A principal vitória da CPI da Covid, até o momento, não foi reunir sólidos indícios de que o governo federal, por influência de um gabinete paralelo, acelerou a contaminação do povo brasileiro, boicotando as medidas sanitárias de prevenção para atingir a "imunidade de rebanho".
O maior trunfo político da comissão foi resgatar o Brasil do cercadinho, onde Bolsonaro o manteve em cativeiro por mais de dois anos. Desde que tomou posse, o presidente virou o dono exclusivo da pauta da país. Era ali, no cercadinho, o analógico e o digital, que Bolsonaro, como animador de um show de bizarrices, desfilava grosserias, infâmias, vulgaridade e baixezas. Pronto. Estava dada a pauta do dia. Agora, era só esperar as repercussões, reações indignadas e notas de repúdio. Para Bolsonaro, isso era ótimo. Afinal, ele conseguia colocar a oposição no papel de auditório, de coadjuvante.
E, como vivemos na era da política pop, cabe uma explicação bem pop. Enquanto a maioria dos políticos age como a Elke Maravilha, ou seja, busca o aplauso da maioria, o personagem Bolsonaro sempre se alimentou da vaia. Ele é uma espécie de Pedro de Lara da extrema direita. Vamos lembrar: quanto mais vaiado pelo auditório, mais extravagante Pedro de Lara ficava, mais gestos hostis fazia para a plateia e mais grosseiro era com os calouros. As vaias alimentavam o personagem.
Assim é Bolsonaro. Para seu cercadinho gritar "mito", é preciso ter a sensação de estar na contramão da maioria. O auditório, na lógica bolsonarista, simboliza o "sistema", o "poder". E o cercadinho quer ser antissistema. Se o auditório grita "máscara", o cercadinho brada "cloroquina". É assim que ele se diferencia e se imagina lutando contra tudo que pareça "o sistema".
É a velha história do pão e circo. Como como militar e parlamentar, Bolsonaro nunca foi do ramo do trabalho. Sua especialidade é a agitação. É o circo. Ninguém pode negar sua esperteza política. Foi assim que ele conseguiu montar uma franquia política. A marca Bolsonaro, que por mais de três décadas já elegeu filhos, esposas e amigos, foi construída em cercadinhos, em bolhas, nos nichos da extrema-direita. Bolsonaro nunca se preocupou em falar para além do cercadinho.
Em 2018, por razões diversas, 57 milhões de eleitores pularam para seu cercadinho. Mas quem pensou que Bolsonaro seria o presidente de todos, ou que iria moderar o discurso para continuar falando com os 57 milhões, se enganou. Mesmo como presidente, ele dá show apenas para seu cercadinho. Ele só consegue representar o Pedro de Lara.
A estratégia de circo deu certo até o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) propor a CPI da Covid. "Quando apresentei o requerimento para instalação da comissão, minhas expectativas eram rebaixadas. Não esperava, sequer, o número suficiente de assinaturas", lembra. O maior aliado de Bolsonaro no Senado, o ex-presidente David Alcolumbre, enganou o governo. Prometeu impedir a CPI e não entregou.
A partir de então, a oposição, pela primeira vez, passou a ditar a pauta nacional. Não fica mais esperando as aberrações de Bolsonaro para repercutir e repudiar, sempre passivamente. Conseguiu dominar o noticiário e monopolizar os debates nas redes sociais. Pedro de Lara deixou de ser a diva do show.
Mas Bolsonaro não entregou o pontos. Percebeu que não está mais sozinho no picadeiro e dobrou a aposta. A realização da Copa América, as aglomerações dos passeios de moto e o ataque ao uso de máscara fazem parte da tentativa de retomar o show. "Agora que aprovamos a quebra dos sigilos e estamos no caminho do dinheiro, não há dúvidas de que Bolsonaro irá radicalizar", prevê Randolfe.
Cabe à CPI a definir sua estratégia. Quando ela reconvoca o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para falar da Copa América, uma pauta de Bolsonaro, ela está , mais uma vez, se limitando ao papel de auditório, de coadjuvante? Ou está com as rédeas na mão, controlando as bizarrices do show bolsonarista?
Só o tempo dirá. Feche os olhos e imagine o Chacrinha gritando: "Auditóriooooo... O Brasil sai do cercadinho, ou não sai?????"
Fonte: Octavio Guedes
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