sábado, dezembro 22, 2012

Professor aponta falhas no acordo ortográfico


O maior problema do acordo ortográfico são as regras do hífen, na opinião do professor de língua portuguesa, Ernani Pimentel. Especialista em gramática e autor de livros, o professor já ensinou o idioma para mais de 500 mil alunos. “O grande problema [é que] não se quis pensar na regra. A rigor, o latim nunca teve hífen. Há quem defenda até a inexistência do hífen. A Alemanha acabou com ele. É possível simplificar as regras”, assegura.

Dentre o que considera “incoerências” do acordo, o professor destaca palavras como mandachuva, que não escreve sem hífen e guarda-chuva, que manteve o sinal. “Como você pode dizer que cor de café, cor de abacate se escrevem sem hífen e cor-de-rosa se escreve com hífen? Faz sentido isso, regras com exceções? Não faz mais sentido”.

Outro exemplo é o uso das letras “j” e “x”. “Você estudou que se usa “j” nas palavras derivadas do tupi e do árabe, mas como você vai saber que elas vieram do tupi e do árabe? Você vai escrever com “x” as palavras derivadas do árabe e do africano, mas como saber se a palavra é derivada do árabe ou do africano? Você não tem condição de saber”.

No caso das consoantes que não se pronunciam, Pimentel lembra que o aluno aprende que as consoantes não pronunciadas não devem ser escritas, por isso óptimo passou a ser escrito ótimo quando o “p” deixou de ser pronunciado. “Então, [se] o aluno aprende que as consoantes não pronunciadas não devem ser escritas porque que o “h” inicial não foi jogado fora? Ele é uma consoante não pronunciada. Então existem regras que se contradizem”.

Ao citar a palavra super-homem, que é com hífen e com “h”, Pimentel lembra que esse hífen está dizendo que o “h” é importante, tem que ser mantido. Por outro lado, a palavra desumano é sem hífen e sem “h”, o que significa que o “h” não é importante e pode ser jogado fora. “Qual o critério? O “h” é importante ou não? O italiano já jogou o “h” inicial fora e é uma língua latina. Porque a gente não aproveita isso"?

No que diz respeito ao acento diferencial, o professor defende que o da forma verbal para (terceira pessoa do singular do verbo parar no presente do indicativo) deve ser restituído, “ porque a pronúncia dele é muito diferente no verbo e na preposição”. Pimental explica que há uma intensidade na pronúncia [do verbo] e essa intensidade tem que ser reproduzida no acento porque muda o significado.

No caso do trema, Pimentel é radical: “É absurdo é ter tirado o trema, porque o acordo é ortográfico, só pode mexer na escrita e o trema não é ortográfico, é ortofônico [é um sinal que significa que a letra sobre a qual há tema se pronuncia]. Ele [o acordo] mudou a pronúncia”.

Para o professor o trema não poderia ser suprimido pelo acordo. “Por exemplo: farmácia era com ph e lei, com y, mas [quando essas letras foram substituídas] não se alterou a fonética, houve mudança ortográfica. O trema não pode ser mexido por um acordo ortográfico”.

Professor critica forma como acordo foi construído

O professor Ernani Pimentel criticou também a forma como o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi discutido, já que segundo ele apenas dois gramáticos formularam as regras, que passam a ser obrigatórias no país a partir de 2013: Antonio Houaiss, da Academia Brasileira de Letras (ABL), e Malaca Casteleiro, da Academia da Ciência de Lisboa.

“Só duas pessoas discutiram o acordo, não foram duas academias”, diz Pimental, ironizando que 39 dos 40 membros de cada uma das academias “não têm o que falar”. Ele pergunta se a Academia Brasileira de Letras tem só um membro que entende de língua portuguesa, referindo-se a Evanildo Bechara. "A Academia da Ciência de Lisboa só tem um membro, o Malaca Casteleiro? Esses dois indivíduos se trancaram para fazer o acordo", critica.

Depois de identificar as "incoerências nas regras do acordo", o professor criou o movimento Acordar Melhor para mobilizar a sociedade em torno de um acordo mais simplificado e atualizado para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

“Na realidade, precisamos simplificar esse acordo. Primeiro, ele está fora de época, foi pensado em 1975 e assinado em 1990. Foi pensado dentro de uma visão de educação, de pedagogia totalmente diferente da que temos hoje. Naquela época, se ensinava com base na memorização, chamada popularmente de 'decoreba'. Hoje o aluno precisa raciocinar”, pondera Pimentel.

O professor destaca vários exemplos de incoerências nas regras, como o ensino do hífen. “São regras inúteis, que as pessoas decoram mas não têm utilidade própria. Isso valia lá para trás, para hoje é impossível”, assegura.

O movimento Acordar Melhor tem a adesão de 20 mil professores, estudantes de letras e representantes da sociedade e defende o adiamento da obrigatoriedade da vigência do acordo para 2016. “Ou se faz isso [enfrentar os problemas do acordo] ou a gente vai voltar para o século passado. A educação do século 20 vai ser a educação do século 21”, disse.

Para o professor Pimentel, entre as motivações de unificação do idioma está a colocação da língua portuguesa como referência em grandes eventos internacionais, como já acontece com o inglês, o francês, o italiano e o alemão. “Não tem por que Portugal ter uma grafia e o Brasil ter outra. Ficaria caro fazer duas traduções em uma língua só. Então é importante padronizar a grafia”.

Apesar das duras críticas, o professor também destaca o que considera “avanços” no acordo. “Na parte de acentuação teve muita coisa boa, temos que aproveitar. Foi acertada a eliminação do acento no oo e no ee. Não há necessidade do acento circunflexo em voo, leem porque se tirar esse acento não tem jeito de ler diferente. Essa retirada é absolutamente lógica. Nas regras de acentuação houve avanços”.

De acordo com o professor, os nove acordos ortográficos feitos desde o século passado, foram todos improvisados. "Mas naquela época era muito fácil impor as coisas. Hoje tem a internet e é por causa dela que um movimento, como o Acordar Melhor, pode ser ouvido”. Ernani Pimentel tem alunos em mais de 5100 municípios e em sua carreira já deu aula para mais de 500 mil estudantes.

Fonte: Agência Brasil/Cidade News Itaú

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