terça-feira, outubro 03, 2023

Justiça reconhece vínculo de emprego e condena Prevent Senior a pagar R$ 1,2 milhão a médico que denunciou 'Kit Covid'

Ex-médico da Prevent Senior Walter Correa de Souza Neto — Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A Justiça de São Paulo condenou a empresa de planos de saúde Prevent Senior a pagar mais de R$ 1 milhão a um dos médicos que denunciou a ordem para prescrever aos pacientes o 'Kit Covid', com medicamentos sem eficácia comprovada e investigado na CPI da Pandemia, e 2021.


Vista da fachada de hospital da Prevent Senior em São Paulo. — Foto: RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO


Walter Correa de Souza Neto foi um dos 12 médicos denunciarem a Prevent junto aos senadores da Comissão (leia mais abaixo). O profissional prestou depoimento em outubro de 2021 e, na ocasião, afirmou que a operadora de saúde coagia os médicos a receitar os medicamentos ineficazes, ferindo o princípio da autonomia médica.



O profissional processou a empresa por ser contratado como PJ (Pessoa Jurídica), mas ter vínculo e cobranças similares aos de empregados com carteira de trabalho assinada (os CLT). A juíza Patrícia Almeida Ramos, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, deu razão a Walter em decisão do dia 28 de setembro e reconheceu vínculo de emprego entre agosto e 2013 a fevereiro de 2021.


Na decisão , a Justiça do Trabalho reconhece que havia subordinação entre o médico e a operadora de saúde e que ele estava submetido a “uma estrutura hierárquica de poder”. A magistrada condenou a Prevent Senior a pagar R$ 1,2 milhão ao médico, enquanto a defesa de Walter cobrava quase R$ 1,6 milhão como valor da causa.


"Foram reconhecidos tanto o trabalho do reclamante [Walter] em quase todas as unidades da reclamada [Prevent Senior] [...] se depreende a prestação de serviços em quase todos os dias da semana (pessoalidade e habitualidade)", alega a juíza.


Segundo a magistrada, Walter tinha crachá que comprovava seu vínculo com a empresa e recebia bônus de produtividade, o que seria "claro incentivo à realização de maior número de atendimentos" e que isso "demonstra a implementação de metas (subordinação clássica)".


Ainda afirmou que a Prevent Senior agiu de má fé ao "declarar expressamente que não havia coordenador ou diretor nas unidades, a preposta deliberadamente alterou a verdade dos fatos, por se contrapor a documentos juntados pela própria empresa".


Em nota ao g1, a Prevent Senior afirmou que "não comenta decisões judiciais em andamento. Contudo, é importante ressaltar que toda decisão judicial está sujeita a recurso. A Prevent Senior seguirá agindo de acordo com os princípios legais estabelecidos".


'Liberdade do exercício de atividade profissional' restringida

A Prevent Senior é investigada em inquéritos civis do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Ministério Público de São Paulo na área de saúde pública. O Ministério Público Criminal também tem um inquérito em andamento para apurar eventuais crimes cometidos pela operadora e seus dirigentes.


Decisão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), em janeiro de 2022, autuou a Prevent Senior por restringir a liberdade de exercício da atividade profissional dos médicos durante o combate à pandemia. A empresa foi multada em R$ 105 mil por restringir a atuação dos profissionais.


No texto, a ANS cita o caso em que foi imposto aos médicos a prescrição de kit covit aos pacientes. Walter Correa de Souza Neto é um dos profissionais citados como tendo a "liberdade do exercício de atividade profissional" restringida.


Os médicos que prestaram depoimento na CPI acusavam a Prevent de coagi-los a usar os remédios ineficazes contra a Covid, atacando a autonomia médica.


Investigação na CPI da Covid

A CPI da Pandemia, em 2021, investigou a Prevent Senior após denúncias de ter oferecido Kit Covid com medicamentos sem eficácia comprovada para tratar pacientes idosos contra a pandemia do novo coronavírus.



À época, um grupo de ex-médicos da empresa denunciou que a operadora de saúde e o governo federal fizeram um acordo, no início da pandemia do coronavirus, para testar e disseminar as medicações do "Kit Covid", como cloroquina, ivermectina e azitromicina.


Walter e outros dois médicos (George Joppert e Andressa Joppert) mostraram o rosto em entrevista ao Fantástico e narraram a pressão feita pela Prevent Senior para darem alta precoce de pacientes, a fim de diminuir custos e liberar leitos de UTI nos hospitais da empresa. Ao todo, 12 médicos denunciaram a operadora de saúde.


Na entrevista, reafirmam a pressão para prescrição de ‘Kit Covid’ nos hospitais da empresa e confirmam a meta para que os médicos atendessem 60 pacientes por cada plantão de 12 horas nos hospitais.


“A intenção de denunciar também é expor a fraude. Expor a fraude do tratamento precoce, a fraude de suposto sucesso de gestão”, disse Walter Correa ao Fantástico, em novembro de 2021.


Testes em 'cobaias humanas'

O documento enviado à CPI citou uma série de irregularidades que, segundo os médicos, foram praticadas pela empresa, e reveladas pela GloboNews e o g1 em abril de 2021. Na oportunidade, a Prevent Senior afirmou que sempre atuou "dentro dos parâmetros éticos".



O primeiro desdobramento do acordo entre a Prevent e governo federal, segundo a denúncia, foi a pesquisa feita com mais de 600 pacientes para testar a eficácia da hidroxicloroquina contra a Covid-19, realizada entre março e abril do ano passado.


O resultado teria sido manipulado para que os resultados fossem favoráveis ao uso da cloroquina contra a doença.


A denúncia afirmava, ainda, que a Prevent realizou uma série de tratamentos experimentais em seus pacientes, muitas vezes sem que houvesse consentimento deles. O texto diz que pacientes foram usados como "cobaias humanas" para testar medicações contra a Covid.


Segundo os profissionais, não havia autonomia dos médicos para decidir ou não pela prescrição desses remédios durante a pandemia.


“Eles estavam de olho em quem prescrevia ou não. Foi uma coisa que eles tinham um controle, então não havia essa autonomia”, afirmou Walter Correa.

“Entregava a receita, entregava o kit que já ficava no consultório. Era tudo controlado. Ficava um balde com um monte de saquinho com os kits, era meio constrangedor às vezes, entregava para os pacientes a receita com kit e orientava 'olha, a gente tem que prescrever mas melhor usa só as vitaminas, não usa medicação'. E era assim que funcionava”, completou.


Fonte: g1

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