O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira (11) que o toque de recolher determinado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), é uma medida de “estado de sítio” que somente ele, na condição de presidente da República, poderia tomar, mediante consulta ao Congresso Nacional.
Especialistas em direito ouvidos pelo G1 afirmam que o presidente se “equivocou” ao fazer a afirmação (veja detalhes mais abaixo).
Na segunda-feira (8), Ibaneis decretou toque de recolher das 22h às 5h, até o próximo dia 22, a fim de tentar conter a expansão de casos de Covid-19 no Distrito Federal, que enfrenta risco de colapso em hospitais.
Em videoconferência com parlamentares da Frente da Micro e Pequena Empresa, ele criticou a medida e outras ações restritivas para conter a expansão da pandemia de Covid adotadas por governadores.
“Até quando nós vamos resistir a isso daí? Aqui no DF toma-se medida por decreto de estado de sítio [sobre toque de recolher]. De 22h às 5h da manhã ninguém pode andar. Só eu poderia tomar medida dessa e, assim mesmo, ouvindo o Congresso Nacional. Então, na verdade, medida extrema dessa, só o presidente da República e o Congresso Nacional poderiam tomá-la. E nós vamos deixando isso acontecer”, disse o presidente.
O artigo 137 da Constituição estabelece as condições em que o estado de sítio pode ser decretado pelo presidente da República, após consulta ao Conselho da República, ao Conselho de Defesa Nacional e pedido de autorização ao Congresso Nacional:
"I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;"
"II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira."
"Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta."
Bolsonaro voltou a criticar decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual estados e municípios — além da União — também têm poder para adotar medidas restritivas a fim de conter a pandemia. Para o presidente, na prática, a decisão concentrou poder nas mãos de prefeitos e governadores.
"Devemos rever aquilo que por ventura fizemos de errado no passado, justificar e melhorar. Até onde nós aguentaremos?", indagou.
Ele declarou que governadores estão tomando medidas mais duras que prefeitos, com impacto negativo na economia – citou a interrupção de jogos de futebol, anunciada pelo governo de São Paulo.
Até quando nós podemos aguentar essa irresponsabilidade do lockdown? Estou preocupado com vidas, sim”, afirmou o presidente.
Segundo Bolsonaro, “o efeito colateral do combate ao vírus está sendo mais danoso do que o próprio remédio. Lockdown não é remédio”, acrescentou, apontando o risco de caos social em caso de colapso da economia.
O presidente afirmou que há governador com “tremenda ambição” e que o governo federal se preocupa em salvar empregos, enquanto, segundo ele, governadores, como o de São Paulo, João Doria (PSDB), vão para a “destruição”.
"A política do fecha tudo, fecha o comércio, cuja consequência é a destruição de milhões de empregos", afirmou.
Declaração ‘infeliz’
Especialistas em direito ouvidos pelo G1 afirmam que o presidente da República “se equivocou” ao afirmar que o toque de recolher determinado pelo governo do Distrito Federal equivale a uma decretação de estado de sítio e que somente ele poderia adotar a medida.
Para o doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) Renato Ribeiro, o presidente foi “infeliz” na declaração e “mais uma vez exagerou”.
“Existe uma previsão constitucional [da decretação de estado de sítio], de fato, há que se ouvir o Congresso Nacional, todos os procedimentos estão previstos na Constituição, mas isso não pode se confundir em nenhuma hipótese com decisões de medidas sanitárias tomadas pelos governadores e pelos prefeitos, tendo em vista que o próprio STF já se manifestou, em mais de uma oportunidade, no sentido de que a competência é concorrente, ou seja, todos os entes são responsáveis: prefeitos, governadores e o presidente. Os prefeitos e governadores, inclusive, que estão mais próximos das realidades locais, têm condições de determinar medidas sanitárias mais graves ”, afirmou Ribeiro.
Na mesma linha, Marcelo Weick Pogliese, professor de direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), diz que Bolsonaro se “equivocou” em relação ao que prevê o instituto do estado de sítio.
“A decisão do STF que trata da possibilidade de estados e municípios também poderem criar normas procedimentais restritivas na pandemia absorve as medidas de restrição de horário e de circulação, bem como a questão do lockdown. No ano passado, já tivemos situações parecidas”, diz o especialista.
Segundo Pogliese, "falamos de estado de sítio quando há uma profunda instabilidade institucional ou uma profunda comoção social: uma rebelião, uma revolução, tentativa de golpe. Neste caso agora, estamos diante de uma situação de crise sanitária, crise de saúde. Não estamos diante de uma questão que gera a instabilidade das instituições ou algo que venha a ferir o estado democrático de direito, que exija uma situação de estado de sítio. O fundamento não é esse”.
Professor de direito constitucional do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) Eduardo Mendonça lembra que a Constituição, no artigo 23, prevê que é competência comum dos estados, municípios e da União cuidar da saúde.
“Tanto União, estados, Distrito Federal e municípios podem atuar tomando medidas administrativas na proteção da saúde. Exatamente o que tem em Brasília: uma restrição sanitária, com horário limitado, que é justificada pela necessidade de restringir a circulação e minimizar a disseminação do vírus, no momento em que o sistema de saúde do DF está em vias de colapsar. Isso não é equiparável às medidas do estado de defesa ou de sítio”, afirmou Mendonça.
Para o especialista, Bolsonaro pode ter tentado fazer uma comparação com a situação de estado de defesa.
“A Constituição prevê a restrição à liberdade de reunião, o que é uma restrição muito intensa à liberdade individual, que é uma das principais liberdades democráticas. Isso é uma medida que pode ser tomada no estado de defesa. Talvez ele tenha feito um paralelo nessa circunstância. Não acho que seja a mesma coisa. O estado de defesa e o estado de sítio são situações extremas, estados de exceção, em que a legalidade sofre restrições por conta da necessidade de se proteger o estado de direito, a integridade da sociedade”, afirmou.
Vacinas
Bolsonaro, que em várias oportunidades questionou as vacinas e disse que não tomaria, declarou na videoconferência da Frente da Micro e Pequena Empresa que nunca negou o imunizante contra a Covid e voltou a defender o uso de medicamentos sem eficiência comprovada para tratar a doença.
“Nunca neguei a vacina. Lá atrás, falei que não tomaria uma vacina sem passar pela Anvisa. É isso que fiz. Passou, vamos comprar”, afirmou.
No ano passado, Bolsonaro resistiu à compra de vacinas. Em agosto, o governo recusou uma oferta de 70 millhões de doses da Pfizer para entrega em dezembro – somente agora, sete meses depois, está prestes a assinar contrato com a farmacêutica. Em outubro, Bolsonaro chegou a desautorizar o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que havia negociado a encomenda de doses da CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e pelo Instituto Butantan, de São Paulo. Depois, com o agravamento da pandemia, permitiu e, atualmente, a CoronaVac é responsável pela maior parcela das vacinas aplicadas no país.
O presidente lamentou as mortes por Covid – mais de 270 mil no Brasil – e disse que fará o possível para “zerar” os óbitos pela doença no país. Segundo afirmou, o discurso de que ele é “negacionista” não "colará".
“Lamento todas as mortes que ocorrem, todas as mortes. Lamento essa desgraça que se abateu sobre o mundo, mas temos que olhar para frente, buscar minimizar a dor dessas pessoas, buscar maneira salvá-las. Como disse no começo, toma vacina”, disse.
Fonte: G1
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