As mudanças de diagnóstico em prontuários de pacientes infectados com o coronavírus feitas pela Prevent Senior contrariam a ética médica e podem configurar crime de falsidade ideológica.
Os médicos usam códigos para registrar o diagnóstico de seus pacientes. É o que chamam de CID, Classificação Internacional de Doenças.
Médicos que trabalhavam na Prevent Senior acusam a empresa de determinar que o código da Covid, o B34.2, fosse retirado dos prontuários de pacientes com a doença. "O código deve ser modificado para qualquer outro exceto o B34.2", diz a mensagem que eles afirmam ter recebido.
Na quarta-feira (22), em depoimento à CPI da Covid, o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, confirmou que retirava o registro de Covid da ficha de pacientes depois de um período. Segundo Batista Júnior, era para indicar que os pacientes não precisavam mais do isolamento. A Associação Médica Brasileira considera que isso não pode ser feito.
“A pessoa por conta da Covid pode fazer uma pneumonia, aliás, é a complicação mais comum. Essa pneumonia pode se agravar e fazer uma septicemia. A causa final é a septicemia, mas a causa básica que tem que constar no atestado de óbito e que deu início a tudo é a Covid. Eu não posso alterar esse diagnóstico, e os hospitais não fazem dessa forma, alterar o diagnóstico depois que passou o período de transmissão da doença”, explicou César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira.
A Prevent Senior diz que as mudanças de código se deram em um sistema informatizado de gestão interna de leitos e que o procedimento não interferiu na notificação dos casos e mortes por Covid às autoridades de saúde. Mas, em pelo menos dois casos, a Covid sumiu das certidões de óbito, que são documentos públicos.
No prontuário médico de Regina Modesti Hang, mãe do empresário Luciano Hang, está escrito: pneumonia por Covid-19. Um exame confirmou a doença. Na certidão de óbito, aparecem várias causas da morte, mas a doença não é citada.
A mesma coisa aconteceu com o toxicologista Anthony Wong, que também morreu em um hospital da Prevent Senior. A Covid aparece num documento do hospital, mas não na certidão de óbito.
O Ministério da Saúde estabelece que, em casos confirmados de Covid, a declaração de óbito assinada pelos médicos, que serve de base para os cartórios emitirem a certidão, deve indicar a doença na última linha. E o Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina deixa claro que é vedado ao médico expedir documento que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade.
O médico Gerson Zafalon Martins, que durante 15 anos atuou no Conselho Federal de Medicina, destaca que um médico não pode alterar a CID nem omitir uma doença no atestado de óbito.
“Não é permitido, em hipótese alguma. Os dados de óbito são utilizados para conhecer a situação de saúde da população, porque pelas doenças ali anotadas, que aconteceram, permite que o Ministério da Saúde tome as devidas providências, em campanhas, em políticas de prevenção e tratamento de doenças”, explica Zafalon.
Fazer alterações no prontuário médico de um paciente ou na declaração de óbito pode prejudicar todo o país, que fica sem informações confiáveis para combater doenças e proteger a saúde da população. Além de ferir a ética médica, mudanças desse tipo podem ter implicações criminais.
“Em tese, a figura mais adequada aqui é o artigo 299 do Código Penal, falsidade ideológica. Se além disso não houve a notificação do infectado por Covid, então nós teríamos uma outra figura no Código Penal, do artigo 269, que é justamente a falha em notificar a autoridade pública de doença de notificação compulsória, como é o caso da Covid-19”, diz Davi Tangerino, professor da Uerj e da FGV-SP.
Fonte: Jornal Nacional
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