Após transferir um gerente administrativo acusado de assédio sexual e moral da unidade de Mauá, na Grande São Paulo, para as unidades do Ipiranga e do Cambuci, ambas na Zona Sul da capital paulista, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) demitiu o gestor por justa causa.
A informação foi confirmada pela GloboNews. A dispensa ocorreu depois da publicação de uma reportagem sobre o caso que revelou que uma orientadora educacional acusava a instituição de demiti-la após uma denúncia feita ao sistema de controle interno da escola e ao Ministério Público do Trabalho (MPT) que resultou na condenação do Senai pela Justiça do Trabalho por assédio moral e sexual.
Em um grupo usado por colaboradores das escolas em que o gerente administrativo trabalhava, a gestão informou os colaboradores sobre a demissão no mesmo dia em que a reportagem foi veiculada: "Considerando o desligamento do sr. Nelson do SENAI-SP, como praxe, ocorrerá sua saída deste grupo de trabalho (bem como os demais...). Desejamos sucesso na nova jornada e agradecemos todo o empenho e dedicação aos CFP 108 e 133".
Procurado, o Senai informou, em nota, que após "a sentença sobre os embargos declaração [recurso do processo] e sua publicação no dia 9/2/2022, o caso passou por análise interna das instâncias competentes e a decisão foi pela demissão imediata do funcionário por justa causa".
A GloboNews tentou contatar o gerente Nelson Henrique, mas a defesa não foi localizada até a última atualização desta reportagem.
Retaliação com demissão
Segundo orientadora educacional Fernanda Patrícia de Souza Lins, o superior foi transferido de unidade e promovido após os relatos feitos por ela, antes da condenação, e continuou no quadro da empresa. Ela foi demitida. A escola nega que a dispensa tenha relação com a queixa, "atendendo exclusivamente a critérios técnicos" (veja íntegra da nota abaixo).
Fernanda trabalhou por mais de 20 anos no Senai. Sua última posição na unidade era de analista de qualidade de vida, que atua com orientação educacional de alunos e professores. A demissão, ocorrida em fevereiro deste ano, diz ela, não teria relação com o desempenho no trabalho - teria sido uma retaliação.
Ela relata que as perseguições de Nelson Henrique começaram em 2017. "Foram algumas investidas que ele teve sobre mim, querendo ter um envolvimento mais íntimo, e eu não aceitava, eu ignorava, disfarçava, levava como uma brincadeira. Mas, percebendo isso, ele começou a fazer perseguição junto com alguns coordenadores que eram coniventes com a minha saída", contou.
Como forma de se proteger, em 2017, ela se candidatou e foi eleita para a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e depois reeleita, em 2019, o que garantia a estabilidade dela no emprego. Mas, segundo a orientadora educacional, o assédio do gerente não cessou.
Segundo o depoimento dela dado à GloboNews, mesmo após ser transferido de unidade, o gerente tentou coagir diversos colegas de trabalho de Fernanda para que ela não fosse eleita na Cipa. Passou também a expor as pessoas que se relacionassem com ela com ameaças de demissão.
Fernanda conta que fez uma denúncia de assédio moral ao canal interno de denúncias do Senai, chamado Código de Ética. A investigação em "instâncias independentes", segundo a escola, não comprovou "falta grave na atuação de seu gerente administrativo", "mesmo após a oitiva de diversos empregados e colaboradores".
A orientadora educacional afirma que, depois de ter feito a denúncia e do resultado divulgado, um superior direto, um professor responsável pela escola, a ameaçou com uma advertência por seu comportamento.
Em 2020, a funcionária decidiu entrar com uma denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT), que resultou em uma ação civil pública contra o Senai para pagamento de indenização por dano moral coletivo e a condenação "obrigações de fazer e não fazer", em razão de suposta prática de assédio moral e sexual.
Após ouvir depoimentos, o juiz do trabalho Rodrigo de Arraes Queiroz diz que as provas produzidas deixaram claro que o gerente "tentou, por diversos meios, impedir a eleição da Sra. Fernanda como representante dos empregados na CIPA, a fim de que esta não fosse beneficiada com a estabilidade provisória no emprego decorrente da condição de cipeira, conduta esta que se configura como uma inadmissível interferência da reclamada, por seu gerente administrativo, em eleição exclusiva dos empregados".
Durante o processo, a Justiça do Trabalho também confirmou a prática de assédio sexual cometido contra uma outra funcionária, que foi relacionada como testemunha de Fernanda, mas apresentou mensagens de um aplicativo de celular que configuraram outro desvio do gerente administrativo.
"Percebe-se, assim, que as condutas perpetradas por um gerente administrativo da reclamada extrapolaram todos os limites de convivência no ambiente de trabalho, consistente em conduta abusiva e descabida na tentativa de contato íntimo com uma empregada terceirizada, de evidente conotação sexual, expondo-a a situação humilhante e constrangedora", afirma o juiz na decisão.
Em novembro do ano passado, o Senai foi condenado a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais coletivos e a cumprir uma série de obrigações para que os assédios não se repetissem na unidade. A GloboNews apurou que o Senai recorreu da decisão da Justiça do Trabalho, pedindo que as medidas sejam cobradas apenas após o trânsito em julgado, o que foi acatado.
O MPT se manifestou e pede que as obrigações sejam cumpridas após a sentença em primeira instância para evitar o protelamento das medidas até que sejam julgadas por instâncias superiores.
Demissão após fim da estabilidade
A gestão de Fernanda na Cipa se encerrou em dezembro do ano passado. Após algumas semanas de férias em janeiro de 2022, ela retornou ao trabalho e foi informada sobre a demissão.
"Muitas pessoas falaram: 'A Fernanda fez tudo o que fez, o cara foi promovido e ela, punida'. Então institui-se um clima de que não adianta reclamar, porque você vai ser punido. (...) Está um clima de terrorismo dentro da instituição depois que eu saí", relatou.
O advogado da ex-funcionária também busca na Justiça do Trabalho que a cliente seja reinserida no quadro de funcionários, além de uma indenização por danos morais e materiais.
Em nota, o Senai afirmou que "a demissão da funcionária não tem relação com a denúncia, pois o processo se iniciou em 2019 e o desligamento da colaboradora ocorreu em fevereiro de 2022, atendendo exclusivamente a critérios técnicos".
Fonte: g1
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