Falta de peças, serviços demorados, débitos de multas, pendências quanto a seguros, licenciamentos e impostos não pagos. É o universo ao qual estão sujeitas atualmente mais de 300 viaturas alugadas para as polícias Militar e Civil nas ruas da capital e interior do Rio Grande do Norte. A situação foi exposta pelo diretor da Locação de Veículos e Serviços Ltda (Locavel), Nildo da Silva Machado Pedroza, diretor da empresa que é responsável pelo aluguel e manutenção das centenas de veículos em questão. As informações foram colhidas no depoimento concedido ao promotor de Justiça, Wendell Beetoven, que investiga a utilização dos carros privados para o policiamento estadual.
A investigação foi iniciada após as notícias de que dezenas de viaturas pertencentes à Locavel estavam fora de circulação. O promotor conta que o diretor da empresa revelou uma dívida bem maior do que o valor divulgado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed). Os débitos, referentes aos pagamentos acertados no convênio para janeiro, fevereiro, e março, totalizariam R$ 1,7 milhão. No entanto, Nildo Pedroza disse em depoimento que a conta fecha em mais de R$ 4 milhões.
Entre outras pendências, estão um montante de R$ 400 mil só de multas, e mais R$ 1 milhão em peças, compradas pela Locavel, mas que segundo o diretor da empresa, devem ser pagas pelo Governo do Estado por não estarem previstos no contrato assinado. "O conserto deve ser ressarcido como acontece quando um cidadão loca um carro", afirma o promotor. Há uma divergência ainda no número de viaturas locadas. De acordo com a Sesed são 310 carros, porém Nildo Pedroza deu outro número: 360, mais 10% que devem ser mantidos como frota reserva.
Na soma, seriam 400 veículos. A diferença entre os dados foi justificada pelo diretor da empresa por um aditivo de 20% de aumento na frota firmado na renovação do contrato. Wendell Beetoven conta que ele não especificou a data em que isso aconteceu. No caso das multas, Nildo Pedroza teria dito que constam infrações até de policiais dirigindo sem habilitação. O promotor recebeu um ofício do Comando Geral da Polícia Militar confrontando a informação. "O ofício diz que todos os policiais possuem habilitação. No último concurso da Polícia Civil também era obrigatório ter o documento", disse Beetoven, explicando que a situação precisa ser checada.
Atraso no licenciamento
Nildo Pedroza admitiu ainda que a maioria das viaturas está realmente com a documentação atrasada, tanto no licenciamento, quanto nos pagamentos do IPVA e Seguro DPVAT. O quadro já havia sido constatado pelo próprio promotor, que checou os números das placas no Infoseg - Rede nacional de Informações de Segurança - e junto ao sistema do Departamento Nacional de Trânsito (Detran/RN), confirmando o atraso nas documentações de algumas viaturas. A justificativa é a dificuldade financeira da Locavel.
Além do diretor da Locavel, o gerente local da empresa, Wagner Douglas, também foi ouvido pelo promotor. Wendell Betoveen aguarda agora uma cópia do contrato firmado por Governo do Estado e Locavel, além de informações do Detran/RN sobre os carros locados. O comandante geral da Polícia Militar, coronel Francisco Araújo, e o delegado geral da Polícia Civil, Fábio Rogério, também serão recebidos pelo promotor para uma avaliação sobre a situação do uso de carros privados na segurança pública do estado.
Prejuízos a segurança pública
Enquanto o Ministério Público investiga o caso e o Governo do Estado resolve a questão dos pagamentos, o entorno da oficina da Locavel no bairro de Dix-Sept Rosado, zona Oeste, continua lotado de viaturas das polícias Civil e Militar de todo o RN. A reportagem do Diário de Natal contou 54 carros parados, distribuídos na própria oficina, em um terreno anexo da Locavel, e estacionados na rua. De 10 a 12 veículos entram diariamente no conserto. Alguns com problemas simples, como o pneu "careca", e outros demandando serviços mais complexos.
O número de carros parados cresce segundo o apurado pelas matérias publicadas no Diário de Natal. No depoimento a Wendell Betoveen, o diretor da Locavel negou que esteja ocorrendo a retenção das viaturas na oficina, mas confirmou que os atrasos na entrega podem acontecer em virtude das dificuldades financeiras para comprar peças. De acordo o promotor, Pedroza disse estar atrasado com os fornecedores. No local, a reportagem fotografou os funcionários trabalhando com algumas viaturas. Dez delas estavam dentro da oficina.
Para o promotor Wendell Betoveen, não é conveniente ter as viaturas locadas. "Estamos investigando a conveniência dessa situação de ter a segurança pública fique na dependência de um contrato com uma empresa privada que possa ser cancelado", afirma o promotor, que investiga ainda o fator econômico do caso. "Talvez fosse mais econômico o Estado ter suas próprias viaturas. É preciso ter uma política de aquisição e manutenção desses veículos", ressalta.
Policiamento
Quanto ao possível impacto das viaturas paradas na Locavel, o comandante geral da PM, coronel Francisco Araújo, preferiu não comentar o assunto, e pediu que a Sesed fosse ouvida. "Minha parte é pegar as viaturas e colocar para rodar", se limitou a dizer Araújo. Na Sesed, a informação é de que o crédito já foi aberto na Secretaria Estadual de Planejamento (Seplan) para o pagamento dos atrasados de janeiro, fevereiro, e março, que totalizam R$ 1,7 milhão. Segundo secretário adjunto, Clidenor Cosme da Silva Júnior, a Seplan assumiu as dívidas, pois o Detran/RN, que arca com o convênio desde 2009, alegou não ter condições de pagar.
A reportagem não conseguiu contato com o Detran/RN, porém a Sesed informou que as parcelas de abril e maio serão pagas pelo órgão de trânsito. O contrato com a Locavel vence no dia 27 de maio, e segundo a Sesed será realizada uma nova licitação para a contratação de outra empresa responsável pela locação dos carros. Desde 2009 a locação dos carros é feita com a empresa em um contrato que é renovado anualmente.
Fonte: DN Online