O que tínhamos é mentira, uma farsa". Assim o delegado Rogério Baggio, que preside o inquérito que apura a morte de duas crianças encontradas esquartejadas em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, em setembro de 2017, resume o caso. Em coletiva realizada na tarde desta quarta-feira (7), ele destacou que a investigação volta "ao zero" e que as testemunhas que basearam as ações da Polícia Civil mentiram.
"As testemunhas que deram o depoimento mentiram, com riquezas de detalhes, e por isso a investigação seguiu o rumo traçado por essas testemunhas", explicou o delegado durante a entrevista.
Segundo ele, uma pessoa coagiu as testemunhas a mentirem, oferecendo moradia, alimentação e um valor mensal do Programa Protege, que dá assistência a testemunhas ameaçadas. Essa pessoa foi presa preventivamente na manhã desta quarta-feira em São Leopoldo, também na Região Metropolitana de Porto Alegre, e confessou o crime.
"Normalmente em casos de prisão preventiva divulgamos o nome, mas a divulgação do nome dessa pessoa prejudica a investigação, porque temos mais suspeitos. A divulgação da motivação dessa pessoa também atrapalharia, por isso não podemos falar", ressaltou Baggio.
O preso teria, inclusive, orientado o próprio filho a mentir em depoimento. As outras testemunhas também seriam próximas dessa pessoa, segundo o delegado. O filho foi alvo de condução coercitiva ainda nesta quarta-feira, colaborou com depoimentos e foi liberado. Ele e as demais testemunhas serão indiciados por denúncia caluniosa.
"Essa pessoa não tem nenhum interesse pessoal em prejudicar essas pessoas [os suspeitos que estavam presos]. A verdadeira motivação vai ser agora o motivo da investigação", afirmou o delegado.
Essas pessoas as quais o delegado Baggio se refere são os sete suspeitos de envolvimento no caso que tiveram prisões solicitadas pelo delegado Moacir Fermino. Porém, após essa reviravolta no caso, a Justiça determinou a liberdade provisória aos cinco homens que estavam presos e aos outros dois foragidos.
"Considerando que as decisões que anteriormente decretaram prisões temporárias e preventivas se basearam na investigação policial apresentada e postulação do Delegado de Polícia responsável pela investigação à época e neste momento, com o aprofundamento das investigações, se observa que as novas informações angariadas ao feito possuem o condão de derruir o conjunto probatório até então existente, revogo a prisão preventiva e concedo a liberdade provisória", disse a juíza Angela Roberta Paps Dumerque em sua decisão.
Um dos advogados da defesa de Silvio Fernandes Rodrigues, apontado inicialmente pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul como envolvido na morte das crianças, afirmou que os suspeitos que estavam presos não tinham nenhuma relação com o caso. Para Marco Alfredo Mejía, que representa o líder religioso, a reviravolta no caso era esperada desde o começo.
"O processo era muito falho. Era ideológico, e não técnico-científico. A Polícia do Rio Grande do Sul é uma das melhores polícias do Brasil e a gente já sabia que iam chegar a essa conclusão que a autoria dos réus presos não tinha nada a ver com o ilícito criminal relacionado a essas crianças", disse o advogado.
O que a investigação havia apurado
As investigações foram iniciadas em setembro do ano passado, quando partes dos corpos de duas crianças, um menino e uma menina, foram encontradas, em dois locais distintos em Novo Hamburgo, e com alguns dias de diferença. Exames de DNA indicaram que eles são irmãos por parte de mãe, um menino de 8 anos, e uma menina de 12. A perícia apontou ainda que uma das crianças tinha ingerido uma grande quantidade de álcool, 14 vezes maior que o nível de embriaguez.
No início de janeiro, a Polícia Civil divulgou os decretos de prisão, autorizados pela Justiça, de homens que estariam relacionados a um ritual satânico, ligado a um templo em Gravataí. Quatro deles haviam sido presos. Algumas semanas depois, um quinto foi preso. Conforme a polícia, as crianças, teriam sido mortas durante o suposto ritual.
A polícia acreditava que dois empresários do ramo imobiliário teriam pago R$ 25 mil por um ritual de prosperidade no qual as crianças teriam sido mortas. Os crânios dessas duas crianças ainda não foram localizados, e a identidade delas não foi determinada.
Porém, como destacou o delegado Rogério Baggio, tudo isso terá que ser reapurado. "Voltamos ao zero. Tudo pode ser investigado. Não temos nada que comprove que as crianças são argentinas. Com toda essa repercussão, ainda não apareceram pessoas pedindo por essas crianças, como imaginávamos que aconteceria. As cabeças são de fundamental importância agora", avalia o delegado.
Ritual não é descartado, mas não há pistas
"Temos um homicídio. Mas a investigação voltou ao zero. O que gerou as prisões vai fazer parte de outro inquérito. O que eu digo é que não descarto ritual satânico, é que, como voltei ao zero, não faço a menor ideia do que aconteceu", disse Baggio. "Pode ser ritual satânico, pode ser tráfico de drogas. O fato é que essas pessoas [os cinco presos e dois foragidos] são inocentes", complementa.
O delegado salientou ainda que a suspeita de que as crianças sejam argentinas não se confirmou. Essa hipótese se devia ao fato de que um dos homens presos é argentino, e teria trazido as crianças de uma cidade do país vizinho, em troca de um caminhão. Causa estranhamento, porém, que ninguém tenha procurado pelas crianças no Brasil. "Elas podem ser daqui, mas sem terem sido registradas", afirma.
As provas periciais colhidas pela investigação se provaram insuficientes. "Foi mandado muito material para perícia, telefone, computadores, vestes, facas, um universo de objetos. Tudo está voltando negativo", relata.
Conforme a polícia, o sangue encontrado no templo era de animais. Na capa que teria sido utilizada no ritual, só havia sangue animal. Em uma máscara, também apresentada como prova, nada foi constatado.
Delegado substituto será investigado pela corregedoria
O delegado Moacir Fermino, que assumiu a investigação durante as férias de Rogério Baggio, terá a conduta investigada pela Corregedoria da Polícia Civil, e o caso como um todo, conforme declarou o titular. Sem comentar em detalhes, "por questão de ética", Baggio reconheceu que foram cometidos erros, que levaram pessoas inocentes a terem "a vida devastada e serem publicamente condenados".
O G1 tentou contato com a Corregedoria, mas não foi atendido.
Em entrevista coletiva no início do ano, Fermino afirmou que tinha chegado à versão de suposto ritual satânico havia sido revelada a ele por duas pessoas, descritas por ele como "profetas".
"Uma dessas pessoas estava comigo no carro, quando teve a revelação, e a outra me ligou e me pediu para levar um caderno [onde seriam anotadas as revelações]".
Fonte: G1
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