Cristina Kirchner na Argentina, Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia aproveitam a decisão que anula as sentenças contra o ex-presidente Lula para fortalecer a teoria de 'lawfare', segundo a qual todos são perseguidos por uma conspiração opositora.
Ex-presidente da Argentina e vice-presidente eleita, Cristina Kirchner, acena ao chegar ao tribunal em dezembro de 2019 — Foto: Juan Mabromata / AFP
O primeiro a comemorar a anulação de ações penais e sentenças contra Lula foi o presidente argentino, Alberto Fernández. Ele telefonou para Lula e depois publicou um comentário nas redes sociais. Na conversa, Fernández disse que "nunca duvidou da inocência de Lula". No Twitter, ele publicou: "Justiça foi feita".
"Celebro que Lula tenha sido reabilitado em todos os seus direitos políticos. Foram anuladas as condenações contra ele, ditadas com o único objetivo de persegui-lo e de eliminá-lo da corrida política. Foi feita justiça!", escreveu Fernández, que sempre compara a situação de Lula com a da sua atual vice, a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015).
"A notícia que vem do Brasil é extremamente importante para a narrativa de 'lawfare' na região e particularmente para o governo argentino, sobretudo para Kirchner", aponta o analista político Carlos Pagni.
"Lawfare" é o termo usado pela esquerda latino-americana para definir uma guerra judiciária, criada pela direita, com o objetivo de intervir na política e destruir adversários. Dessa conspiração participariam a oposição, empresários, o sistema financeiro, os meios de comunicação, os Estados Unidos e a Justiça.
"Todo o enredo processual no Brasil é sintetizado na Argentina como 'Lula é inocente'. Inocência não foi o que o ministro Edson Fachin determinou, mas é importante dizerem isso aqui porque o 'lawfare' tem um limite: as provas. E, aqui na Argentina, há uma tonelada delas", observa Pagni.
Cristina Kirchner responde a dez processos, a maioria por corrupção, e impulsiona uma reforma do Judiciário que dilua o poder dos atuais juízes, que ela deseja remover. A atual vice-presidente usa a imunidade do cargo para não ser presa.
Impacto na vizinhança
"Na América Latina, há três casos absolutamente claros de 'lawfare', esse acordo entre poder e meios de comunicação para instalar a culpa de uma pessoa quando só há inocência. São Rafael Correa no Equador, Cristina Kirchner na Argentina e Lula no Brasil", disse Fernández em 22 de fevereiro, durante uma videoconferência promovida para celebrar os 41 anos do Partido dos Trabalhadores (PT).
O boliviano Evo Morales (2005-2019) também comemorou que "finalmente tenha sido feita justiça com o irmão Lula".
Evo Morales chega a cidade de Chimore, em Cochabamba, um ano depois de ter se exilado fora da Bolívia nesta quarta-feira (11). — Foto: AP Photo/Juan Karita
"Lula é vítima de uma furiosa perseguição do 'lawfare' da direita com fins políticos", publicou Morales, que não é processado por corrupção, mas por outras acusações. O atual Congresso boliviano, com maioria de legisladores aliados de Morales, está a ponto de conceder uma anistia ao ex-presidente.
Rafael Correa (2007-2017), ex-presidente do Equador, condenado a oito anos por corrupção, também se referiu ao caso Lula como um espelho do seu. "Oligarquia latino-americana, imprensa e juízes corruptos, entendem que nunca poderão contra a força da verdade e da integridade?", atacou Correa, via Twitter.
Rafael Correa governou o Equador durante uma década, de 2007 a 2017 — Foto: Reuters/ Daniel Tapia
O equatoriano mora atualmente na Bélgica e não pode retornar ao Equador devido ao risco de ser preso. Seu candidato a presidente, Andrés Arauz, que lidera as pesquisas para vencer o segundo turno da eleição presidencial em 11 de abril, anunciou que, se eleito, vai mudar a situação jurídica prejudicial a Correa por meio de uma anistia ou de um indulto.
Bolsonaro visitará Argentina em momento marcado pelo apoio a Lula
O maior inimigo político de Lula, o presidente Jair Bolsonaro, virá a Buenos Aires no dia 26 de março para comemorar os 30 anos do Mercosul. Será o seu primeiro encontro com o presidente argentino. Bolsonaro e Fernández tentam construir uma relação cujo principal ponto de tensão é o petista. Fernández visitou Lula na prisão em julho de 2019, num episódio que levou Bolsonaro a ver o argentino como amigo do seu principal inimigo. Quando ganhou nas urnas em 27 de outubro de 2019, Fernández defendeu a libertação de Lula em seu discurso de vitória.
No dia 22 passado, na videoconferência, Fernández disse "ter plena confiança de que o Brasil reverterá tudo o que está acontecendo no país nas próximas eleições".
"Lula livre, inocente e candidato em 2022. Foi lawfare. A inabilitação de Lula como candidato foi um golpe na democracia do Brasil. Bolsonaro não é um presidente legítimo", sentenciou o argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do prêmio Nobel da Paz em 1981.
"Teremos de ver como será a presença de Bolsonaro em Buenos Aires com este discurso da esquerda de uma arbitrariedade que permitiu que Bolsonaro fosse eleito presidente", indica o analista Carlos Pagni.
"Mas Bolsonaro talvez esteja contente com a presença de Lula na disputa eleitoral porque, no fundo, a sua estratégia é como a do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) com Cristina Kirchner: polarizar com o outro. Precisa do outro ativo para poder exercer essa tensão política. No caso do Macri, essa estratégia deu errado. Vamos ver com Bolsonaro", conclui Pagni.
Fonte: RFI
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