao aposento para comprar ração. Todo mês, deixa mais de dois mil reais num armazém de Caraúbas. Com tudo isso, já contabiliza 17 perdas. "Como não tem pasto, os bichos estão passando fome e, quando chega a ração, comem até se 'empanzinar', aí os que deitam não conseguem mais se levantar sozinhos e acabam morrendo", disse o agricultor.
A terra de seu Antônio é considerada boa, mas como praticamente não choveu por lá neste ano, as áreas de pasto viraram deserto. Ele ainda chegou a cortar alguns hectares para o plantio, mas sem a chuva não conseguiu plantar. Dos quatro açudes da propriedade, somente um ainda aguentará até junho. Dois secaram de tudo e um está virando lama por causa do sol escaldante.
A sorte do agricultor é um poço tubular profundo, do qual ele pretende tirar pelo menos a água de beber do gado, mas para isso precisará conseguir que a Companhia Energética do RN (COSERN) implante mais um transformador na fazenda, e ele sabe que essas coisas demoram muito. Sem falar que o poço está sendo usado pela Companhia de Águas e Esgotos do RN (CAERN) para abastecer a zona urbana e, por conta do aumento do consumo, o lençol freático está diminuindo dramaticamente.
Vez ou outra, o olhar de Antônio Gentil entristece, vendo os campos vazios de comida para o gado. Nessa hora, voltam as lembranças de outras épocas ruins. O agricultor enfrentou outras secas tão terríveis quanto esta, e sabe que a situação ainda deve piorar. "Em 88 e 89, as secas foram grandes, do mesmo jeito de 93 e 94, mas esta haverá de ser maior", lembrou seu Antônio, sem esquecer as dificuldades da década de 1970.

A depender de Deus
Na localidade de Remédio dos Pinhais, em Umarizal, a viúva Antônia Costa também tenta salvar seu rebanho. Mas, ao contrário de seu Antônio, sua propriedade só tem sete hectares e seu rebanho não passa de oito cabeças. Mesmo assim, ela teve de comprar o pasto de uma área vizinha para colocar o gado. "Vamos ver se conseguimos passar essa seca sem vender os bichos", aposta a agricultora, que precisa mandar os filhos percorrerem três quilômetros para conseguir água para a casa e os animais.
Francisco Robson, do assentamento Remédio, tinha 30 cabeças de gado, mas vendeu as oito que estavam mais pesadas. Além da dificuldade cada vez pior, alguém pôs fogo em sua vazante, queimando todo o estoque de capim. "Além disso, muita gente rouba o que a gente planta por essas bandas", reclama.

Comida para gente
No ritmo que vai, não é apenas o gado que passará necessidade nesta seca. Muita gente também pode sofrer com a escassez de comida. Nas pequenas cidades do Médio Oeste, o quilo do feijão já custa R$ 7,00 e as famílias de baixa renda que não podem comprar o alimento com esse preço estão sentindo falta dos grãos na dispensa.
Essa situação é uma das principais pautas dos sindicatos rurais da região, que acreditam que nesse ritmo muita gente vai voltar para a miséria. "O governo anunciou uma 'Bolsa estiagem' que, por enquanto, é apenas discurso, mas que também só atenderá às famílias que já recebem Bolsa Família, o que deixará muitos agricultores de fora do benefício", disse a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Olho D'água do Borges, Aurinete Lima. 
Ela reclama do valor da bolsa. O Governo Federal está anunciando a liberação de R$ 400,00 em cinco parcelas para ajudar aos agricultores nos próximos cinco meses, ou seja, cada beneficiário receberá apenas R$ 80,00 por mês, o que é insuficiente até para uma alimentação digna.

Alimento para o rebanho pode faltar até nos mercados
A falta de alimento para os rebanhos do semiárido não acontece apenas nos pastos. A grande procura por resíduos e farelos começa a provocar a falta, também, nos armazéns, fazendo o preço disparar. A saca que custava R$ 36,00 já subiu para R$ 47,00 e se não melhorar, pode ficar ainda mais caro. O problema é que parte desse alimento vem da Bahia, que também sofre com a seca, e do Goiás, onde o frete é mais caro. Sem falar que as mudanças climáticas também podem afetar o Centro-Oeste do país.
De acordo com o comerciante Novinho Praxedes, que abastece os pecuaristas de Caraúbas e quase todo o Médio Oeste, a esperança é que depois de junho, havendo safra nessas regiões, o preço desse produto volte à casa dos R$ 37,00. Porém, ele sabe que até lá muito gado pode morrer por subnutrição e até fome, isso porque, além de pesar no bolso do pequeno criador, o médio comerciante não consegue atender a demanda. Só no armazém de Praxedes, mais de duas mil sacas são vendidas todo mês.
A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) anunciou que o Rio Grande do Norte receberá 17 mil toneladas de milho para reabastecer o estoque de seus armazéns e atender a demanda de alimentação dos rebanhos das microrregiões de Natal, Caicó, Assú, Mossoró e Currais Novos. Para atender o Médio e Alto Oeste, a Companhia estuda a reabertura do armazém de Umarizal. No entanto, reabrir essa unidade não é tão fácil quanto se anuncia.
De acordo com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Olho D'água do Borges, Aurinete Lima, o próprio governo está incentivando os agricultores a fazer um abaixo-assinado com pelo menos cinco mil assinaturas, para tentar sensibilizar o próprio governo. A ideia não está agradando os sindicalistas, que não acreditam que esse milho chegue para atender aos pequenos criadores.

Fonte: Defato

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