sábado, setembro 23, 2023

Combate à corrupção não pode servir de 'biombo' para condutas ilegais, diz corregedor nacional em decisão contra Moro

O ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR) — Foto: José Cruz/Agência Brasil

O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou, em decisão nesta sexta-feira (22), que "o alegado combate à corrupção não pode servir de biombo para se praticar, no processo e na atividade judicante, as mesmas condutas que se busca reprimir".


O trecho é parte da argumentação usada pelo corregedor para determinar a apuração da conduta do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR) e da juíza federal Gabriela Hardt à frente dos processos da Lava Jato na 13ª Vara Federal em Curitiba. O g1 teve acesso à íntegra da decisão.


As condutas serão apuradas em reclamações disciplinares abertas a partir de informações colhidas em auditoria feita pela Corregedoria Nacional de Justiça na 13ª Vara Federal e em gabinetes dos desembargadores integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).


As chamadas correições são abertas para identificar erros e eventuais excessos cometidos por magistrados em processos judiciais, conforme o CNJ. A inspeção analisou informações do período de 2013 a 2023.


Corregedor nacional, ministro Luis Felipe Salomão — Foto: Gil Ferreira/Ag. CNJ


O corregedor cita que a correição encontrou uma "gestão caótica" no controle de valores fruto de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público Federal (MPF) e homologados pela 13ª Vara Federal de Curitiba na Lava Jato (entenda a seguir).


Procurado pelo g1, o senador afirmou que não vai se manifestar sobre o processo. Porém, nas redes sociais, compartilhou a notícia da abertura da reclamação disciplinar e comentou: "No fantástico mundo da Corregedoria do CNJ, recuperar dinheiro roubado dos bandidos e devolver à vítima (Petrobras) é crime. Só mesmo no Governo Lula."


O g1 tenta contato com a juíza Gabriela Hardt.



Falta de critério

O despacho do corregedor cita, por exemplo, decisões que autorizaram o repasse de mais de R$ 2,1 bilhões à Petrobras.


Salomão afirma, a partir das informações da auditoria, que o critério adotado pela Lava Jato na destinação de recursos recuperados pelos acordos firmados pela força-tarefa foi "absolutamente distante do critério legal".


De acordo com o ministro, a Corregedoria Nacional identificou que o dinheiro foi repassado à Petrobras - com a autorização de Moro - sem o cálculo e a informação à Justiça do efetivo prejuízo da corrupção à estatal e sem a comprovação de que a empresa reforçou mecanismos de controle e compliance.


O corregedor afirma que houve violações reiteradas dos "deveres de transparência, de prudência, de imparcialidade e de diligência do cargo".


"A partir das verificações que se procederam, evidenciou-se o fluxo de trabalho desenvolvido durante as investigações e ações penais da denominada Operação Lava Jato, principalmente pela forma com que se revestiram os atos praticados pelos juízes aqui reclamados, tornando-se imperiosa apuração específica do que fora identificado, dada a potencialidade de configuração de infrações disciplinares graves."


Intenções políticas

No despacho desta sexta, Salomão afirma que atos "censuráveis" dos magistrados sugerem "efetiva preparação ao ingresso na vida política, mediante a prática de condutas infracionais como meio de autopromoção, em confronto evidente aos deveres da magistratura e à imagem do Poder Judiciário".


O corregedor cita que, quando Moro pediu a exoneração do Judiciário, o juiz federal respondia a cerca de 20 processos administrativos no CNJ que apurariam diversas infrações funcionais que poderiam levar à demissão.


"É a vigência do Estado Democrático de Direito que faz nascer para o cidadão a confiança no Poder Judiciário. Na contramão disso, a conduta individual do magistrado com conteúdo político-partidário arruína a confiança da sociedade em relação à credibilidade, à legitimidade e à respeitabilidade da atuação da Justiça, atingindo o próprio Estado de Direito que a Constituição objetiva resguardar", diz trecho da decisão.


Investigação de desembargadores

Em outra decisão desta sexta a qual o g1 teve acesso, o corregedor determina a apuração da conduta dos desembargadores federais Loraci Flores de Lima, João Pedro Gebran Neto e Marcelo Malucelli, todos do TRF-4.


As reclamações disciplinares vão analisar como cada um dos magistrados atuou diante de um recurso apresentado pela Petrobras contra decisão da 13ª Vera Federal de Curitiba, que previa repasse de mais de R$ 43 milhões ao FUNPEN e ao Tesouro Nacional.


De acordo com o CNJ, o processo passou pela relatoria dos três desembargadores e está há mais de um ano e cinco meses sem julgamento.


Além disso, em uma terceira decisão, Salomão determinou a investigação pelo CNJ de Flores de Lima, do desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores e do juiz federal Danilo Pereira Júnior por descumprirem ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender as ações penais relacionadas à operação Lava Jato.


"Não se pode admitir, no Estado Democrático de Direito, que as decisões proferidas pelas Cortes Superiores sejam descumpridas pelos magistrados hierarquicamente subordinados a elas. A não observância dessa regra elementar leva à anarquia e à insegurança jurídica, o exato contrário do que é preconizado pela ordem jurídica", diz trecho do despacho.


Os magistrados que ainda atuam podem ser punidos pelo CNJ de advertência à aposentadoria.


Fonte: g1

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