quarta-feira, julho 19, 2017

Nu artístico interrompido no DF foi falha de organizadores, diz PM

Artista paranaense Maikon Kempinski faz performance A Polícia Militar do Distrito Federal afirmou, por meio de nota, que o artista paranaense Maikon Kempinski foi interrompido durante performance de nu artístico no Museu Nacional da República no último sábado (15) porque a produção "não adotou os cuidados necessários para que a classificação indicativa de 16 anos fosse respeitada".
O Sesc, responsável pelo evento, afirma que tinha a autorização do museu e que tomou todas as providências para informar a indicação da obra (veja nota completa abaixo). O artista conversou com o G1 e afirmou que não viu crianças no local durante a performance.
Segundo a nota da PM, os militares foram acionados por pessoas que estavam na praça do museu – onde a ação ocorria ao ar livre – que "não tinham conhecimento de que se tratava de uma performance artística".
Ainda de acordo com a polícia, os produtores não apresentaram autorização da Secretaria de Segurança Pública ou da Administração Regional, "valendo-se apenas de uma permissão da direção do Museu da República".
"A falha portanto, não foi provocada pelo artista, muito menos pelos policiais, mas sim pelos responsáveis por organizar a apresentação, uma vez que não providenciaram qualquer tipo de estrutura que pudesse evitar a presença de crianças e adolescentes no local", diz a nota.
O secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, reafirmou ao G1 por meio de nota que "houve falha na organização da apresentação do artista", mas que não cabe censura à arte e que o nu artístico representa a liberdade de expressão, sendo o corpo "um dos recursos cênicos mais importantes e radicais para a vitalidade da arte". (Veja nota completa abaixo).
Nu artístico
A obra "DNA de Dan" foi uma das 20 selecionadas em todo o Brasil para o festival "Palco Giratório", do Sesc. O circuito artístico começou as exibições em maio em diferentes estados, tendo passado por Santa Catarina, Rio de Janeiro, Mato Grosso e pelo DF.
Durante a performance, o artista aplica uma substância líquida sobre o corpo que, com o passar do tempo, começa a secar. Imóvel dentro de uma bolha inflável, ele começa a se mexer e romper as camadas da substância, como uma cobra, que troca de pele.

Artista paranaense Maikon Kempinski encena a performance
Artista paranaense Maikon Kempinski encena a performance "DNA de Dan" (Foto: VictorTakayama/Divulgação)

A criação de Kempinski também fez parte da exposição “Terra Comunal”, da artista sérvia Marina Abramovic – uma das principais referências internacionais em performances – realizada em São Paulo, em 2015.
Em Brasília, no entanto, a performance foi interrompida nos primeiros 30 minutos – a obra tem duração de 4 horas. "Houve uma censura com violência de um sujeito específico que interrompeu e que ninguém sabe o nome", disse o artista ao G1.
"Ele rasgou a bolha, me botou num camburão com duas motos de sirene ligada. Ele está muito bem protegido, mas todo mundo sabe meu nome."
Depois do ocorrido, o governador, Rodrigo Rollemberg, e o secretário de Cultura, Guilherme Reis, fizeram um pedido de desculpas público no domingo (16). "O governo de Brasília destaca a importância da cultura. Rollemberg e Reis lembram que a cultura é sempre bem-vinda à capital da república e lamentam o desconforto causado ao artista, pois o governo acredita, apoia e incentiva a livre manifestação artística."
Bolha rasgada

Produtores da obra
Produtores da obra "DNA de Dan", do performer Maikon Kempinski, medem tamanho de rasgo feito por PM em bolha de plástico (Foto: Maikon Kempinski/Arquivo pessoal)

Para fazer a apresentação, a bolha de plástico onde o artista ficava era inflada com ar. Os espectadores entravam agachados pela base da estrutura a partir da abertura de um zíper. Segundo Kempinski, quando os policiais interromperam a perfomance, rasgaram o plástico para tentar tirá-lo de lá.
"Foi como se tivessem entrado num espaço de arte do museu e destruído uma obra."
Com o estrago provocado, o artista disse ao G1 que precisará de uma nova bolha, que vai custar R$ 10 mil para ser feita em tempo hábil para as próximas apresentações. Ele ainda tem uma performance marcada em Florianópolis e outras duas em São Paulo.
Em vídeo divulgado pelo DFTV, quando uma das organizadoras diz ao policial que a performance fazia parte de um evento do Sesc, o militar responder que "pode ser da presidência, da ONU, não importa"
Segundo o artista, após a repercussão do caso, um advogado que trabalha com a ONU em Genebra, na Suíça, ofereceu auxílio jurídico. "Ironicamente, [o policial] falou da ONU. Vamos ver se não vai ser a ONU que vai falar algo pra um policial que não entende nada de direitos humanos."
"Eu estava ali como artista contratado pelo Sesc, que faz trabalhos seríssimos no país inteiro. Eventos culturais que às vezes nem o governo faz", disse Kempinski. Segundo ele, é a instituição que escolhe e solicita autorização para os locais de apresentação, sejam espaços abertos, fechados e até mesmo universidades.
"Em Belo Horizonte, me apresentei em frente ao Museu da Pampulha. Na Paraíba, fiz em uma praça, no meio da rua. Não cabe à polícia averiguar e tampouco destruir a obra daquele jeito."
'Ato obsceno'
Kempinski disse ao G1 que, quando foi levado à delegacia no sábado (15), a Polícia Civil registrou ocorrência por "ato obsceno". Ele deve responder na Justiça, mas não há previsão de data para que o julgamento ocorra. "Eu estava nu em um contexto artístico. Aquilo não poderia ter acontecido."
A Polícia Militar justificou a abordagem por meio de nota, enviada à imprensa na segunda-feira (17), afirmando que a performance tinha "revoltado algumas famílias que aproveitavam o dia ao lado de crianças para conhecer os monumentos de Brasília e que ficaram surpresas ao presenciar o ato obsceno".

Performer paranaense Maikon Kempinski durante ação artística
Performer paranaense Maikon Kempinski durante ação artística "DNA de Dan" (Foto: Tathy Yazigi/Divulgação)

Para Kempinski , o argumento de que a classificação indicativa da apresentação artística não foi respeitada é "hipócrita" e guiada por valores morais que não cabem a ele enquanto artista. "Se uma criança passa por ali, ela está acompanhada. É só a família contextualizar e não entrar na bolha se não quiser."
"A polícia não precisa concordar comigo, mas saber que meu espaço de expressão é garantido."
Vai ter mais
Como a performance não foi finalizada, o artista disse ao G1 que pretende voltar a Brasília para refazer a apresentação. "Em outro momento, em outro contexto, mas naquele mesmo lugar. Porque se foi cometido um erro, vamos reconhecer e fazer direito." Ele não deu previsão de data.
Com a palavra, o Sesc
O Sesc disse repudiar a detenção do artista. "O Sesc-DF ressalta que a instituição tinha a autorização do Museu Nacional da República, assinada pelo diretor Wagner Barja, para realização da peça e tomou o devido cuidado de informar que se tratava de um espetáculo com classificação indicativa de 16 anos, que ocorreria no período noturno, às 19h30."
"A proibição da peça em Brasília, os prejuízos materiais à obra e a detenção do artista constituem uma arbitrariedade que coloca em risco não apenas a liberdade de expressão, assegurada pela Constituição Brasileira e por documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como interfere nos direitos culturais do público do trabalho. Não vivemos mais em uma época em que um policial militar pode definir isoladamente a realização ou não de um evento cultural."
Nota da Secretaria de Cultura
"Não cabe censura à arte. O nu artístico representa a liberdade de expressão (art. 5, inciso IX da Carta Magna) e, portanto, lamento profundamente o que ocorreu com o artista paranaense Maikon K.
Sem duvida houve falha na organização da apresentação do artista e isto contribuiu fortemente para o que aconteceu. Mesmo assim, lamento também a forma como foi feita a abordagem ao artista.
Neste momento, nos preocupa aproveitar o acontecido para uma discussão sobre procedimentos e exigências para a autorização e acompanhamento de eventos na área do Conjunto Cultural da República, entre outras, e a condução de discussões internas no governo para uma sensibilização sobre a importância de manifestações artísticas no espaço público.
A praça do Conjunto Cultural da República é um centro catalisador da experiência cultural no centro da cidade. A Secretaria de Cultura reafirma o direito à cidade, apoia e incentiva intervenções artísticas no espaço público e entende que o uso do corpo é um dos recursos cênicos mais importantes e radicais para a vitalidade da arte."

Fonte: G1

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