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quarta-feira, setembro 20, 2023

Atos obscenos cometidos por calouros de medicina em jogo fazem parte de 'cartilha de obrigações' exigidas por grupo de veteranos, dizem alunos da Unisa

Fachada de Campus da Universidade de Santo Amaro em Interlagos, Zona Sul da capital paulista. — Foto: Reprodução/TV Globo

Alunos da Universidade Santo Amaro (Unisa) afirmam que os atos obscenos cometidos por estudantes de medicina durante um jogo universitário de calouros no interior de São Paulo, em abril, e que viralizaram nas redes sociais no último domingo (17), fazem parte de condutas exigidas aos novatos por um grupo de alunos do último ano do curso, responsáveis por praticar o chamado trote.


Segundo relatos ouvidos pelo g1 e pela TV Globo, existe uma espécie de "cartilha de obrigações" que há mais de dez anos é reproduzida e mantida por alguns desses veteranos.


De acordo com os estudantes, logo que entram na faculdade, todos os calouros de medicina são pressionados a participar e se submeter às determinações. Mas quem deseja fazer parte da Atlética precisa passar pelo trote.



Os estudantes que não concordam ou desistem das atividades "são hostilizados e chamado de p** no c*", relata um aluno.


"Falam que nós não vamos ter acesso a oportunidades dentro da faculdade, que não vamos conseguir arrumar emprego depois de formados, pois não vai ter ninguém para indicar, que não vamos conseguir participar dos esportes, pois todo mundo que pratica é o pessoal do trote, que não vamos conseguir construir um currículo bom no geral, que vamos ficar marcados como fracos dentro da universidade", conta outra estudante de medicina.


No relato dos alunos, além de correr pelado pela quadra, eles devem aceitar humilhações que incluem frequentar a universidade usando cueca ou calcinha por cima da roupa e apelidos vexatórios.



"Se você questiona, leva bronca. No grupo, o seu nome de batismo é o apelido. E o nome na faculdade será o que eles vão te dar. E, muitas vezes, são nomes constrangedores, ficando com ele até o fim do curso", explica uma caloura.

Ainda de acordo com os depoimentos, o trote é mantido até o final do primeiro semestre. Mas as punições acabam sendo aplicadas durante toda a graduação.


Procurada, a Unisa não quis comentar sobre tais acusações. O g1 tenta contato com representante da Atlética.


"Dura 6 meses. Quem participa do trote tem que ir em todas as festas que a Atlética, fazer tudo que eles pedem, como limpar materiais de treinos, arrumar materiais para ensaio de bateria, por exemplo, e carregar tudo isso para cima e para baixo. Fora os episódios de jogar bebida nos calouros por nada, fazer os meninos correrem pelados nas festas e serem super grossos com eles.”



O grupo de veteranos também estabelece como os calouros devem se vestir na faculdade ao longo dos primeiros seis meses.


"As mulheres devem ir de cabelo preso, camiseta larga, sem acessórios, calça sem rasgo, sem maquiagem e sapato fechado. Já os homens devem raspar a cabeça e ir com o mesmo estilo de roupa das meninas. Quando começam as aulas, começam as festas, inclusive toda semana. Os calouros devem seguir essa roupa, mas usar uma camiseta específica. As meninas com um top preto por cima da roupa, e os meninos com a cueca em cima da roupa.”


Agressão contra calouros

Um estudante disse à reportagem que um colega que não se submeteu às determinações acabou sendo agredido.


"Amassaram ele na porrada por 'falta de respeito com os veteranos'", explicou um estudante.

"Eles xingam quem não participa. Os alunos são humilhados. Conheço gente que saiu dessa jornada no meio, antes dos 6 meses. Eles são chamados com o nome que os veteranos deram por não participarem dos grupos. Tem gente que não aguenta", relata outra aluna.

Como todo veterano já foi calouro, o problema reflete a espiral de humilhações e opressões dentro do sistema acadêmico. "Eles falam que passaram por isso, então os calouros tem que passar".



Na avaliação dos estudantes, os alunos que foram expulsos acabaram penalizados por algo que ocorre dentro da universidade de forma sistêmica. "Eu acho que os meninos fizeram isso pela pressão da tradição, e acreditaram que ia dar em nada".


Entretanto, a jovem espera que os responsáveis pela manutenção de tais praticas também sejam punidos. "Eu acredito que vão investigar os mandantes. São quem mandou os meninos realizarem esse ato obsceno durante o trote.”


“Eu acho que isso não define a faculdade. Foi um grupo de pessoas, foi uma atitude centrada num grupo pequeno, a universidade é muito maior que isso. A faculdade surgiu de um sonho de homens que queriam somente formar médicos, profissionais da saúde humanizados. Sou totalmente contra o trote e ações como essa. Acredito que essa situação vai fazer com que os alunos da medicina reflitam mais.”



Canal de denúncias

Os estudantes ouvidos pela reportagem afirmam que a Unisa criou um canal de denúncias, mas o processo é feito de forma interna, sem transparência.


A faculdade mantém nos campus cartazes contra o trote e um e-mail é enviado aos alunos reforçando a mensagem todo o início de semestre.


Reincidência e omissão

Diretórios de diversos cursos da Universidade Santo Amaro (Unisa) usaram as redes socias para manifestar repúdio ao caso.


Nas notas, eles cobram ações e relatam que a Universidade já foi omissa na punição em episódios similares anteriormente.


"Repudiamos os crimes cometidos e esperamos uma punição exemplar por conta da instituição que por muitas vezes se fez omissa aos crimes praticados por esses mesmos alunos em outras ocasiões", afirmou o diretório acadêmico de direito.


Notas dos diretórios acadêmicos de Farmácia, Direito e Odontologia (respectivamente) da Unisa — Foto: Reprodução


"Exigimos que medidas sejam tomadas pela Unisa, e que não acabe apenas em cartazes espalhados pela universidade como aconteceu anteriormente, sobrando até para cursos que nunca estiveram envolvidos e os criminosos seguem intactos", escreveram os diretórios dos cursos de farmácia e odontologia.

A Unisa afirmou que expulsou alunos do curso de medicina "identificados até o momento" que foram gravados seminus simulando masturbação durante um jogo de vôlei feminino. Ao todo, sete teriam sido banidos.


Histórico

O caso ganhou repercussão no domingo (17), após a publicação de um vídeo com a cena nas redes sociais. No entanto, o episódio aconteceu em abril, durante um campeonato universitário.


Por meio de nota, a Unisa disse que tomou conhecimento das "gravíssimas ocorrências" durante a manhã desta segunda-feira (18), ao receber as publicações que estavam circulando pelas redes sociais. A instituição era procurada pelo g1 para falar sobre o assunto desde o domingo (17).


"Assim que tomou conhecimento de tais fatos, mesmo tendo esses ocorrido fora de dependências da Unisa e sem responsabilidade da mesma sobre tais competições, a Instituição aplicou sua sanção mais severa prevista em regimento", disse a universidade.


A Unisa também informou que levou o caso para as autoridades, que vai colaborar com as investigações e tomar providências cabíveis. E afirmou que caso outros alunos sejam identificados, "seja pela equipe da Unisa, ou polícia, receberão a mesma punição".


Ainda de acordo com a Instituição, até o momento, nenhum representante da Unisa foi intimado.


Calças abaixadas em jogo feminino


Vídeo divulgado nas redes sociais mostra alunos ao fundo com as calças abaixadas simulando uma masturbação — Foto: Reprodução/Redes sociais


Segundo apurado pelo g1, os alunos gravados seminus faziam parte do time de futsal da Unisa e estavam em uma arquibancada. Eles abaixaram as calças enquanto o time de vôlei feminino da instituição jogava contra o time de outra universidade, em São Carlos.


Nas imagens que circulam pelas redes sociais, os estudantes aparecem tocando nas próprias partes íntimas.


De acordo com a Polícia Civil, a Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de São Carlos está investigando a conduta dos estudantes. No entanto, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) não detalhou por quais crimes os alunos são investigados.


MEC notificou universidade

O Ministério da Educação (MEC) notificou a Unisa e deu prazo de 15 dias para a universidade informar quais providências irá adotar diante do caso.


Na terça (19), durante um evento em São Paulo, o ministro da Educação, Camilo Santana, cobrou explicações da universidade sobre a demora na apuração e punição dos envolvidos.


"Fico me perguntando por que não expulsou antes, porque o fato ocorreu em abril, porque só agora se tornou público, e acho que esses alunos primeiro precisam se retratar, pedir desculpas e precisam sofrer o que a lei determinar em relação a esse tipo de comportamento", afirmou.


Fonte: g1

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