Depois da denúncia de que desembargadores teriam recebido propina de R$ 1,5 milhão do padre Robson de Oliveira para favorecer decisões em um processo que envolveu a compra de uma fazenda, a juíza Placidina Pires, responsável pelo caso no Tribunal de Justiça de Goiás, encaminhou os documentos para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apurar o suposto favorecimento ilícito.
O processo subiu para o STJ porque os desembargadores têm foro privilegiado e somente a Corte superior pode fazer a investigação se eles receberam ou não dinheiro do padre Robson. Investigadores encontraram no celular do religioso as mídias e documentos de conversas entre o padre e advogados que indicariam a suposta compra de sentença. Os áudios foram divulgados em 23 de fevereiro.
A defesa do padre disse em nota que não foi intimada ainda, mas que segue "com a mesma tranquilidade, independentemente de onde tramite, pois não houve irregularidades".
O STJ disse em nota que não vai comentar o caso porque o processo está em segredo de Justiça.
A Associação dos Magistrados de Goiás (Asmego) ressaltou em nota que o encaminhamento da investigação ao STJ é procedimento natural, já que a Corte é o órgão competente. "Ressalva que tal ação, sucedida da abertura de sindicância dentro do próprio Tribunal de Justiça de Goiás, demonstra que a instituição busca a clareza dos fatos, de forma ágil, transparente e ética", diz o comunicado.
O religioso segue afastado das funções na igreja. O processo que investigava o padre Robson e o desvio de dinheiro de fiéis doados à Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe) foi interrompido por decisão judicial, mas o Ministério Público de Goiás recorreu ao STJ.
Fazenda da Afipe tem mais de 11 mil hectares e custou R$ 90 milhões em Goiás — Foto: Reprodução
A juíza despachou o documento na sexta-feira (5) informando ao ministro do STJ Benedito Gonçalves, que ficou com a relatoria do inquérito da Operação Vendilhões e dos desembargadores, o envio das mídias, documentos, depoimentos, apensos, relatórios e laudos periciais, com exceção dos bens apreendidos.
A investigação do STJ partiu de um pedido feito pela subprocuradora-geral da República (MPF), Lindôra Araújo, em 23 de fevereiro, após a divulgação dos áudios que indicariam a propina. No pedido, ela destacou a existência de indícios da prática de crime de corrupção passiva, “que justificam a instauração de inquérito".
O TJ-GO também abriu sindicância interna, em 24 de fevereiro, para apurar a conduta dos desembargadores. Na ocasião, o presidente do tribunal, Carlos Alberto França, determinou que o padre e os desembargadores se manifestassem sobre os áudios em um período de dez dias.
Como o processo corre em segredo de Justiça, o TJ-GO informou que não vai se pronunciar sobre a sindicância.
Suposta propina
No processo em questão, a Afipe, que era presidida pelo padre Robson, comprou uma fazenda. Porém, devido a um erro durante a negociação, os donos da propriedade entraram com um processo na Justiça e a entidade perdeu, sendo condenada a pagar R$ 15 milhões ao antigo dono.
A defesa, então, decidiu recorrer. A Afipe ganhou o processo em segunda instância no Tribunal de Justiça e não precisou pagar o antigo dono da fazenda.
As conversas sobre a suposta compra de sentença foram encontradas por investigadores em áudios, que estavam armazenados no celular do padre, o qual foi apreendido durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão na Operação Vendilhões.
Em um dos áudios, um advogado e o então diretor jurídico da Afipe falam ao padre que fizeram um repasse de R$ 750 mil para conseguir “apoio” dentro do tribunal e precisavam repassar mais R$ 750 mil.
“Só para o senhor ter noção, dos três desembargadores, R$ 500 [mil] para um e o resto é dividido para dois. Para os outros dois, entendeu? Então, a gente não pode deixar fechar essa porta de jeito nenhum”, explicou um advogado.
Assim, segundo a investigação, o padre concorda com a proposta dos advogados de pagar propina para a sentença ser favorável a eles.
“Eu preciso ter elemento de negociação para eu, eventualmente, subcontratar apoios no Tribunal de Justiça. É assim que funciona, eventualmente você tem que conversar com um desembargador, identificar quais são os sub-apoios, e isso eles olham muito, o tipo de contratação que você tem”, disse um advogado.
Eles explicam como foi feito o processo, dependendo do resultado obtido. “A gente apalavrou que colocaríamos R$ 1,5 milhão, tá? E pagos na decisão da segunda instância de duas formas: se a gente ganhasse tudo, anulasse tudo, isso em julho de 2019, pagava R$ 1,5 milhão. Se a gente anulasse a sentença e voltasse para que o julgamento fosse com todos os outros processos, pagava R$ 250 mil, só”, pondera um advogado.
Exclusivo: áudios do Padre Robson mostram negociações suspeitas; ouça
Investigação
Padre Robson era investigado na Operação Vendilhões, que cumpriu mandados de busca e apreensão em agosto de 2020, para apurar crimes como lavagem de dinheiro, apropriação indébita e falsidade ideológica nas "Afipes", associações criadas por padre Robson e que movimentaram em torno de R$ 2 bilhões em dez anos.
De acordo com a investigação, os valores deveriam ter sido usados na construção da nova Basílica de Trindade. Porém, foram usados, entre outros fins, para a compra de fazendas, um avião e uma casa de praia.
Em dezembro de 2020, padre Robson e outras 17 pessoas foram denunciadas por organização criminosa, apropriação indébita, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Porém, o processo foi bloqueado pela Justiça.
Fonte: G1
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