sábado, junho 09, 2018

Governo dos EUA acompanhou relação entre militares e a Igreja durante a ditadura no Brasil

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Telegramas do Departamento de Estado Americano e relatórios da CIA (Agência de Inteligência dos EUA) revelam que o governo dos Estados Unidos acompanhou durante quase duas décadas a tensa relação entre a ditadura militar brasileira e a cúpula da Igreja Católica no país.

Os documentos a que GloboNews teve acesso, classificados como confidencial ou secretos, foram liberados nos últimos anos.

Em vários desses textos, a Igreja Católica é apontada como a mais influente organização não-governamental do Brasil e como a principal adversária do regime militar. Segundo um desses relatos de 1981, o governo estava apreensivo sobre o potencial para influenciar a política eleitoral e radicalizar os pobres.

Telegramas do início dos anos 70 já alertavam para o confronto entre as duas instituições e ressaltavam a deterioração das relações.

Os relatórios também destacam a atuação especial de alguns influentes prelados como o arcebispo Dom Helder Câmara e os cardeais Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloisio Lorscheider, que denunciavam torturas e violações aos direitos humanos do regime militar.

Num relatório secreto de 1971, se destacava a preocupação com as denúncias feitas por Dom Helder ao governo brasileiro em viagem pela Europa e ressaltava que sua indicação ao prêmio Nobel da Paz foi um golpe para o governo Médici.

Essa informação é confirmada num relatório secreto do Itamaraty, do início dos anos 70, e que foi revelado pela Comissão Nacional da Verdade. O governo militar agiu por diversos anos para impedir que Dom Helder ganhasse o Prêmio Nobel.

Com a eleição do presidente Jimmy Carter, nos Estados Unidos, em 1977, a Igreja no Brasil passa a ganhar nova força no enfrentamento ao regime durante o governo Geisel.

Relatórios citam inclusive uma troca de correspondência entre o então arcebispo de São Paulo, cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e o presidente Carter.

Um outro memorando do departamento de estado mostra a carta do cardeal enviada ao presidente Carter que fazia um alerta sobre a repressão com uma lista de nomes de pessoas que haviam desaparecido.

Para o professor de relações institucionais da Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor, esses documentos evidenciam justamente a preocupação do regime militar com as repercussões internacionais das denúncias da Igreja.

“Aquilo que a Igreja faz tem nessa nova documentação muita evidência de como a política externa do regime militar inclui o acompanhamento do que esses padres, esses bispos estão fazendo quando saem do país, quando estão viajando. o medo é que as críticas feitas pela igreja comecem a machucar a imagem internacional do regime, que efetivamente acontece”, disse o professor Matias Spektor.

Igreja como inimiga
O que esses documentos mostram de mais surpreendente é que a tensão entre a ditadura militar e a Igreja não ficou restrita aos anos 70. Já na fase final do regime, no governo Figueiredo, com o processo de abertura já em andamento, segundo um relatório, a relação piora e chega ao seu ponto mais baixo desde os anos setenta.

Esse informe diz que essas relações começaram a se deteriorar, entre outros motivos, pelo envolvimento da Arquidiocese de São Paulo – a mais progressista do Brasil – em uma greve de seis semanas pelo maior sindicato de metalúrgicos.

Outro relato tem a avaliação de que a liderança do regime militar passa a tratar a Igreja como inimiga e que o governo brasileiro de então estava assustado com o comportamento dos bispos e cardeais.

"Brasília está particularmente preocupada com o envolvimento da Igreja na política partidária e se ressente de sou seu suposto papel de "árbitro moral", diz o documento.

Até mesmo a ala considerada mais moderada da Igreja, passa a reagir. Um outro memorando diz que apesar da divisão dentro da Igreja, houve unidade do episcopado no enfrentamento ao regime quando o governo militar passou a ameaçar a Igreja e cita um episódio envolvendo o então o arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal dom Eugênio Sales.

Um líder moderado que comanda a arquidiocese do Rio de Janeiro. O cardeal, que no passado se orgulhava de suas boas relações com os militares, não só cancelou o recebimento de uma medalha das forças armadas, como fez questão de acompanhar o padre no aeroporto.

Outro momento de destaque registrado nos relatórios é com a visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980. A passagem dele ao Brasil foi interpretada como um reforço na luta pelos direitos humanos.

"Suas declarações públicas foram interpretadas como apoio e incentivo a pressionar o governo em questões como a reforma agrária, a redistribuição de renda e os direitos dos trabalhadores", diz o documento.

Um gesto simbólico do papa, – um abraço em Dom Helder ao desembarcar no Recife – foi destacado até com foto no documento da CIA, que viu no gesto uma forma de avalizar ações do arcebispo que fazia a denúncia mais contundente às violações dos direitos humanos na ditadura.

“A efusiva saudação de João Paulo II ao arcebispo Helder Camara de Recife e Olinda – o mais bem conhecido progressista do Brasil – e a calorosa recepção do cardeal Arns foram notados pelo clero mais conservador”, diz o documento.

Um memorando que relata a conversa do então presidente João Batista Figueiredo com Henry Kissinger, já na condição de ex-secretário de estado dos Estados Unidos, destaca que o presidente fez uma referência especial à Igreja Católica, que em sua opinião, “é muito forte e tem muita influência porque os padres têm contato direto e próximo com pessoas de baixo nível de escolaridade, particularmente no interior do país”.

Para o secretário geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner, esses documentos servem como reflexão para que essa história não se repita.

“O que nós conseguimos com a Constituição de 1988. Isso para o futuro é vital. As novas gerações não conhecem a história. Hoje se fala inclusive na volta dos militares. Não é o que os militares estão querendo. Os militares têm se manifestado de maneira muito digna, muito precisa em relação à Constituição. Mas esse desejo de achar que é uma força que pode reconquistar a tranquilidade de um país. Só a democracia pode”, afirma Dom Leonardo Steiner.

Fonte: G1

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