terça-feira, março 13, 2018

Hospitais de referência receberam por procedimento até 6 vezes mais que valor da tabela SUS, diz TCU

Sala de cirurgia do hospital Albert Einstein (Foto: Divulgação)

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que o Ministério da Saúde pagou por procedimentos médicos feitos em hospitais de referência, reconhecidos e certificados como centros de excelência pelo ministério, até seis vezes mais do que o previsto na tabela do SUS, que fixa a remuneração para hospitais da rede pública em todo o país.

A informação está no relatório de uma auditoria feita pelo tribunal no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (o Proadi-SUS), que visa integrar hospitais de referência ao Sistema Único de Saúde.

O plenário do TCU recomendou na semana passada que o Ministério da Saúde faça ajustes no Proadi-SUS. O ministério admitiu os pagamentos acima da tabela, e disse que a regra está mudando. (Leia mais abaixo)

Diferença de 594%
O programa prevê que hospitais como o Albert Einstein e o Oswaldo Cruz, ambos em São Paulo, executem projetos que visem "a transferência, o desenvolvimento e a incorporação de novos conhecimentos, tecnologias e práticas de gestão e de prestação de serviços de saúde".

Em troca da parceria, os hospitais recebem renúncias fiscais que, desde o início do programa, em 2009, chegam a R$ 3,8 bilhões.

Projetos assistenciais estão entre os executados pelos hospitais de referência por meio do Proadi-SUS. Foi aqui que os auditores encontraram que o valor pago por procedimentos era mais alto do que o previsto na tabela SUS.

Em um dos projetos, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz recebeu R$ 717,07 por colonoscopia realizada. Para outros hospitais do SUS, o ministério paga R$ 112,66 por esse procedimento - uma diferença de 536%.

As cirurgias bariátricas do mesmo projeto custaram R$ 30.214,62, valor 392% acima do praticado na tabela SUS (R$ 6.145,00).

Já em um projeto do Hospital Albert Einstein, o ministério repassou R$ 69,44 pela realização de cada espirometria - exame que mede a função pulmonar - valor 594% maior que os R$ 10 previstos na tabela SUS.

Só nos dois projetos, os auditores afirmam que foram pagos cerca de R$ 13 milhões a mais do que teriam custado os mesmos procedimentos em um hospital do SUS.

O que dizem os hospitais?
Em nota, o Hospital Albert Einstein informou que os exames citados foram contratados em abril de 2012 pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e que valores praticados no programa são os de mercado, baseados no custo do procedimento.

"Os dispêndios realizados foram submetidos anualmente à aprovação da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo e do Ministério da Saúde, sem qualquer questionamento", disse a assessoria.

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo disse, em nota, que os exames foram realizados no hospital "devido à dificuldade de contratar prestador que o realizasse pelo valor da tabela de referência (SUS)" e que à secretaria "cabe pactuar o cronograma, a operacionalização e acompanhar a execução do projeto – e não definir valores."

Em nota conjunta, os hospitais participantes do programa enfatizaram que o relatório do TCU não "possui caráter condenatório, buscando apenas o aperfeiçoamento dos mecanismos do programa".

Sobre os preços dos procedimentos, os hospitais enfatizam que diversos fatores são levados em conta, como possíveis inadequações e características dos procedimentos.

"Os valores praticados pelos hospitais que participam do Proadi-SUS podem ser diferentes daqueles exercidos pelo Sistema Único de Saúde, mas têm como base o custo efetivo de cada instituição", diz o texto.

O que diz o Ministério da Saude?
"A lei determina que se tenha uma produção sobre o custo que deve compor o plano de trabalho. O gestor local tem autonomia para aprovar estes custos, a responsabilidade é do gestor local e deveria levar em conta os valores praticados no SUS", disse a diretora do Departamento de Economia e Saúde do ministério, Ana Wanzler.

Segundo ela, as regras para os projetos assistenciais já foram alteradas, e os valores também passarão a ser analisados pela Secretaria de Atenção em Saúde do ministério.

"Esta secretaria é quem acompanha a prestação de serviços hospitalares e ambulatoriais, e agora vai ter a anuência deles dizendo se estes custos podem ser praticados", disse a diretora. Segundo ela, os valores terão de ser "condizentes" com os presentes na tabela do SUS.

Custos indiretos e intermediários
Outros pontos citados pelos auditores incluem a falta de avaliação dos resultados do programa e de realizações de pesquisas de preços para os orçamentos. Os gastos também. De acordo com os fiscais, houve "casos em que os custos indiretos ultrapassam valores razoáveis no custo total do projeto".

Custos indiretos são despesas gerais dos hospitais, não necessariamente relacionadas aos projetos do programa. Em um exemplo citado no relatório, 40% dos recursos destinados ao projeto foram gastos com despesas que não estavam diretamente relacionadas a ele. Assinaturas de revistas e motoboys estão entre os gastos citados.

O Tribunal de Contas da União também fez críticas ao fato de que muitos dos projetos aprovados pelo Ministério da Saúde no programa não estavam necessariamente relacionados ao objetivo principal do Proadi-SUS. Como não dependiam da excelência dos hospitais, os parceiros teriam atuado apenas como intermediários.

"Ocorreu a ausência de correlação entre o objeto de alguns Projetos de Apoio e a expertise do Hospital de Excelência que conduz/conduziu o Projeto, o que levou à eleição de projetos com a intenção única de não serem realizadas licitações e de agilizar o processo de contratação com liberdade de escolha de fornecedores", avalia o relatório do TCU.

Para os auditores, isto causou "aumento de custos por ausência de concorrência, direcionamento de fornecedores e desvirtuação do propósito de se aproveitar a expertise dos Hospitais de Excelência para o desenvolvimento institucional do SUS."

Relator do caso no TCU, o ministro Augusto Nardes concordou com as conclusões dos auditores, com recomendações para que o Ministério da Saúde faça ajustes na gestão do programa e corrija os problemas encontrados.

Nardes acrescentou críticas próprias à abrangência do projeto, citando o fato de que os seis hospitais que receberam os recursos ficam em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Ele determinou que o Ministério da Saúde reavalie o programa "de forma a que efetivamente também beneficie as demais regiões em que não estão situados os hospitais de referência mencionados."

A diretora do Departamento de Economia e Saúde do ministério, Ana Wanzler, disse que o ministério já havia identificado alguns dos problemas, como na avaliação de resultados de alguns dos projetos, e que uma portaria elaborada ao longo do ano passado e publicada em dezembro – após a conclusão da auditoria – já fez várias alterações em tópicos citados pelos auditores.

Segundo ela, um manual técnico do programa, com conclusão prevista para abril, trará também novas normas sobre, por exemplo, os custos indiretos.

Fonte: G1

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