domingo, novembro 10, 2019

Mariana: Samarco propõe à Justiça fim de cadastro de atingidos por rompimento de barragem

Quatro anos após a lama da barragem de Fundão, em Mariana, matar 19 pessoas e mudar a vida de outras milhares, a mineradora Samarco quer encerrar o cadastro dos atingidos no dia 15 de dezembro. O pedido preocupa os Ministérios Públicos Federal e Estadual, que afirmam que o número de famílias que tiveram a vida alterada pela tragédia ainda é impreciso. A estimativa é que pelo menos 700 mil pessoas foram afetadas pela lama de rejeitos. Cerca de 320 mil pessoas receberam, até agora, algum tipo de reparação.

Casa no distrito de Bento Rodrigues destruída pela lama da barragem da Samarco  que se rompeu em 2015 — Foto: Patrícia Fiúza/G1 Minas
Casa no distrito de Bento Rodrigues destruída pela lama da barragem da Samarco que se rompeu em 2015 — Foto: Patrícia Fiúza/G1 Minas

“A Samarco quer acabar com o cadastro de atingidos dizendo que são fraudadores. De onde tiraram isso? Aproveitadores são eles que cometeram o crime e agora não querem pagar o que devem”, disse o promotor André Sperling.

A sugestão de se encerrar o cadastro foi feita à Justiça Federal no dia 6 de novembro, um dia após o rompimento da barragem completar 4 anos. O juiz Mário de Paula Franco Júnior havia determinado à mineradora que fossem apresentadas, em audiência marcada para o dia 11 de dezembro, soluções para o cadastro de atingidos e as indenizações.

Ao apresentar a proposta antecipadamente, a Samarco teve a postura classificada como “elogiável” pelo juiz, que optou por decidir sobre o encerramento do cadastro após ouvir manifestações de outros envolvidos, como os Ministérios Públicos Federal e Estadual de Minas e do Espírito Santo. O prazo para isso é 6 de dezembro.

No documento, a Samarco também pediu que os dois assuntos – cadastro e indenizações - fossem discutidos separadamente, o que foi deferido pelo juiz.

“Defiro o pedido formulado pela Samarco Mineração/SA, a fim de que o tema “Cadastro” seja tratado com prioridade, deixando-se a questão da “Indenização” para o momento subsequente, com todas as consequências jurídicas daí advindas”, informou o juiz na decisão.

A deliberação do magistrado foi criticada pelo promotor André Sperling. “A empresa disse que precisa resolver o cadastro para falar de indenização. O que é uma mentira, porque quem está cadastrado já deveria receber a indenização”, questionou.


O promotor também denunciou que há muito tempo a Renova não faz o pagamento do chamado Auxílio Financeiro Emergencial a novos cadastrados. “Qualquer um que faz visita a campo vê que as pessoas estão abandonadas. Na realidade, já faz tempo que não estão cadastrando ninguém. Não estão incluindo ninguém no AFE”, denunciou.

Edmo e a mãe, Vivinha, voltaram a pescar no Rio do Carmo, mas não conseguem mais vender os peixes — Foto: Patrícia Fiúza / G1
Edmo e a mãe, Vivinha, voltaram a pescar no Rio do Carmo, mas não conseguem mais vender os peixes — Foto: Patrícia Fiúza / G1

É o caso da família da Eva Franco Raimundo e Edmo Agostinho Raimundo, que moram em Barra Longa, a cerca de 60 km de Mariana. Mãe e filho são pescadores e “faiscadores” (garimpeiros manuais). Eles procuraram a Fundação Renova no final do ano passado, porque não podem mais pescar no Rio do Carmo, nem conseguem viver do garimpo.


Passado quase um ano após procurarem a fundação, eles ainda não receberam retorno. Não têm fonte de renda, nem Auxílio Financeiro Emergencial. A Fundação Renova também não comparece às reuniões com os atingidos na cidade, denunciou Edmo.

“Acabaram com a nossa vida, acabaram com tudo”, lamentou o pescador.
Contratação de assessorias técnicas
Para o promotor André Sperling, o cerne do problema para identificar os atingidos, especialmente os que estão fora de Mariana e Barra Longa, é a contratação de assessorias técnicas, que auxiliariam estas pessoas a comprovar que têm direito à reparação. Deveriam ser 21. Apenas três foram contratadas.

MPF aponta falhas no processo de cadastro
De acordo com o Ministério Público Federal, das 60.602 solicitações de cadastro feitas até o momento, 29.072 sequer foram analisadas.

Ainda de acordo com o MPF, mais de 1.600 pessoas que não foram consideradas atingidas pela Fundação Renova, tiveram, sim, a vida afetada pela tragédia e deveriam ser reparadas.

Além disso, de acordo com o órgão, o programa de cadastro impõe exigências com base em critérios definidos pela própria fundação, o que inviabiliza que muitas pessoas se reconheçam como atingidas e tenham acesso à reparação de seus direitos.


Segundo o MPF, de 30.062 núcleos familiares cadastrados, 19.684 vivem em situação de vulnerabilidade. Apenas 9.329 receberam indenização até agora. Já quanto ao pagamento do Auxílio Financeiro Emergencial, após 4 anos, 18.183 famílias cadastradas não receberam nada. Há 14.647 famílias cadastradas (49,3% do total) aguardando resposta.

O que dizem os citados
O G1 pediu um posicionamento à Justiça Federal sobre a decisão do juiz Mário de Paula Franco Júnior. A assessoria de imprensa informou que ele está de férias e que não seria possível fazer contato com o magistrado.

A Fundação Renova e a Samarco confirmaram que pediram à Justiça o encerramento de manifestações de cadastro para indenizações individuais. A Renova informou que o processo permaneceu ativo por mais tempo que o inicialmente previsto, que era de oito meses.

A fundação também afirmou que pretende "concentrar as ações do programa no tratamento das solicitações já registradas e no público dos demais programas de reparação e compensação."

Tanto a Samarco quanto a Renova disseram que, logo após o rompimento, foram feitas buscas ativas das pessoas impactadas e disponibilizados canais de relacionamento para atingidos se manifestarem.

A mineradora disse que, nos quatro anos, cerca de 170 mil pessoas solicitaram o cadastramento. E que o encerramento do processo é necessário para a conclusão da avaliação dos dados e o "pagamento das indenizações para impactados possa ser finalizado com celeridade".


Ainda segundo a Samarco e a Renova, "qualquer pessoa que seja autora de ação judicial individual pendente de julgamento na data do fechamento do cadastro, poderá, se elegível, receber indenização por meio do Programa de Indenização Mediada (PIM)."

Fonte: G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sua opinião é muito importante para nós, comente essa matéria!