quinta-feira, junho 04, 2020

Calejada pela tragédia de 2015, Mariana agora enfrenta avanço da pandemia: casos de coronavírus triplicam em uma semana

"Saudade sempre vai existir. O que conforta é saber que Deus não desampara a gente, né?". A fala de voz mansa e pausada é de Vanessa Gonçalves dos Santos, de 24 anos. Ela perdeu a avó há pouco mais de dez dias, por Covid-19.

Em 2015, o rompimento da Barragem de Fundão destruiu os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana. — Foto: Leonardo Miranda/TV Globo
Em 2015, o rompimento da Barragem de Fundão destruiu os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana. — Foto: Leonardo Miranda/TV Globo

Vanessa e a família são de Mariana, na Região Central do estado, cidade que já viveu uma tragédia em 2015, quando a barragem da Samarco se rompeu e deixou 19 mortos.

Neste ano, os moradores de Mariana passaram a se preocupar com outra tragédia, a da pandemia do coronavírus, que avança em um ritmo acelerado no município. De acordo com o boletim da Secretaria Municipal de Saúde divulgado nesta terça-feira (2), foram registrados 306 casos da doença em Mariana. Na última terça-feira (26), a cidade registrava 104 casos. Ou seja, em apenas uma semana o número de casos triplicou.

Além disso, o número de mortes – duas a mais só nesses sete dias – também preocupa. Outras 7 famílias, além da de Vanessa, vivem o luto em função da Covid-19 na cidade. Trata-se da sétima cidade com mais óbitos decorrentes da doença em Minas Gerais, segundo o balanço do governo estadual.

Das pessoas contaminadas em Mariana, 60% são homens e 40%, mulheres. Dos casos confirmados, 36% estão na faixa etária de 30 a 40 anos. Já em relação às mortes, 71,4% tinham mais de 60 anos.

Notícia feliz e outra triste
No dia 8 de maio, o avô de Vanessa, Vicente André dos Santos, de 81 anos, passou mal e foi levado para o hospital da cidade.

Seu Vicente foi diagnosticado com coronavírus e permaneceu internado até o dia 28 do mesmo mês. Na saída da unidade, ele foi recebido por palmas pelos funcionários e com uma placa que diz: “Eu venci a Covid-19”.

A alegria da família durou pouco. A esposa dele, dona Cleuza Ferreira, de 74 anos, também adoeceu. Após dois dias de internação, ela morreu, e o exame comprovou que foi por coronavírus.

“Lembro tanto da minha vó sentada na varanda, tomando sol pela manhã. Ela adorava fazer isso. Foi um susto muito grande para nós, mas levamos na fé. Deus sabe o que faz”.
Vanessa e os pais também fizeram o teste. Só o da dona Vânia, mãe dela, deu positivo. Ela está assintomática, mas todos permanecem em isolamento social.

Comércio aberto e testagem rápida
O isolamento social, no entanto, não é a realidade em toda a cidade de Mariana. Desde o dia 27 de maio, o comércio voltou a funcionar de forma gradual no município. Só no primeiro dia de flexibilização, 120 empresas já voltaram a abrir as portas – segundo o prefeito Duarte Júnior (PPS), porque apresentaram um plano de reabertura, no qual se comprometiam em cumprir as recomendações do Ministério da Saúde.

Para barrar o avanço da doença, a prefeitura afirmou que já existe uma ação de testagem rápida de profissionais de saúde e de segurança, testagem para casos suspeitos e também para quem teve contato com casos positivos. Nesta semana, os testes foram ampliados, com recursos próprios da administração municipal, para trabalhadores de cerca de 120 micro e pequenas empresas da cidade.

De acordo com o prefeito Duarte Júnior, a testagem é uma maneira encontrada para mapear os casos da Covid-19 em Mariana e, assim, isolar os eventuais pacientes contaminados."Vamos continuar testando, vamos continuar apoiando para que o comércio volte de forma responsável aqui", afirmou.

"Tivemos uma queda de receita de quase 30%, tivemos que nos ajustar e passar a viver uma nova realidade posterior a maior tragédia ambiental do país. Nós enfrentamos, há poucos meses, chuvas no município que trouxeram enormes prejuízos para todo o município. Agora, estamos finalizando um mandato com essa pandemia mundial, que, mais uma vez, nos traz situações extremamente delicadas, não só para na cidade de Mariana mas para todo mundo. Espero que a próxima gestão de Mariana tenha dias melhores do que o nosso", disse o prefeito.
Fundação Renova x coronavírus
Funcionários terceirizados que prestam serviço para a Fundação Renova, responsável pela restituição dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, também apresentaram resultado positivo para a Covid-19, segundo o Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde de Mariana.

O comitê alegou que recebeu "denúncias de casos confirmados para Covid-19 nas empresas que prestam serviço à fundação e a mesma não comunicou os fatos". Por isso, decidiu pela paralisação das obras da Renova no fim de maio.

A retomada das obras está sendo discutida com os órgãos competentes, segundo a Renova.

Rompimento da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana — Foto: Luis Eduardo Franco/TV Globo
Rompimento da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana — Foto: Luis Eduardo Franco/TV Globo

A Fundação Renova também disse que está realizando a testagem de todos os colaboradores que trabalham nas obras no município e os resultados estão sendo informados às autoridades de saúde municipais.

Disse ainda que o efetivo mobilizado nas obras de Mariana, em sua maioria, é de profissionais locais. Sobre o número de funcionários contaminados, a fundação não quis se manifestar.

"Como medida de segurança, o Plano de Retomada apresentado pela Fundação prevê a quarentena preventiva e testagem daqueles trabalhadores que precisaram ser deslocados de outras localidades, indo além do que estabelece a legislação".
Porém, para o Movimento dos Atingidos por Barragens, alguns trabalhadores estão com medo de ir para o trabalho e levar o vírus para as famílias. Outros estão com medo de perder o emprego.

"Nesse momento é muito importante refletir sobre quais os objetivos da Fundação Renova em retomar as atividades de reparação. Essa 'boa vontade' é estranha aos atingidos, principalmente quando esses querem negociar qual ação deve ser feita e de qual maneira. A Fundação nunca foi honesta em suas atividades e obras de reparação, nunca teve pressa em pagar indenização a um atingido e, muito menos, teve pressa em construir casas ou reassentamentos coletivos", afirmou o MAB.
A Fundação Renova afirmou que a participação das famílias no processo de reassentamento é "ativa, desde a escolha dos terrenos até o desenho individual de cada moradia".

Segundo a Renova, as obras em Paracatu de Baixo estão na fase de terraplenagem das vias de acesso e das áreas dos lotes e de execução das redes de água e esgoto. "Os projetos conceituais das casas estão em desenvolvimento, de forma remota, pelos arquitetos da Fundação com a participação das famílias. Há mais de 70 famílias com projetos em andamento ou concluídos".

"Para o reassentamento familiar, a Fundação Renova adquiriu 41 imóveis para famílias que optaram por essa modalidade de atendimento", disse a fundação, que também afirmou que até que as vilas e as propriedades sejam reconstruídas, "todos têm o direito à moradia garantido pela Fundação Renova, que atualmente aluga casas para cerca de 300 famílias na região de Mariana e Barra Longa".


Sobre indenizações, a Renova diz que, "até março de 2020, foram R$ 132 milhões em indenizações para 508 famílias de Mariana, e cerca de R$ 53 milhões em Auxílios Financeiros Emergenciais (AFE), alcançando um total de R$ 185 milhões no município".

Cidade marcada por tragédia

Cruzes homenageiam mortes em Bento Rodrigues. — Foto: Leonardo Miranda/TV Globo
Cruzes homenageiam mortes em Bento Rodrigues. — Foto: Leonardo Miranda/TV Globo

A histórica cidade de Mariana, na Região Central do estado, foi tragicamente marcada pelo rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco, das empresas Vale e a anglo-australiana BHP.

Em 5 de novembro de 2015, a lama de rejeitos da Barragem de Fundão destruiu os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, no município, e o distrito de Gesteira, em Barra Longa. Seguiu pelo Rio Doce, fazendo estragos em mais de 40 cidades de MG e do Espírito Santo, até chegar ao oceano.


Para o Ministério Público de Minas Gerais, mais de 700 mil pessoas atingidas de Minas até o Espírito Santo. A tragédia resultou em 19 mortes e em um aborto.

Fonte: G1

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