Em reunião com diretoria e gestores na manhã desta quinta-feira (15), o diretor-presidente da Anvisa Antônio Barra Torres comentou a prisão de seu assessor-especial após condenação por estupro e admitiu que agência falhou ao não ser capaz de receber outras denúncias de casos de assédio sexuais relatados por servidoras à GloboNews.
Na segunda-feira (12), o assessor especial da presidência Paulo César Nascimento da Silva foi preso dentro do complexo da agência em Brasília. O estupro ocorreu em maio de 2021, segundo a defesa do assessor. Após a revelação da prisão, funcionárias da Anvisa relataram outros casos de abusos cometidos por Paulo César durante suas funções (leia mais abaixo).
O assessor tinha cargo comissionado e atuava nas relações governamentais, visto com frequência no Congresso Nacional. Ele foi indicado por Barra Torres em 2019 e exonerado após a prisão.
Em nota, a defesa de Paulo César do Nascimento informou que seu cliente "vinha ocupando cargo de Assessor Especial do Presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) desde o ano de 2019, e, não, como se tem informado, que os fatos que ensejaram o processo supracitado se deram em data anterior à sua nomeação na referida Agência. Por outro lado, ressalta que declarações de funcionárias da Agência que vêm sendo veiculadas pela imprensa são completamente inverídicas e, infelizmente, resultado de uma conduta irresponsável, nada tendo sido demonstrado que possa sustentar tais ilações".
Prisão e denúncias de assédio abriram reunião
A GloboNews apurou que Barra Torres abriu a reunião para diretores e gestores da agência falando sobre os casos de assédio. O diretor-presidente admitiu falhas nos órgãos de controle que poderiam ter recebido as denúncias, mas citou que o caso de seu assessor foi "personalíssimo".
Em nota, a Diretoria Colegiada da Anvisa já havia informado que relatos de colaboradoras que foram divulgados na imprensa mostraram que o órgão não foi capaz de "prevenir, identificar e coibir, eventuais casos de assédio sexual e moral, apesar da existência de estruturas organizacionais, destinadas a esse acolhimento" (leia íntegra abaixo)
A reunião desta quinta-feira já estava previamente marcada e teve a participação de 150 pessoas para uma palestra com o tema "conexão e cuidado”. O evento, chamado “Momento Líder Anvisa”, é organizado pela gerência de gestão de pessoas.
Também falaram sobre os assédios os diretores Meiruze Freitas e Alex Campos. Segundo uma das fontes que estavam no evento, “todos os servidores demonstraram perplexidade e tristeza".
Na sequência, foi debatida a portaria que definiu a instalação do Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e Sexual, que irá elaborar o Plano de Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual.
Comportamento ‘stalker’
Após a prisão do assessor, funcionárias da Anvisa relataram outros casos de abusos cometidos por ele durante suas funções.
Uma das servidoras da Anvisa que aceitou conversar com a GloboNews pediu para não ser identificada, mas afirmou que as abordagens com cunho sexual por parte do assessor especial começaram em 2019, logo após tomar posse, nomeado pelo atual diretor-presidente Antônio Barra Torres.
Segundo essa funcionária, o assessor especial de Barra Torres insistia em abordagens inadequadas com cunho sexual na sede da Anvisa em Brasília, mas também em viagens a trabalho.
O relato também dá conta que muitas vítimas das investidas não procuraram órgãos de controle da agência. “Há muito medo de formalizar, afinal ele trabalha diretamente com o diretor-presidente. As pessoas têm medo de retaliação profissional e o Paulo César costumava andar armado nas dependências da Anvisa, o que faz as pessoas terem ainda mais medo”, disse.
Questionado se o diretor-presidente tinha conhecimento do comportamento e das denúncias, a servidora revela que uma colaboradora que decidiu relatar os assédios de Paulo César testemunhados por ela foi retirada da função.
“A primeira servidora que levou ao conhecimento dele [Barra Torres] foi exonerada do cargo de comissão na sequência”, disse. A Anvisa nega qualquer exoneração nesse sentido.
Paulo César Nascimento também responde na Justiça do Distrito Federal a um processo por violência doméstica e cárcere privado contra uma ex-namorada. Os episódios, segundo a denúncia do Ministério Público, ocorreram em Brasília e em viagem do então casal à cidade do Rio de Janeiro. Ele já estava no cargo de confiança da Anvisa quando as ameaças ocorreram.
Criação de comitê
Na noite desta quarta-feira (15), a Anvisa anunciou a criação do Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio moral e do Assédio sexual. O objetivo, segundo a agência, é "fortalecer as ações, as estratégicas, as orientações e as medidas no âmbito da agência para enfrentamento do assunto, aprimorando as instâncias de apuração e gestão já existentes na Anvisa, quais sejam a ouvidoria, a comissão de ética pública, a corregedoria e a área de gestão de pessoas, para o cumprimento de sua finalidade de tratar, apurar e dar respostas para prevenir e responsabilizar casos de assédio moral e sexual na Anvisa."
O comitê será composto por um representante de cada uma das diretorias, um representante da área de gestão de pessoas e quatro servidores voluntários do quadro da Agência.
Leia nota da Diretoria da Associação de Servidores da Anvisa:
A Diretoria da Associação de Servidores da Anvisa manifesta profundo repúdio aos atos de violência, divulgados pela imprensa, cometidos pelo ex-assessor lotado no gabinete do Diretor-Presidente da Anvisa.
A divulgação da prisão do então assessor por crime de estupro e os relatos de servidoras vítimas de assédio sexual foi recebido pelos servidores com grande indignação.
Importante informar à sociedade que o senhor Paulo César do Nascimento Silva ocupava um cargo comissionado de livre nomeação e exoneração desde junho de 2019, não sendo servidor efetivo dos quadros da Anvisa.
É sabido que cargos de assessoria não passam pela avaliação da Casa Civil, tampouco são objeto de escrutínio relativo a antecedentes criminais no âmbito da própria Anvisa ou do Ministério da Saúde.
Pressupõe-se, contudo, que o membro da alta administração, para além de eventuais relações pessoais ou profissionais com o candidato, realize algum tipo de avaliação preliminar antes de proceder ao ato administrativo de nomear uma pessoa para ocupação de cargo público. Esta avaliação requer que se verifique capacidade técnica e idoneidade. O ex-assessor não apresentava nenhum desses requisitos.
É costume referir-se a cargos de livre provimento como funções de confiança. Desta feita, questionamos se é possível confiar às cegas e nomear indivíduos para funções públicas sem que se proceda a boa prática de realizar um processo seletivo associado à verificação de antecedentes criminais.
Óbvio que tais medidas sequer possibilitariam coibir práticas de assédio sexual ou moral, uma vez que condutas de assédio manifestam-se muitas vezes de forma sutil e intimidatória.
Não permaneceremos silentes, mas sim vigilantes, frente a qualquer indício de exposição de nossas colegas estagiárias, prestadoras de serviço, consultoras e servidoras! Basta de machismo e misoginia na Anvisa!
Que se apure e afastem os demais envolvidos nas denúncias.
Diretoria UNIVISA
Fonte: g1
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