segunda-feira, agosto 07, 2023

Decisão para retirar macas dos corredores do Walfredo é descumprida há 20 anos

A existência de macas com pacientes internados nos corredores do Hospital Walfredo Gurgel é um problema recorrente no Rio Grande do Norte. Ano após ano, as cenas se repetem, com corredores superlotados e potiguares atendidos sem condições mínimas de dignidade. Nem mesmo a intervenção da Justiça é capaz de resolver a questão. Há 20 anos uma decisão judicial determina que o Estado pare de utilizar macas nos corredores para a internação de pacientes, sem que os governos sejam capazes de atender plenamente a determinação. A ação foi iniciada em 1999, a pedido do Ministério Público, e desde 2003 já teve pelo menos 3 determinações de cumprimento de sentença e acordos judiciais. Mesmo assim, o problema persiste. 


Informações apuradas pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE apontam que sexta-feira havia 54 macas nos corredores



O mais recente episódio da “novela” dos corredores do Walfredo Gurgel aconteceu no último dia 28 de julho, quando o juiz Artur Bonifácio, da 2ª Vara da Fazenda Pública, deu um prazo de 72 horas para que o Estado explique a situação do hospital. O processo judicial havia sido extinto no ano passado, após um acordo entre o Ministério Público e a Sesap. Contudo, neste ano, a Promotoria da Saúde constatou que os corredores voltaram novamente a abrigar dezenas de macas com pacientes e pediu mais uma vez o restabelecimento da ação e o cumprimento da sentença. 


Essa tem sido uma rotina comum nos últimos 20 anos na tentativa do Judiciário de impedir a utilização dos corredores como local de internação. O juiz determina que os corredores sejam esvaziados, o Estado atende, a solução funciona por algum tempo, até que os problemas da rede pública de saúde saiam do controle e os corredores voltem a ficar repletos de macas. Aí a promotoria volta a pedir o cumprimento da sentença e o círculo vicioso é reiniciado. Na manhã desta sexta-feira (04), a TRIBUNA DO NORTE apurou, a partir das informações de funcionários do hospital que falaram sob a condição de anonimato, que existiam pelo menos 53 pacientes nos corredores do maior hospital do Estado aguardando cirurgias e internações.


Passados quase duas décadas de proferida a primeira decisão para esvaziamento dos corredores, em 2003, a situação de pacientes em macas fora de ambulatórios no Walfredo é comum e recorrente, seja pelo atraso no pagamento a hospitais privados conveniados, greves de funcionários ou falta de estrutura na rede, o que gera pedidos de cumprimento das sentenças e acordos judiciais. Aliado a essas questões, interlocutores da Saúde apontam que durante os últimos anos a rede pública pouco avançou na estruturação da rede. 


“Na traumatoortopedia isso se dá pelo fato de que não temos um cinturão de barreira sanitária para atendimento pré-hospitalar. Ainda hoje chegam no Walfredo pacientes que não são o perfil do hospital. A superlotação hoje é causada fortemente por ausência de serviços em traumatoortopedia pré-hospitalar no interior. Ela também é reflexo de ainda chegar no WG pacientes da traumatortopedia de natureza não hospitalar”, explica a promotora do Ministério Público responsável por pedir o desarquivamento do processo no fim de julho, Iara Pinheiro Albuquerque. A promotora explica que o MP também entrou com ações judiciais nos últimos anos acerca de garantia de leitos na rede privada e procedimentos para apurar as regulações do Walfredo.


Decisões


Segundo decisões judiciais e consultas a processos feitas pela TRIBUNA DO NORTE, a primeira sentença da referida ação foi em 21 de fevereiro de 2002. O primeiro pedido de cumprimento da sentença aconteceu em 10 de março de 2003. O problema não foi resolvido e diversas determinações foram expedidas pelo então juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública, Ibanez Monteiro, segundo reportagens publicadas pela TRIBUNA à época. O Estado viveu sucessivas crises, com mais de 100 pessoas nos corredores do Hospital. Em 2010, foi assinado um um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para desafogar o Walfredo.


Na ocasião, a Sesap se comprometia a transferir 50 pacientes de clínica médica do Walfredo para o Hospital Ruy Pereira, além de assegurar mais dez leitos de internação de ortopedia para o Hospital Deoclécio Marques, em Parnamirim. No mesmo TAC, o acordo previa o fechamento de Pronto-Atendimentos em vários hospitais regionais. A ideia era que os municípios abrissem leitos de internação hospitalar para absorção dos próprios pacientes. Isso funcionou por um tempo.


Em 2011, o MP pediu o desarquivamento da ação de 1999 alegando que o Estado descumpriu o acordo feito no ano anteriore pediu contratação de leitos na rede privada para conseguir esvaziar os corredores. O juiz Ibanez Monteiro da Silva escreveu: “assim, como já acontecera anteriormente neste processo, a medida sanaria por alguns dias o problema, esvaziando os corredores do hospital, mas com pouco tempo a situação novamente surgiria”. 


O retorno do problema, no entanto, fez com que em 2012 uma nova audiência de conciliação fosse promovida, com adoção de medidas como nomeação de médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem para o então Hospital Ruy Pereira (extinto em 2020) e abertura de 20 leitos no Hospital Alfredo Mesquita Filho, em Macaíba. Mais uma vez, a ação foi efetiva durante algum tempo, mas o problema retornou. Em 2017, em um novo pedido de cumprimento de sentença, o MPRN alegou que pacientes voltaram a ficar internados nos corredores do Walfredo após uma inspeção judicial e descumprimento de acordo. 


Até o fechamento desta reportagem, o Governo do Estado, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE) não havia respondido à Justiça para informar as providências mais recentes para esvaziamento dos corredores do Walfredo Gurgel. A Secretaria de Estado da Saúde Pública do RN (Sesap) não se posicionou sobre o tema.


Promotora: “Interior precisa se estruturar”


A promotora Iara Pinheiro Albuquerque, responsável pela 47ª Promotoria de Saúde de Natal, aponta que a situação do Walfredo Gurgel faz parte de uma dificuldade histórica no RN. A promotora aponta que o “problema é estrutural”, mas que segundo ela “está melhor controlado e reduzido pela capacidade de abertura de serviços cirúrgicos de ortopedia”, disse. Iara Pinheiro reforça, no entanto, que já há uma melhora “significativa” no Walfredo nos últimos anos, com implementação de regulação e estruturação em hospitais do interior. 


“O avanço do SUS não foi apenas pela Sesap, mas por temos serviços de ortopedia instalado em Natal. Isso resultou que, dessa crise agora, o que está acontecendo hoje é que temos um número bastante reduzido (nos corredores) se considerarmos que temos um volume mais alto de pessoas entrando no Walfredo. Desde o primeiro momento dessa crise, o maior número de pacientes no corredor foram 42. Isso é gestão interna e capacidade do sistema que atualmente faz cirurgia ortopédica em Mossoró, Caicó, Assu e em Parnamirim nos serviços de traumaortopedia”, comenta.


A promotora reforça ainda outras duas questões: a necessidade de que municípios da Grande Natal estruturem serviços pré-ambulatoriais e abertura de outras unidades para ortopedia. “Não é suficiente por falta de serviços de ortopedia no âmbito dos municípios de baixa e média complexidade. Não é possível que um menino jogando bola em Extremoz quebre o braço e venha para o Walfredo Gurgel”, comenta. “O número que vemos agora é considerado baixo para o histórico do Walfredo. É necessária uma barreira sanitária com serviços de ortopedia”, diz.


Para a presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RN, Maria Eliza Garcia, uma das dificuldades é uma regulação eficiente.“Não temos uma regulação que atenda às necessidades. Acontece do paciente ir para o corredor do Walfredo porque não temos uma rede de urgência e emergência”, aponta.


Faltam recursos nos municípios. “Os municípios não têm condições. Temos hoje no RN mais de 70% dos municípios menores de 10 mil habitantes. Qual é a cidade que teria condições de estruturar uma rede para atender trauma e ortopedia? O que precisamos é trabalhar uma rede no Estado estruturante que atenda isso”, explica. 


Fonte: Tribuna do Norte

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