O governo do presidente americano, Joe Biden, anunciou nesta quarta-feira (5) seu apoio a uma suspensão da proteção de patentes para as vacinas contra a Covid-19, a fim de acelerar a produção e a distribuição de imunizantes no mundo. É uma mudança bastante significativa de posição do país em relação ao assunto (leia mais abaixo).
Laboratório do Instituto Serum da Índia, o maior fabricante mundial de vacinas, na cidade em Pune, em foto de 21 de janeiro de 2021 — Foto: Rafiq Maqbool/AP
Já o Brasil tradicionalmente apoiava a quebra de patentes para medicamentos – foi assim com relação a drogas contra o HIV, por exemplo –, mas se posicionou contra a suspensão no caso das vacinas anticovid. Essa mudança de postura foi adotada ainda durante a administração de Donald Trump.
Nos EUA, embora os direitos de propriedade intelectual para as empresas sejam importantes, Washington "apoia a isenção destas proteções para as vacinas para a Covid-19", disse nesta quarta a representante comercial dos Estados Unidos, Katherine Tai, em um comunicado.
"Trata-se de uma crise sanitária mundial e as circunstâncias extraordinárias da pandemia de Covid-19 exigem medidas extraordinárias", acrescentou.
"Iremos participar ativamente de negociações necessárias com a Organização Mundial do Comércio para que isso aconteça", diz ainda o comunicado. "Essas negociações levarão tempo, considerando a natureza consensual da instituição e a complexidade dos assuntos envolvidos", alerta Tai.
De acordo com a representante dos EUA, o objetivo é garantir o maior número de vacinas seguras e eficientes para mais pessoas no menor período de tempo possível, e agora que as doses para norte-americanos já estão asseguradas, os esforços serão ampliados para auxiliar a expansão e distribuição.
Mudança de posição
Anteriormente, os Estados Unidos se posicionava totalmente contra a quebra das patentes, ao lado do Reino Unido, Suíça e nações europeias. A ideia tinha sido apresentada pela África do Sul e Índia e é apoiada por dezenas de países em desenvolvimento, mas não pelo Brasil.
O argumento do grupo de países desenvolvidos é que essas patentes seriam necessárias para incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos.
Mas, em 28 de abril deste ano, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, disse não considerar a possibilidade de quebra de patentes como caminho mais eficaz para acelerar a vacinação no país segundo a agência Brasil. Segundo ele, a quebra não traria efeitos de curto prazo, devido à limitação de acesso aos insumos para a produção de imunizantes e limitações na capacidade de produção.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse no início de fevereiro - segundo matéria da BBC - que cerca de 200 milhões de vacinas contra Covid-19 haviam sido administradas. Mas 75% dessas vacinas, afirma a organização, foram administradas em apenas 10 países ricos.
Gavin Yamey, professor de Saúde Global e Políticas Públicas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, diz que em quase 130 países, onde vivem mais de 2,5 bilhões de pessoas, praticamente nenhuma vacina foi recebida.
"Tem sido extremamente deprimente ver como as nações ricas esvaziaram as prateleiras. As vacinas têm sido pegas basicamente dizendo 'eu primeiro' e 'só eu' e isso não é apenas muito injusto como também uma atitude de saúde pública terrível", disse o especialista à BBC.
De fato, os especialistas garantem que, para interromper essa pandemia global, é necessária uma resposta global, porque a crise não pode ser encerrada se apenas alguns países tiverem sua população vacinada em massa.
É por isso que propostas têm sido feitas para que as empresas farmacêuticas suspendam temporariamente as patentes de suas vacinas e compartilhem seus conhecimentos tecnológicos, a fim de acabar com o que os especialistas chamam de "apartheid de vacinas".
O que são as patentes?
Patentes protegem a propriedade intelectual de um produto para que não possa ser copiado. Na indústria farmacêutica, quando um medicamento é descoberto e desenvolvido, a empresa patenteia sua descoberta para que ninguém mais possa fabricá-la sem sua autorização.
Isso permite controlar o preço e a produção, o que, por sua vez, pode levar em alguns casos a preços altos e medicamentos inacessíveis aos mais pobres.
Uma das propostas para acelerar a produção de vacinas, idealizada pela OMS, é o chamado C-TAP (Acesso Conjunto a Tecnologias contra a Covid-19, em tradução livre).
Este é um mecanismo global para compartilhar voluntariamente conhecimento, dados e propriedade intelectual de tecnologias em saúde para a luta contra a doença.
O C-Tap foi criado pela OMS em junho de 2020 e quase 40 países são signatários, mas Raquel González, chefe de relações externas da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), explica que nenhuma tecnologia foi compartilhada até agora.
A outra forma de fazer com que as empresas farmacêuticas compartilhem suas tecnologias é aquela apresentada pela África do Sul e pela Índia à Organização Mundial do Comércio para suspender os direitos de propriedade intelectual das vacinas durante a pandemia.
Mas os países mais ricos se opõem à proposta, argumentando que a suspensão das patentes obstruirá a inovação científica ao desencorajar investidores privados de se envolverem nesse segmento.
Eles afirmam ainda que os regulamentos atuais que permitem que os fabricantes de medicamentos estabeleçam acordos bilaterais com produtores de medicamentos genéricos e "flexíveis o suficiente quando se trata de lidar com uma emergência de saúde pública".
"A propriedade intelectual é uma parte fundamental do nosso setor", disse Pascal Soriot, CEO da empresa AstraZeneca, em maio de 2020, durante entrevista coletiva para discutir a criação da C-Tap. "E se você não protege a propriedade intelectual, essencialmente não há incentivo para ninguém inovar."
Os críticos apontam, porém, que as farmacêuticas têm recebido bilhões de recursos públicos, principalmente dos EUA e da Europa, para o desenvolvimento de vacinas cobiçadas, por isso devem compartilhar sua tecnologia.
Fonte: G1
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