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segunda-feira, novembro 20, 2017

Mãe de menino que desmaiou de fome no DF fala sobre dificuldade de 'ser mãe e pai'

A mãe do menino de 8 anos, que desmaiou de fome em uma escola pública do DF na última semana, falou pela primeira vez sobre o caso, neste sábado (18). Leidiane Amorim tem 29 anos, cuida de 6 filhos, e está desempregada. Um outro filho da ex-catadora mora com a avó, no Ceará.
"Eu sou o pai e a mãe deles. Sou tudo ao mesmo tempo."
Leidiane vivia com a família em um barraco em uma área invadida no Noroeste, região nobre do Plano Piloto, em Brasília. Como estava perto do centro da capital, ela trabalhava como catadora de lixo reciclável. Há um ano foi contemplada com um apartamento do programa Minha Casa MInha Vida no Paranoá Parque e se mudou para o condomínio, a 28 km da área central.
No condomínio, moram cerca de 6 mil famílias, mas não há escola. Por conta disso, os filhos de Leidiane, assim como outras 250 crianças – todas de famílias de baixa renda – estudam no Cruzeiro, que fica a 30 km de distância. Também não há emprego na região, dizem os moradores que receberam as chaves do programa habitacional.
Leidiane recebe R$ 946 de programas assistenciais. Ela explica que não consegue pagar todas as contas e ainda comprar roupas e comida para os seis filhos com idades entre 2 e 13 anos. "São R$ 138 de água e condomínio, R$ 80 da parcela [do apartamento], a energia vem um absurdo, vem R$ 70 ou R$ 80".
A filha mais velha, de 13 anos, diz que é comum que ela e os irmãos vão para a escola com fome.
"A barriga da gente fica doendo de tanta fome . A gente fala pra professora, mas ela não tem como resolver."

Irmãos de menino que desmaiou de fome em escola no DF dizem que muitas vezes não tem comida para o almoço  (Foto: TV Globo/Reprodução)
Irmãos de menino que desmaiou de fome em escola no DF dizem que muitas vezes não tem comida para o almoço (Foto: TV Globo/Reprodução)

Nesta semana, depois da repercussão do desmaio de um dos filhos de Leidiane, a escola e voluntários doaram alimentos para a família. Neste sábado (18), o governador Rodrigo Rollemberg disse que o problema é pontual da família, e não da escola.
Mesmo assim, o GDF diz que vai entregar uma cesta básica e mais um auxílio vulnerabilidade de seis parcelas de R$ 408 para Leidiane. Uma equipe de nutricionistas também foi à escola, e a Secretaria de Educação estuda mudanças no cardápio dos alunos que moram longe do colégio.
Especialista questiona
Para o especialista em educação Afonso Galvão, o caso do menino revela um problema sistêmico. "É uma dívida que é reflexo de nossa situação de desigualdade extrema. Eu acho que essa situação tem que ser resolvida de um modo mais competente. Não é com soluções medíocres, não é com soluções, desculpe a expressão, 'meia boca', que se vai resolver isso", afirma.
"O governo não pode ajudar essas pessoas que estão desassistidas, que estão em situação de extrema pobreza, pela metade."
De acordo com Galvão, o governo não deveria, por exemplo, oferecer uma condição de moradia onde o contemplado tem que pagar uma prestação que muitas vezes não consegue. "Para manter a casa ele vai tirar dinheiro de um aspecto fundamental, que é a própria alimentação das crianças e adolescentes".
Ele também contesta o entendimento do GDF de que a fome não é um problema da escola. Segundo Galvão, "a escola é um epicentro de proteção à criança e ao adolescente, e todas as políticas, as educacionais e sociais também, elas devem ter como centro de desenvolvimento o espaço escolar."
"É na escola que se observa se a criança está com um comportamento estranho, se a criança está mal nutrida, se a criança está com qualquer tipo de problema ."

Para o especialista, políticas sociais devem ser desenvolvidas a partir da escola. "O espaço escolar deve ser um lugar onde as crianças sejam devidamente protegidas e tenham um ambiente acolhedor capaz de fazer com que a sua capacidade cognitiva seja otimizada", explica.
Galvão diz ainda que acredita que o caso do filho de Leidiane seja uma exceção, mas chama o episódio de "uma metáfora da crise do sistema educacional".
"Ao que parece, é uma escola que recolhe as crianças às 11h para uma aula que começa às 13h30. Evidentemente, não há condições de almoçar direito [...] e eles vão ter merenda só mais tarde. Com isso, lógico, ela vai ficar prejudicada em sua capacidade de aprender e prejudicada também em sua própria capacidade de condição humana, de desenvolvimento humano."

Fonte: G1

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