A proposta de reforma da previdência estadual que o Governo do RN está elaborando é uma imposição da emenda constitucional 103/2019 aprovada pelo Congresso Nacional. No artigo 167, a emenda determina que a transferência voluntária de recursos, a concessão de avais, as garantias e as subvenções pela União e a concessão de empréstimos e de financiamentos por instituições financeiras federais aos Estados, Distrito Federal e Municípios, na hipótese de descumprimento das regras gerais de organização e funcionamento de regime próprio de previdência social, só podem ocorrer se o Estado estiver em dia com as normas previdenciárias, isto é, o CRP regularizado.
Créditos: Elisa Elsie
Fátima: problemas não foram criados pelos servidores, mas pela omissão no passado
Diante deste condicionamento, o Governo do RN optou por fazer uma reforma de caráter sustentável, minimizando os impactos financeiros junto ao contribuinte, que é o servidor estadual. Diante do grave déficit financeiro da previdência estadual, que atinge R$ 130 milhões/mês, a proposta da reforma em construção adota os critérios da progressividade, mitigação dos impactos negativos imediatos e a reversão progressiva do quadro deficitário.
A proposta do Governo, que será enviada para a Assembleia Legislativa para aprovação pelos deputados estaduais, está atualmente em debate com os servidores, contemplando alíquotas de contribuição progressivas com índices de 12%, 14%, 16,5% e 18,5%. Estas alíquotas incidem sobre as faixas salariais de forma progressiva, em uma sistemática similar a atualmente adotada pelo Imposto de Renda. Comparativamente ao sistema hoje vigente na previdência estadual, aqueles servidores que recebem até R2.500,00 passarão a contribuir com R$25,00 a mais para a previdência, já que a sua alíquota subirá de 11% para 12%. Estes percentuais e valores, entretanto, ainda podem mudar, vez que o Governo do Estado continua mantendo entendimentos com diversas categorias de servidores. Para os servidores inativos, aposentados e pensionistas está prevista isenção de contribuição até o valor de R$ 2.500,00. A partir deste valor, incidirá a taxação prevista para os ativos.
O critério da progressividade, além de fazer justiça social aos servidores que possuem os menores salários, contribui para a solidariedade do sistema, já que quem ganha um salário maior, contribuirá com um percentual maior. Com a adoção das alíquotas progressivas, a incidência destas será somente sobre aquelas faixas pré-determinadas. Por exemplo: para os servidores ativos, com salário de R$ 3.000,00, que será taxado em 12% sobre o valor de R$ 2.500,00 e 14% sobre o valor de R$ 500,00, o percentual final da alíquota previdenciária, que incidirá sobre os proventos destes servidores, será de 12,33%. Isto representaria um acréscimo de R$ 37,00 no valor atual de contribuição atual, que possui uma alíquota de 11%. (Confira o impacto no seu contracheque na calculadora virtual disponível no site previdenciasustentavel.rn.gov.br)
Outro ponto a ser destacado é que o aumento da contribuição previdenciária reduz a base de cálculo do imposto de renda, ou seja, o valor deste imposto recolhido na fonte pelo servidor será reduzido em comparação ao que é recolhido atualmente. Desta forma, o impacto no contracheque do servidor será menor do que o efetivo aumento da contribuição previdenciária.
O governo criou uma calculadora virtual para ajudar no cálculo da contribuição. (www.rn.gov.br)
Direito à aposentadoria precisa ser preservado
A governadora Fátima Bezerra reconhece que os problemas da previdência estadual não foram criados pelos servidores, mas pela omissão de gestões anteriores. Ela, entretanto, destaca a necessidade imperiosa de iniciar a recuperação do sistema sob pena de inviabilizar financeiramente a gestão estadual pelas normas contidas na emenda 103/2019 que impedem o repasse de verbas federais, realização de convênios e emissão de aval para empréstimos pela União aos Estados e municípios que não se enquadrarem nas novas regras.
Créditos: Joao Vital
Governo do RN foi o único, entre todas as unidades da federação, a levar a proposta de Reforma da Previdência para debate com as entidades representativas dos servidores estaduais
"Precisamos garantir o papel da Previdência estadual, que é um direito do servidor. Precisamos também garantir o papel do Estado que é suprir a aposentadoria aos seus servidores. E isto só será possível com a reforma", afirmou Fátima Bezerra, para acrescentar: "A nossa proposta de reforma preserva o direito do potiguar à aposentadoria. E é um compromisso com as atuais e futuras gerações".
Ela ainda disse que outras medidas serão tomadas para reduzir o desequilíbrio na previdência, como uma política de realização concurso público e redução de terceirizados que não contribuem para o IPERN e são mais caros para o poder público. "O nosso Estado vem há anos infringindo a Lei de Responsabilidade Fiscal e hoje só pode contratar por concurso público para substituir vagas abertas por morte ou aposentadoria, e em apenas três áreas, saúde, educação e segurança. A lei que regulamenta os terceirizados deixa essa conta fora dos limites da LRF para as despesas com pessoal. Por isso uma das medidas é reduzir a terceirização, que não contribui para a previdência estadual, para pagar concursado, que é mais barato e contribui para o Ipern".
Presidente do Instituto de Previdência do RN (IPERN), Nereu Linhares afirma que é inquestionável a necessidade de fazer a reforma. "A emenda 103 não obriga, mas condiciona, no artigo 167, que o Estado se enquadre nas nova regra federal para que possa se habilitar a receber o Certificado de Regularidade Previdenciária - CRP, sob a penalidade de não poder mais contratar com a União", reforça.
Nereu explica que o Ipern está há 50 anos sem revisão dos critérios para aposentadoria. "Seria necessário revisão a cada 5 ou, no máximo, 10 anos. Isto por que mudam com o tempo a expectativa de vida, os valores dos salários e das contribuições. A revisão, ou reforma, deve ser feita para ajustar, inclusive aumentar ou reduzir as contribuições", explicou.
“Nossos parâmetros são os mesmos dos anos 50”
Entrevista com Nereu Linhares, presidente do IPERN
A reforma é mesmo obrigatória?
É obrigatória, sim! A obrigatoriedade está na emenda constitucional que foi aprovada no plano federal. Embora no texto não tenha o termo ‘obrigatoriedade’, no entanto, o artigo 167 estabelece que o Estado, que não se enquadrar na regularidade previdenciária, terá o CRP suspenso. Esse certificado é documento indispensável para os processos de liberação de recursos de convênios, empréstimos etc. O governo poderia perder recursos federais para áreas vitais, como saúde e segurança pública.
Haveria necessidade de o governo fazer uma reforma previdenciária?
Claro que sim. Não só fazer, mas fazê-las em períodos curtos. As normas são estabelecidas em cima de algumas premissas que se alteram ao longo do tempo. Por exemplo, a expectativa de vida. No RN temos hoje os mesmos requisitos de idade que tínhamos em 1953, quando foi editada a primeira lei que trata de aposentadoiria no RN - a Lei 920. Naquela época, a lei já fixava 60 anos para aposentadoria de homens e 55 para a de mulheres, com 35 anos de contribuição para homem e 30 para mulher. Na década de 1950, a expectativa de vida era de 47 anos, hoje ela é de 72. Naquela época tínhamos o Estado contratando - e contratando muito. Então, a relação era de mais de seis ativos para um inativo. Hoje essa proporção é de menos de um para um.
Como a Previdência do RN chegou a esse ponto? A previsão é de que o Tesouro Estadual faça um aporte de quase R$ 2 bilhões para pagar as obrigações previdenciárias.
O Instituto de Previdência do Estado, por muito tempo, foi prêmio de consolação para político que perdia eleição. Essas pessoas não tinham noção do que era previdência, achavam que os recursos eram inesgotáveis e passaram a usar para outras finalidades, como a construção de casas [os conjutos do IPE]. Existia o crédito natalino, uma espécie de 14º salário que o governo pagava com o dinheiro da Previdência. Havia uma linha de crédito chamada "patronal". Com ela, o servidor matriculava o filho em qualquer escola, comprava o material escolar e a Previdência devolvia 50% do que ele gastava. Havia os centros clínicos. Tudo isso com dinheiro da Previdência, dinheiro que deveria estar guardado, rendendo, para que o pessoal pudesse receber agora. Para completar, tivemos em 2014 a destruição do Fundo Previdenciário, uma reserva de R$ 1 bilhão. E tem outro ponto a destacar: até 2005, nenhum servidor do Estado do Rio Grande do Norte contribuía para aposentadoria.
Como assim?
Ele contribuía, sim, para a previdência, mas a finalidade não era a aposentadoria. Ele contribuía para pensão, auxílio natalidade, auxílio funeral e auxílio reclusão. Portanto, aposentadoria no RN só passou a ser uma obrigação da Previdência a partir de 2005, com a Lei 308, que acresceu na alíquota 3%. Ele pagava 8% e passou a pagar 11%.E olha só: se isso começou em 2005, as primeiras aposentadorias, de responsabilidade do IPERN, seriam em 2035. Na verdade, cada órgão e cada poder deveriam estar assumindo a conta de seus aposentados, uma vez que, na época, a responsabilidade era deles.
A proposta do governo do Estado é pior que a do governo federal?
De maneira alguma. Ela é bem mais branda. A do governo do Estado tem seis pontos em que o impacto para os servidores foi diminuído, como por exemplo, idade, tempo de contribuição, forma de cálculo de aposentadoria, forma de cálculo de pensão.O Estado manteve a possibilidade de se receber dois benefícios - aposentadoria e pensão. A reforma federal proibiu. A federal praticamente extingue o abono de permanência, aqui, nós estamos mantendo o abono de permanência. Um aspecto que vale ressaltar: o Rio Grande do Norte foi a única unidade da federação a levar a proposta de reforma da previdência para debate com os servidores.
Frases
"É totalmente positivo que a gestão mantenha esse canal de diálogo conosco. Sempre que o Governo chamar para a conversa construtiva estaremos à disposição."
Paoulla Maués
Presidente da Adepol-RN
“A reforma tem caráter social. Se não dividirmos esse ônus com quem ganha mais, a gente corre o risco de ter um problema muito maior no futuro.”
Virgínia Ferreira
Secretária de Administração
“Temos folhas em atraso, temos décimo terceiro para pagar, e, se não nos adequarmos à legislação federal, vamos ficar impossibilitados de honrar nossos compromissos com a folha e com os fornecedores.”
Pedro Lopes
Controlador geral
Proposta resulta de diálogo pleno com os servidores
A tônica do debate conduzido pelo Governo do Estado com relação ao projeto da previdência sustentável tem sido o diálogo pleno e franco entre a equipe da gestão estadual e os representantes dos trabalhadores, assim como vêm ocorrendo com diversas outras questões surgidas durante todo o ano de 2019. Desde antes da apresentação do projeto, o Governo vem conduzindo conversas com sindicatos, associações e entidades de classe, além dos chefes de outros poderes que também serão impactados pela reforma.
A disposição do Governo para o diálogo é reconhecida pelos dirigentes de classe. "A conversa é sempre muito importante e o Governo sempre tem mantido isso, temos que reconhecer. É assim que se pode possibilitar melhoria no projeto, pois sempre temos o que melhorar", destacou Roberto Fontes, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do RN (Sindifern).
O ponto de vista é compartilhado pela delegada Paoulla Maués, que preside a Associação dos Delegados de Polícia Civil do RN (Adepol-RN). Para a integrante das forças de Segurança Pública, a postura governamental é útil para a construção do projeto de reforma da previdência. "É totalmente positivo que a gestão mantenha esse canal de diálogo conosco, pois também é assim que a Adepol trabalha. Sempre que o Governo chamar para a conversa construtiva estaremos à disposição. Em uma mesa de negociação há avanços e recuos", pontuou Maués.
Durante os encontros realizados, as categorias vêm apresentando suas propostas objetivando-se a construção da reforma da previdência.
A Adepol-RN, por exemplo, busca que certas mudanças sigam o que foi feito com a reforma da previdência nacional, que tratou de forma diferenciada os membros da Polícia Civil, destacando possíveis melhorias no plano regional no que diz respeito ao tempo de contribuição, idade para aposentadoria e período de serviço efetivo. "Também esperamos que seja possível um olhar diferenciado para a classe feminina, que foi atingida de forma forte no plano nacional", completou a delegada Paoulla Maués.
Os auditores fiscais também apresentaram ao Governo suas propostas, que tratam especialmente de pontos como as alíquotas de contribuição, regra de transição, dentre outros. "Já entregamos as propostas relativas a alguns pontos que achamos que devem ser questionados", afirmou Fontes.
Os dirigentes de classe acreditam que será possível chegar a um acordo a partir das negociações conduzidas pelo Governo. "Avançando nas conversas certamente é possível um acordo", pontuou a presidente da Adepol-RN. " Vamos seguir dialogando em todas as instâncias, como viemos fazendo", completou o diretor do Sindifern.
Mais
Votação na Assembleia
A proposta de reforma da previdência estadual, que será realizada por Emenda Constitucional, vai ser analisada e votada pela Assembleia Legislativa. A legislação prevê que será preciso dois terços dos votos dos 24 deputados para aprovação. Ou seja, a reforma precisa dos votos favoráveis de 16 dos 24 deputados.
Os parlamentares também podem alterar os itens da reforma propostos pela administração estadual. Após a análise e aprovação nas comissões legislativas e no plenário da Assembleia, a reforma será Lei, substituindo a atual, incluída na Constituição Estadual.
Diferentemente de projetos de Leis ordinárias, o governador do Estado não tem poder de veto ou direito à sanção das PEC's, ou saja, o que for aprovado pelos deputados é o que irá vigorar.
Equilíbrio financeiro
Entre os objetivos da reforma da Previdência está também a redução do aporte mensal que é transferido da conta única do Tesouro Estadual para pagamento de inativos e pensionistas, além de ser uma prerrogativa para que o Rio Grande do Norte possa ser beneficiado pelo Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF) do Governo Federal. A proposta de tributação apresentada pelo governo é diferenciada – quem ganha mais, paga mais à previdência. Segundo o secretário de Estado da Tributação (SET), Carlos Eduardo Xavier, a reforma abre caminhos para o equilíbrio da previdência estadual, ao mesmo tempo em que garante a continuidade de financiamentos oriundos do governo federal.
Fonte: Tribuna do Norte