Em 2005, para cada 100 servidores estaduais ativos havia 58 aposentados ou pensionistas no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) dos Estados. Essa proporção de inativos avançou e em 2017 chegou a 88 para cada 100 ativos. O dado considera o agregado de todos os Estados e Distrito Federal. O levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) mostra, segundo analistas, o quanto é importante para as contas estaduais que a reforma previdenciária no âmbito federal tenha efeitos para o regime próprio dos servidores públicos dos governos regionais.
Vilma da Conceição Pinto, do Ibre: reforma da Previdência precisa ser sucedida por mudanças em lei infraconstitucional
Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Ibre responsável pelo levantamento, destaca que a proporção entre inativos e ativos é mais alta ainda que a média nos Estados com maiores dificuldades fiscais. Dados de 2017 mostram que no Rio Grande do Sul são 162 inativos para cada 100 ativos. Em Minas e no Rio são 128 e 114, respectivamente. Em 14 dos 27 entes, a proporção é de mais de 80 aposentados e pensionistas para cada 100 servidores ativos. Os cálculos foram feitos com base em dados do Anuário Estatístico da Previdência Social. Atualmente, o regime próprio conta com 4,6 milhões de servidores, dos quais 2,5 milhões correspondem aos ativos e 1,7 milhão é de aposentados. O meio milhão restante é representado pelos pensionistas.
"Os dados mostram uma situação dramática", diz Vilma. "No agregado e em muitos Estados, há um número grande de beneficiários em relação ao de contribuintes, pressionando negativamente as necessidades de financiamento." Segundo boletim da Secretaria do Tesouro Nacional, o déficit previdenciário dos Estados aumentou 14% de 2016 para 2017, quando somou R$ 94 bilhões. A previdência pressiona a despesa com folha de salários. Atualmente, diz a economista do Ibre, existem Estados nos quais esse gastos, juntamente com os encargos sociais, representam mais de 70% das despesas primárias totais.
Para Vilma, o quadro do regime próprio pode ser considerado mais grave que o do regime geral. Na Previdência Social, segundo dados do governo, para cada 100 contribuintes, há 49 beneficiários. São considerados 32 milhões de beneficiários ativos e 65 milhões de contribuintes pessoa física.
A razão de dependência dos idosos é um indicador usado também para medir o impacto no regime geral. Essa razão, que mede a proporção dos maiores de 60 anos na população potencialmente ativa, considerada de 15 anos a 59 anos, é calculada em 20,6% para 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000 essa razão era de 13,1% e em 2050 deve atingir 52,1%.
George Santoro, secretário da Fazenda de Alagoas, lembra que, no caso do regime próprio dos servidores, desde 2004 os Estados passaram a promover a chamada segregação de massas. Em Alagoas, diz ele, essa separação foi implantada efetivamente em 2011, o que criou um período de transição no qual a pressão sobre o déficit previdenciário é maior. Isso porque os novos contratados passam a ter as suas contribuições atreladas a um fundo de capitalização, o que é benéfico no longo prazo.
Os servidores que entram no fundo de capitalização, porém, não contribuem mais para o sistema de repartição simples aplicado para o contingente anterior de funcionários públicos.
Segundo o secretário, o déficit previdenciário projetado para Alagoas este ano é de R$ 1,35 bilhão. No ano passado, foi de R$ 1,2 bilhão. Em Alagoas, para cada 100 ativos do regime próprio, há 81 aposentados ou pensionistas.
Sol Garson, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz também que a proporção entre ativos e inativos no setor público tem efeitos ainda maiores porque os vencimentos dos aposentados são mais altos, como resultado de promoções e progressões ao longo da carreira. Já os servidores que contribuem para sustentar os benefícios estão nas etapas iniciais da carreira e, por isso, os vencimentos sobre os quais contribuem são menores. "Há descompasso entre os benefícios e os salários de quem contribui."
Por isso, avalia Santoro, é necessário que, além da reforma previdenciária, haja revisão da estrutura de carreiras em cada um dos Estados, de forma a gerar maior produtividade e realocação de servidores.
"A reforma é fundamental. Pontos como idade mínima para aposentadoria e mudança de regras para professores e militares, carreiras em que hoje os servidores se aposentam mais cedo, terão grande impacto nos Estados." Ao mesmo tempo, diz Santoro, é preciso alterar carreiras cujos vencimentos se elevam muito mais quando se está próximo do momento em que o servidor se aposenta. "Isso causa desproporção entre a contribuição e o benefício."
Sol também destaca que a discussão da reforma previdenciária gerou uma corrida dos servidores para a aposentadoria, o que agrava ainda mais a situação dos Estados. A reforma, segundo ela, é fundamental, mas precisa ser seguida de mudança profunda no processo de trabalho, como modernização e racionalização de procedimentos que levem ao aumento de eficiência e reduzam a necessidade de contratação de servidores. "É preciso uma mudança que vá além do controle de indicadores fiscais."
Vilma diz que a aprovação da reforma precisa ser sucedida por mudanças na legislação infraconstitucional, com revisão das progressões automáticas que levam ao crescimento vegetativo da folha, mesmo quando não há reajuste salarial. Localmente, diz, os Estados podem elevar a contribuição previdenciária, respeitados os limites legais. Para ela, é possível discutir a instituição de uma alíquota extraordinária e temporária de contribuição previdenciária em casos de desequilíbrio fiscal.
Fonte: Valor